Ditadura brasileira usou Itamaraty para apoiar repressão de Pinochet no Chile, diz autor de livro sobre golpe chileno

Livro de Simon fala sobre a atuação de agentes da ditadura brasileira no Chile. Foto: Arquivo Nacional

Por Mariana Sanches, BBC.

Sete anos de pesquisa em milhares de documentos oficiais e dezenas de entrevistas no Brasil, Chile e Estados Unidos desafiam uma série de noções históricas — à direita e à esquerda — sobre como o regime militar brasileiro se envolveu no golpe de Estado que retirou do governo chileno o socialista Salvador Allende e colocou em seu lugar uma junta militar comandada por Augusto Pinochet.

Em O Brasil Contra a Democracia, lançado no país em 8/2 pela Companhia das Letras, o jornalista Roberto Simon revela o papel consistente do Brasil no desfecho de 11 de setembro de 1973, no Palácio de La Moneda, sede do poder federal chileno. (Nota de Desacato: Tem outra versão que diz que Salvador Allende foi assassinado). Naquele dia, quando Allende apontou o fuzil AK-47, presente de Fidel Castro, contra o próprio queixo, o tiro abateu a democracia mais longeva da região naquele momento.

Mas as ações brasileiras começariam muitos anos antes do tiro, logo após a vitória nas urnas do socialista, em 1970, quando coube ao Itamaraty mapear os militares chilenos que poderiam levar a cabo uma ruptura democrática. O Brasil apoiou os conspiradores, isolou o Chile de Allende internacionalmente, propalou a ideia nunca comprovada de que havia no país campos de guerrilheiros, e, depois do golpe, ajudou na construção do aparato de repressão de Pinochet.

Ao agir dessa forma, de acordo com Simon, o regime anticomunista do Brasil perseguia seus próprios interesses. Para o Conselho de Segurança Nacional, o Chile de Allende era a “nova cabeça de ponte do comunismo internacional”, potencialmente muito mais perigosa ao Brasil do que Cuba, por sua proximidade geográfica e pelo grande número de exilados brasileiros no país.

E nesse intento, um dos órgãos da burocracia brasileira teve especial importância: o Itamaraty. Simon desmonta a noção de que durante o regime ditatorial brasileiro, os diplomatas se encastelaram em assuntos de interesse permanente do país, distantes das atrocidades do governo corrente. Ao contrário, nas páginas de O Brasil Contra a Democracia o Itamaraty se revela peça fundamental da repressão do Estado brasileiro.

Leia a seguir os principais trechos da entrevista à BBC News Brasil.

Roberto Simon, um homem branco, de barba ruiva, careca, de óculos e terno, sorrindo contra um fundo preto
Simon esta lançando o livro ‘O Brasil Contra a Democracia’. Foto: Divulgação

BBC News Brasil – De que maneira a ditadura militar brasileira atuou para destruir a democracia e consolidar um regime autoritário no Chile?

Roberto Simon – De várias formas. O Brasil apoiou atores que estavam conspirando contra a democracia no Chile, atuou para isolar diplomaticamente o Chile e identificar militares que poderiam se aventurar num golpe de Estado contra Allende. Apoiou grupos de extrema direita, como o neofascista Patria y Libertad e, no momento do golpe, o Brasil deu enorme apoio. Foi o primeiro país a reconhecer a junta militar liderada por Augusto Pinochet e ajudou na montagem do aparato de repressão do governo Pinochet. O país garantiu apoio político, diplomático e econômico ao governo Pinochet.

E ao mesmo tempo em que tomava ações diretas, o Brasil também desempenhava um papel de modelo para o Chile: o golpe de 1964 contra João Goulart era visto pelos algozes do governo Allende como um exemplo. Na visão dos que derrubaram o governo Allende, o Brasil tinha, com sucesso, derrotado um governo de esquerda populista para criar um regime autoritário que promovia um crescimento ordenado. Nos anos 1970, o Brasil era o país que mais crescia no mundo percentualmente e os chilenos olhavam aquilo como uma grande lição. A ideia de você ter um regime anti-comunista que colocasse ordem no país e que eliminasse o risco de uma revolução socialista era algo que eles buscavam.

BBC News Brasil – E do lado do Brasil, qual era o interesse do governo brasileiro em ter Pinochet no poder?

Simon – Quando Allende é eleito, em 1970, o Brasil toma um grande susto. O Brasil acreditava que o candidato de direita, (o conservador Jorge) Alessandri ganharia. É importante dizer que Allende era um revolucionário de fato, não era como a centro-esquerda europeia da época, não era um reformista. Ele tinha uma proposta de acabar com o capitalismo no Chile e impor uma economia socialista, mas o faria não por meio de uma revolução armada, mas pelas urnas, o caminho eleitoral que os chilenos chamavam de uma “revolução a empanadas e vinho tinto”, em vez de fuzis e paredões.

