Por Juliana Borges, do Afropiniões
Por um breve tempo, refleti se escreveria este texto ou não. Se valeria a pena esta posição aqui ou não. E me lembrei do texto de Reni Eddo-Lodge – que eu traduzi aqui no blog – sobre não mais falar sobre raça com pessoas brancas. Em um determinado momento do texto, Eddo-Lodge explicita que, a depender do local, e das pessoas que podem ser alcançadas e do impacto de suas palavras nestas, vale a pena ainda falar. Por isso, eu explicito logo de cara: este não é um texto para brancos. E, pelo simples fato de que eu sei que eles não querem ouvir. Mais uma vez, emprestando o humor britânico da autora supracitada, uma grande parte dos brancos, não todos eles. Assim, já adianto que, caso algum branco leia este texto, já está garantida a sua negação e “excecibilidade”.
Pacto narcísico da branquitude. Para o seu doutoramento, Cida Bento definiu o que chamou de “pacto narcísico da branquitude”: um pacto realizado entre brancos para preservar privilégios. Neste pacto estão presentes alguns pontos contratuais: a negação e a recusa de que são racistas e de que há racismo – utilizando-me aqui dos conceitos trabalhados por Paul Gilroy e Grada Kilomba, sobre as palavras “negação” e “recusa” – e que, portanto constroi a imagem do negro pela negatividade, como um perigo iminente constante, de modo que isso corroboraria uma atitude de auto-preservação baseada no medo e, garantindo, assim a manutenção dos privilégios. Aqui, ressalto: manutenção das desigualdades, e por isso dos privilégios, baseados em hierarquias raciais.
E, ainda, gostaria de dizer que minhas palavras em nada desmerecem trabalhos que são e foram realizados tanto por autores quanto no trabalho editorial cotidiano e no impulsionamento pela leitura. O que estou dizendo, fundamentalmente, é em que ritmo e como queremos fazer. Se queremos continuar a passos de tartarugas, e o futuro que se avizinha parece até querer nos empurrar para trás, ou se queremos compreender e participar de processos que acontecem há algum tempo e que, dificilmente, serão barrados.
Dito isso, inicio o que gostaria de comentar aqui. Fiquei pensando se focaria no criticado ou na positiva. Sendo direta: se falaria mais de Gabeira ou se falaria mais de Djamila Ribeiro. Mas, tendo definido que meu público NÃO É a branquitude, foco em Djamila Ribeiro.
Djamila Ribeiro foi indicada para concorrer ao Prêmio Jabuti na categoria “Humanidades”, com o livro “O que é lugar de fala?” (Letramento). Com ela, alguns outros importantes e relevantes nomes na produção na área de humanidades disputavam, como Drauzio Varella, Christian Dunker, Nei Lopes e José Rivair Macedo, por exemplo.
“O que é lugar de fala?” é livro carro-chefe da Coleção Feminismos Plurais, que é coordenada e curada por Djamila Ribeiro. Estou entre uma das autoras. A coleção surgiu de uma ideia de Ribeiro sobre termos marcos teóricos brasileiros sobre premissas e conceitos caros ao Feminismo Negro e a produção intelectual de mulheres negras historicamente. E esse incômodo, que culminou em ideia-força, era muito legítimo, já que vimos a todo tempo as formulações de mulheres negras sendo desqualificadas e deslegitimadas, diminuídas, esvaziadas e aviltadas E isso se dá, fundamentalmente, porque há no racismo a estrutura de constituição e pedra fundamental da sociedade brasileira.
A coleção Feminismos Plurais é um marco editorial. E por uma questão muito perceptível: ao passo que grandes livrarias e diversas editoras choram por cortes de recursos e uma crise editorial, a coleção tem construído best-sellers nacionais. Os lançamentos fogem de uma maneira fechada – e digo diretamente: elitista – de enxergar o fazer da escrita e, portanto, o momento de apresentação de obra e autor ao público leitor que se intenta como se em um “petit“. As atividades, até agora, passaram pelo diálogo entre escrita, produção intelectual literária e musical, diálogos pautados na política que representa a disputa narrativa colocada por esta coleção. Com isso, a coleção tem mobilizado milhares pelo país que ansiavam por visibilidade de uma produção de conhecimento que já existia e que ascendia no percurso histórico. Isto não é pouca coisa.
Além disso, a obra tem qualidade inquestionável. A autora dialoga com o pensamento decolonial, tem fluidez na escrita, apresenta pontos complexos sem rebuscamento, um texto objetivo e sem rodeios – característica que vemos muito por aí, quando um autor quer “encher linguiça” numa equivocada relação entre quantidade e qualidade. Ou seja, a obra entrega o que se propõe e, mais, ainda instiga o leitor e leitora a aprofundar-se na temática, a buscar outros autores e outras autoras. O que quero dizer é que a obra faz algo central se formos pensar em um mercado editorial que fala em crise e em falta de público: a obra forma leitores. Se falamos tanto em um país que pouco lê, incentivos às práticas de leitura e produção literária são questões fundamentais. Ou seguiremos neste processo de demandas por recursos – que eu não nego que sejam importantes – para a produção de livros sem que tenhamos quem vá ler estes textos. E isso significa e retoma, simplesmente, meu segundo ponto deste texto: um pacto de preservação de privilégios, no qual uma pequena parcela auto-definida intelectual – e por critérios das relações burguesas e dos pequenos nichos – se retroalimenta em um convescote.
Por fim, mas não menos importante: os meus parabéns para Djamila Ribeiro. Já entrou para a História como a intelectual negra brasileira, na galeria de nosso fio ancestral de pensamento, que tem demonstrado que negros leem e produzem sobre si e sobre o mundo. E isso é inestimável e não há prêmio que dê conta.