Por Vinicius Konchinski, para Brasil de Fato.
Cerca de 3,3 bilhões de pessoas – mais de 41% da população mundial – vivem em países que hoje gastam anualmente mais com o pagamento de suas dívidas do que investem em Educação ou Saúde. Essa é a principal conclusão do estudo “Um Mundo de Dívidas“, divulgado neste mês pela Organização das Nações Unidas (ONU).
Segundo esse estudo, a dívida pública de todos os países do globo quintuplicou em 20 anos: saiu de 17 trilhões de dólares em 2002 e atingiu 92 trilhões de dólares nos ano passado – cerca de R$ 450 trilhões hoje.
Ao mesmo tempo, o crescimento da produção mundial de riquezas triplicou – ou seja, cresceu num ritmo 40% menor em relação ao crescimento da dívida pública.
O descompasso entre o aumento das dívidas e da produtividade tem pressionado os orçamentos públicos de nações mundo afora. O problema aflige principalmente os países mais pobres, chamados de países em desenvolvimento. Isso faz com que cada vez mais recursos sejam destinados ao pagamento de credores e menos para o bem-estar da população, que mais precisa de atenção do Estado.
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“3,3 bilhões de pessoas são mais do que um risco sistêmico, são uma falha sistêmica”, disse António Guterres, secretário-geral da ONU, no evento de apresentação dos dados sobre dívidas levantados pela organização.
Para Guterres, o sistema financeiro internacional é um “fracasso” à medida que retira recursos de áreas estratégicas para o desenvolvimento de países quando, na verdade, deveria servir a este desenvolvimento.
O estudo aponta que só 30% das dívidas públicas do mundo pertencem a países pobres. Para eles, porém, elas pesam mais, já que o orçamento deles é menor que o dos ricos. Pesa mais também porque os juros que eles pagam sobre essa dívida são mais altos para os mais pobres.
Na Alemanha, por exemplo, um título com prazo de vencimento de dez anos emitido pelo governo para obter recursos e financiar sua operação paga juros de 1,5% ao ano. No continente africano, um título semelhante tem juros de 11,6% ao ano.
Em 2022, países em desenvolvimento gastaram 6,9% de suas receitas e 1,5% do seu Produto Interno Bruto (PIB) somente para pagar juros dos seus débitos. Há 20 anos, eram 4,2% das receitas e 0,9% do PIB.
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O gasto com a dívida, aliás, cresce mais rápido do que com investimentos em obras, Educação e Saúde. “Isso é um resultado da desigualdade intrínseca de um sistema financeiro mundial obsoleto, que reflete as dinâmicas coloniais da época em que foi criado”, disse Guterres, ressaltando que boa parte dos credores de países mais pobres são bancos de países ricos ou instituições controladas por esses países.
Mauricio Weiss, economista e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), acrescentou que esses bancos também são responsáveis por dívidas de países mais ricos. Nos Estados Unidos e na Grécia, por exemplo, a dívida pública cresceu porque o governo foi obrigado a socorrer os bancos quando eles ficaram perto de quebrar.
“Teve a pandemia que elevou a dívida, mas também o socorro de países a bancos e cidadãos, como no caso da Grécia”, disse ele.
O caso Brasil
A ONU indica que 70% das dívidas de países mais pobres são de Índia, China e Brasil.
No Brasil, a taxa básica de juros da economia, a Selic – que serve de referência para a dívida pública – é hoje de 13,75% ao ano – a mais alta do mundo, segundo o governo federal.
Monitoramento realizado pela organização Auditoria Cidadã da Dívida informa que, em 2022, o governo gastou R$ 4,06 trilhões. Disso, R$ 1,87 trilhão foram destinados a pagamentos de juros e da própria dívida – 46,3% do total. Na Educação, foram 2,7%; na Saúde, foram 3,3%.
“O principal problema do país é a taxa de juros”, acrescentou Weiss. “Nesse atual patamar da Selic, o aumento de 1 ponto percentual representa algo em torno de R$ 30 a R$ 40 bilhões na nossa dívida.”
Weiss ressaltou que a dívida pública, em si, não é ruim. O problema é quando ela cresce de forma desequilibrada com o crescimento da economia –o que não é o caso do Brasil.
Pedro Faria, economista e pesquisador do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional da Faculdade de Ciências Econômicas (Cedeplar) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), ratifica a avaliação de Weiss.
Para ele, a taxa de juros no Brasil é alta. Mesmo assim, nem todo endividamento público pode ser considerado negativo. “Às vezes você tem um déficit, mas está investindo em busca de crescimento e reduzindo a relação dívida-PIB no futuro.”
Edição: Leandro Melito