Os documentos brasileiros da época começam a se referir ao Chile como a “nova cabeça de ponte do comunismo internacional.” Parte da imprensa brasileira daquela época chama o país de “Nova Cuba na América Latina”, só que muito mais preocupante para o Brasil porque o país não estava no Caribe, mas estava aqui do lado na América do Sul. E é bom lembrar que naquele momento do golpe havia milhares de exilados brasileiros vivendo em Santiago.

Então, dentro desse contexto a da Doutrina de Segurança Nacional da ditadura, o Chile desponta como a maior ameaça regional ao Brasil. E é aí que os militares brasileiros se debruçam sobre várias maneiras de lidar com essa ameaça. Não só os militares como também o Itamaraty.

BBC News Brasil – O regime de Pinochet é considerado um dos mais violentos do mundo, enquanto que a ditadura brasileira é citada por alguns como supostamente (e comparativamente) mais branda na repressão. De que maneira as descobertas do livro desafiam essas noções ao entrelaçar a história dos dois regimes?

Simon – O aparato de repressão no Chile foi construído com enorme apoio do Brasil. Vários agentes da Dina, a polícia secreta do Pinochet, receberam treinamento do SNI (Serviço Nacional de Informações, o órgão de espionagem brasileiro) no Brasil. Um dos líderes da inteligência chilena no final dos anos 1970 era adido militar no Brasil, em 1974 — e mais tarde foi condenado pela Justiça chilena (por crimes da ditadura).

Então, é difícil separar onde começa a repressão brasileira e termina a repressão chilena até porque após o golpe os dois países começaram a compartilhar informações sobre exilados. O Brasil queria muito saber sobre o destino de exilados brasileiros que viviam no Chile, e isso ia desde pessoas que haviam sido banidas do Brasil, trocadas por diplomatas sequestrados no Brasil, guerrilheiros etc, até intelectuais de esquerda, professores, que não tinham nenhum vínculo com a luta armada mas a ditadura decidiu cassá-los e tentar rastreá-los.

O Brasil enviou agentes ao Estádio Nacional, o principal estádio do Chile que se converteu num grande campo de prisioneiros no imediato pós-golpe (estimados 40 mil prisioneiros passaram por lá). O Chile não tinha a capacidade de prender tanta gente, então eles usaram o estádio e foi um dos grandes antros da tortura e das mais bárbaras violações de direitos humanos no Chile. E o Brasil enviou uma missão de agentes da repressão para o estádio para ajudar no interrogatório de brasileiros.

Aí há duas narrativas: eu entrevistei um capitão da Força Aérea Brasileira que esteve dentro do Estádio Nacional e admite que viu cenas de violência muito fortes, mas disse que os brasileiros não torturaram. Mas ao falar com alguns dos cerca de 50 brasileiros que ficaram presos por várias semanas ou meses no Estádio Nacional, eles dizem que foram torturados por agentes da repressão do Brasil. E chilenos presos também dizem ter sofrido tortura de agentes brasileiros.

É um momento que, por exemplo, a palavra “pau de arara” entra nesse vernáculo da repressão chilena, uma palavra completamente vinda do português brasileiro, do nada ela aparece no Chile. Então você vê todas essas conexões acontecendo muito rapidamente no imediato pós-golpe.

BBC News Brasil – Qual foi o papel do Brasil na organização da Operação Condor?

Simon – De acordo os documentos da inteligência americana, o Brasil primeiro tenta controlar a Operação Condor e depois meio que pula fora preferindo uma colaboração bilateral entre agências de repressão que havia sido a colaboração que a ditadura sempre preferiu e sempre operou. A ditadura (brasileira) colaborou com os uruguaios, nos anos 1960, quando parte da cúpula do governo Jango foi para Montevidéu. Havia colaborado e já vinha colaborando com Argentina muito antes do golpe na Argentina, incluindo um sequestro de brasileiros em Buenos Aires, e era esse tipo de colaboração, um a um, que o governo militar realmente queria em vez de um grande consórcio regional na luta contra a oposição.

O Brasil se via como um país muito mais importante que o Chile, como uma potência regional e não estava disposto a seguir ordens ou a liderança do Pinochet, sem algum controle direto (das ações). Em um dado momento da Operação Condor, os chilenos e os argentinos, no pós-golpe na Argentina, decidem lançar uma missão para assassinar opositores sul-americanos na Europa, e o Brasil se opõe a isso, de acordo com os documentos da inteligência americana.

