Seria mais uma típica missa no convento Servas de Maria Reparadora, em Rio Branco, capital do Acre, se Marina Silva, então com 17 anos, não tivesse notado o cartaz de um curso de liderança sindical rural ministrado pelo seringueiro Chico Mendes. Aquela seria a oportunidade para conhecer o homem que, na época, dava os primeiros passos para sua revolução nas florestas de Xapuri, interior do estado. O encontro mudaria a vida dela para sempre.
Eram meados dos anos 70. Os seringais acrianos estavam em decadência e as enormes áreas de florestas eram loteadas pelos seringalistas
para pecuaristas do Sul e Sudeste, culminando em desmatamento e expulsão das famílias que ali viviam há décadas.
Marina compreendia aquela realidade. Nascida em 1958, em uma pequena comunidade no Seringal Bagaço, na zona rural de Rio Branco, ela viveu seus primeiros 16 anos na floresta, onde imperava um sistema de semiescravidão por parte dos patrões, além de pobreza e baixa expectativa de vida pelas doenças típicas da região – sua mãe morreu aos 36 anos, quando Marina tinha 14; outros três irmãos também falecerem por enfermidades.
Quase 45 anos separam a Marina que assistia atentamente a palestra de Chico Mendes da Marina que, nesta quinta-feira (29), posou para a foto com o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva ao ser anunciada, pela segunda vez, ministra do Meio Ambiente do Brasil.
Nesse intervalo, a filha de seringueiros traçou uma trajetória reconhecida internacionalmente e que inspira diferentes gerações. Sempre pautada na defesa das florestas e suas populações tradicionais, Marina alçou voos impensáveis para alguém que emergiu da dura realidade dos seringais e que só aprendeu a ler e a escrever aos 16 anos, após ir para o convento.
Em seu primeiro encontro com Chico Mendes, ela ouviu seu testemunho sobre as disputas entre seringueiros e fazendeiros pelas terras. Na mesma ocasião, um bispo que apoiava a resistência dos trabalhadores rurais deu um sermão sobre o compromisso da igreja com os pobres e oprimidos. Estava plantada a semente que transformaria a menina que sonhava em ser freira em uma incansável militante das causas socioambientais da Amazônia.
“Aquilo mudou a minha cabeça. Comecei a receber clandestinamente dentro do convento o boletim Somos Todos Irmãos, das comunidades eclesiais de base. Recebia também um jornal de resistência à ditadura chamado Movimento. Devorava os dois tarde da noite e depois os escondia embaixo do colchão”, lembrou, em entrevista à Revista Trip em 2020.
A vocação de lutar pelas causas sociais falou mais alto que o sonho de se dedicar exclusivamente a Deus. Assim, Marina, que na época se sustentava como empregada doméstica, abandonou o convento e passou a se envolver politicamente com Chico Mendes, participando dos chamados “empates”, resistência pacífica onde os seringueiros e suas famílias se posicionavam em frente às máquinas e motosserras para impedir o desmatamento.
Aos 22 anos, começou a cursar História na Universidade Federal do Acre (Ufac) e passou a militar também no movimento estudantil. Ao lado de Chico, fundou a Central Única dos Trabalhadores (CUT) no Acre, onde ocupou o posto de vice-coordenadora.
Vida política
A vida pública teve início em 1986, aos 28 anos, quando disputou sua primeira eleição para a Câmara dos Deputados, em Brasília, em dobradinha com Chico Mendes, candidato a deputado estadual, ambos pelo PT. Ela foi a quinta mais votada do país, porém não conquistou a vaga porque seu partido não obteve o quociente eleitoral mínimo exigido.
Desistir nunca foi opção para a ex-seringueira. Dois anos depois, ela foi eleita vereadora em Rio Branco com votação expressiva. Voos mais altos eram possíveis e, antes de terminar seu mandato, saiu vitoriosa das urnas para ocupar uma cadeira de deputada estadual na Assembleia Legislativa do Acre. Em 1994, tornou-se a senadora mais jovem da história do Brasil, sendo reeleita em 2002 com votação quase três vezes maior.
Naquele ano, Lula, seu colega de luta e partido, também fazia história ao ser o primeiro operário eleito presidente da República. Para compor as fileiras do Ministério do Meio Ambiente, nenhum outro nome tinha tanta expressividade, na época, como o de Marina Silva, e eis que ela é nomeada com pompa para a pasta, onde ficou até 2008.
A escolha de Lula se mostrou acertada. No período em que Marina esteve à frente do ministério, o índice de desmatamento na Amazônia caiu mais da metade, após a criação do PPCDAm
, o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal
. A estratégia também possibilitou, nos anos seguintes, uma redução ainda mais expressiva da devastação na maior e mais importante floresta tropical do planeta.
Sua luta em prol da Amazônia lhe rendeu diversos reconhecimentos, entre eles o prêmio Goldman, considerado o Nobel do Meio Ambiente, recebido em 1996. Em 2007, foi eleita pelo jornal britânico “The Guardian” como uma das 50 pessoas que podem ajudar a salvar o mundo. Naquele mesmo ano, ganhou o principal prêmio da ONU na área ambiental, o Champions of the Earth, além de ter recebido das mãos do príncipe Philip, da Inglaterra, em 2008, a medalha Duque de Edimburgo, honraria concedida pela WWF.
Terceira via e retorno ao MMA
Após divergências internas, ela troca o PT pelo PV, por onde disputou, em 2010, pela primeira vez, a presidência da República, obtendo 20% dos votos válidos. Quatro anos mais tarde, se lançou como vice na chapa de Eduardo Campos (PSB). Após o trágico acidente aéreo que matou o ex-governador de Pernambuco, Marina passa a encabeçar a chapa, disputando novamente o pleito e conquistando 22 milhões de votos – 2,4 milhões a mais do que em 2010.
Após criar seu próprio partido, o Rede Sustentabilidade, fortemente calcado em ideias ambientais aliadas ao desenvolvimento econômico e social, Marina disputa, em 2018, a presidência do Brasil pela terceira vez, porém, novamente, sem sucesso.
Nas eleições de 2022, marcada por forte polarização política que inviabilizou a ascensão de uma terceira via – posição na qual a acriana se colocava nos últimos pleitos -, ela decide mudar de estratégia, transferir seu domicílio eleitoral para São Paulo e se lançar candidata a deputada federal, sendo a 12ª mais votada no estado.
Inconformada com a política antiambiental de Bolsonaro, que entregou uma Amazônia com recordes e mais recordes nas taxas de desmatamento e 11,5 mil km² perdidos de floresta apenas em 2022, Marina se reconcilia com Lula e passa a compor seu palanque, ajudando a eleger novamente seu histórico companheiro de luta e passando a ser o nome mais óbvio para ocupar o Ministério do Meio Ambiente.
E assim se deu seu retorno à pasta, atendendo as expectativas de ambientalistas, povos indígenas, populações extrativistas e sociedade civil engajada com o meio ambiente.
Os desafios a serem enfrentados por Marina são ainda maiores do que eram há 20 anos. Além de herdar uma taxa de desmatamento na Amazônia nos níveis de 2006, a futura ministra terá de remontar os principais órgãos de fiscalização, como Ibama e ICMBio, auxiliar o combate ao crime ambiental organizado que assola a região e renegociar o retorno de mecanismos de compensação pela preservação da floresta, como o Fundo Amazônia.