O Brasil não queria esse tipo de coisa, isso já no governo Geisel. Então, está claro que o Brasil espionava seus opositores na Europa e usava agentes de repressão dentro do Itamaraty para mapeá-los, mas assassinar brasileiros exilados na Europa era um rubicão que a ditadura não cruzaria.

O Brasil era um protagonista (na Operação Condor) porque era do ponto de vista geopolítico o país mais importante da região. Era um protagonista importante, mas não compartilhava os objetivos máximos que os argentinos os chilenos e os uruguaios tinham. E em março de 1974, seis meses depois do golpe no Chile, começa o governo Geisel no Brasil, com a proposta de iniciar uma lenta, gradual e segura transição rumo a um governo civil e de levar os os militares de volta à caserna, partir para essa fase de descompressão política. Então, na verdade, o Brasil estava numa trajetória quase oposta à Argentina e ao Chile nesses meados dos anos 1970.

Agentes de informação do SNI monitoravam movimentos sociais; esta foto faz parte de um conjunto no Arquivo Nacional com mais de 5 mil fotos tiradas pelos agentes
Agentes de informação do SNI monitoravam movimentos sociais; esta foto faz parte de um conjunto no Arquivo Nacional com mais de 5 mil fotos tiradas pelos agentes. Foto: Arquivo Nacional

BBC News Brasil – Um grande número de brasileiros se exilou no Chile em um dado período. Existe alguma evidência de que o Chile sob Salvador Allende tivesse se convertido em campo de treinamento para guerrilheiros socialistas, inclusive brasileiros?

Simon – Santiago se tornou a capital do exílio brasileiro no final dos anos 1960, antes mesmo da vitória do Allende, em 1970. E muitos brasileiros entraram na vida política chilena, se a gente parar para pensar no establishment da nova república brasileira, há Fernando Henrique Cardoso, Marco Aurélio Garcia, José Serra, César Maia Paulo Renato Souza. Todos eles estiveram no Chile e ocuparam postos no PT, PSDB, PMDB, DEM, todos esses partidos tinham figuras que passaram pelo Chile.

Mas em relação à luta armada, o Chile nunca foi um lugar de luta armada. A revolução chilena era uma revolução, usando a linguagem da extrema esquerda da época, pra ser feita por meio do Estado burguês. Eles elegeriam uma grande coalizão de esquerda, de socialistas, comunistas e outros marxistas e, uma vez no poder, eles converteriam o Estado na grande máquina revolucionária.

Mas, de acordo com o que dizia Allende, isso seria feito respeitando as regras do jogo democrático. De fato, Allende nunca rompeu com isso, nunca tentou censurar a imprensa, nunca tentou fazer esse tipo de coisa de subverter a ordem democrática. E o que é principal, e os documentos da CIA dizem isso explicitamente, Allende entendia que era fundamental ter boas relações (com países) e conter essa campanha internacional contra o Chile para conseguir fazer as transformações internas.

Então, por exemplo, ele começou a controlar o número de asilos diplomáticos, asilos territoriais, que o Chile concedia a esquerdistas brasileiros. Se tivesse uma pessoa que tivesse cometido um crime de sangue ou que houvesse suspeita que fosse um infiltrado, não poderia ir para o Chile. Então, as aulas de guerrilha continuaram a ser em Cuba, alguns foram para a China, outros para a Coreia do Norte, mas não há absolutamente nenhuma evidência de que havia campos de guerrilheiros no Chile, que o Chile tivesse cursos de guerrilha.

BBC News Brasil – O presidente Jair Bolsonaro já disse a ex-presidente chilena Michelle Bachelet que se o regime de Pinochet não tivesse matado gente como o pai dela (um militar morto na repressão), o Chile hoje seria uma Cuba. Faz sentido?

Simon – Essa apropriação histórica do Chile estava fora do horizonte quando o livro começou a ser escrito em 2013. Era impensável que um presidente do Brasil ou grandes figuras da política brasileira idolatrassem Pinochet ou falassem que a tortura não era um problema ou mesmo que o ministro da Economia se declarasse um Chicago boy (em referência ao grupo de economistas da Universidade de Chicago que adotaram medidas liberais na economia chilena durante a ditadura). Esse tipo de coisa era impensável, basta lembrar onde estávamos em 2013 (governo Dilma Rousseff, vítima de tortura da ditadura brasileira, com o desenvolvimentista Guido Mantega no controle da economia).

E também tem grandes contradições aí porque hoje se sabe que Pinochet tinha fortunas escondidas em offshores internacionais, uma investigação do Senado americano revelou. Ele era um grande corrupto. Sabemos que a polícia secreta dele estava envolvida diretamente com o narcotráfico, além das maiores barbáries e violações de direitos humanos. Foi o Pinochet que ordenou um atentado terrorista no centro de Washington. O governo (americano de Ronald) Reagan tinha péssimas relações com Pinochet.

Então, há uma mitologia do Chile importada ao Brasil e é completamente distorcida e descolada da realidade.

E também há hoje no Brasil outros aspectos que se conectam com o passado. O modo como o Ministério das Relações Exteriores naquela época reagia à campanha internacional de denunciar a tortura no país, que tem alguns traços semelhantes, guardadas as proporções, com o que a gente está vendo agora com a campanha internacional pela defesa do meio ambiente no Brasil, como o Brasil rapidamente pode se tornar um pária internacional.

E muito como a ditadura naquele momento, parece que o atual governo brasileiro entende que se trata de uma batalha de propaganda. Que bastava responder naquela época à Anistia Internacional, e agora ao GreenPeace. Ou mandar os embaixadores escreverem cartas para o (jornal francês) Le Monde, para o (diário americano) The New York Times, como também fazem hoje. Ou ainda a noção de que vai combater isso agora mostrando o verdadeiro exemplo de cidadãos brasileiros, algo muito parecido com a retórica da ditadura de que as denúncias de tortura eram coisa de brasileiros que odiavam seu próprio país.

A lição que a gente vê dos anos 1970 é que a ditadura nunca conseguiu baixar essa pressão internacional só com propaganda. Isso só parou quando, de fato, o governo parou de torturar seus opositores, já no final dos anos 1970, começo dos anos 1980. E do mesmo modo, a pressão internacional em relação ao meio ambiente no Brasil só vai parar quando o Brasil tiver uma política séria para o meio ambiente.

Então, eu vejo que há uma linha de continuidade nas mentes conspiratórias de governos brasileiros em achar que a representação do fato pode ser mais importante do que o fato em si.

BBC News Brasil – Seu livro mostra que o Itamaraty tinha atuação consistente no aparato de repressão e que não se tratava de um ato isolado de um ou outro diplomata mais simpático à ditadura. Isso desafia a imagem que se tinha de um Itamaraty técnico, não?

Simon – Geralmente, a história oficialista trata esse episódio no Chile como algo de figuras isoladas: o embaixador anticomunista, algumas pessoas da linha-dura do regime militar que por lá se aventuraram. E o livro mostra que na verdade foi o oposto. Havia uma política de Estado para o Chile, que envolvia instituições, agências especializadas dentro do Itamaraty, como o Centro de Informações do Exterior, o Ciex, e a Divisão Segurança Institucional do Itamaraty, a DSI. Aliás, todos os órgãos do governo brasileiro tinham uma DSI, sempre chefiadas por militares, e a do Itamaraty era a única comandada por um civil.

E essas entidades tinham por objetivo espionar brasileiros no exterior, conter campanhas de denúncias dos direitos humanos e, em última análise, se você olhar o que aconteceu com os brasileiros presos no Estádio Nacional, vários deles sob tortura, as decisões de não solicitar salvo conduto a essas pessoas, de não facilitar qualquer tipo de proteção consular, foram tomadas dentro do gabinete do ministro das Relações Exteriores. E todas as informações dessas agências de espionagem do Itamaraty alimentavam o SNI e as agências de inteligência das Forças Armadas. Então, o Itamaraty era parte essencial da repressão a brasileiros fora das fronteiras nacionais. E era essa a cadeia de comando, que ia do Palácio Planalto, Itamaraty, SNI e descia até os porões do regime, onde o Chile era visto como a grande fronteira na luta contra a subversão brasileira.

Houve diplomatas que se rebelaram contra isso, alguns chegaram a transportar listas de torturadores brasileiros em malas diplomáticas, mas o livro mostra que eles foram a exceção que confirma a regra desse colaboracionismo total da instituição. A noção de que o Itamaraty de alguma forma se descolou da ditadura para se ater aos interesses permanentes do Estado brasileiro é um mito, que serviu para proteger o Itamaraty. E é um mito que deve ser desfeito para o bem da política externa brasileira e da democracia. É preciso entender como dinâmicas internas têm um impacto decisivo na relação do Brasil com o mundo.

Capa do livro lançado por Roberto Simon contém o título e uma imagem de um garoto com uniforme e capacete, em preto e branco

BBC News Brasil – E isso também desbanca uma outra noção muito presente nas esquerdas brasileira e latino-americanas de que a ditadura brasileira seria um mero ferramental para os americanos exercerem seus interesses na região?

Simon – Na verdade, o Brasil se via como um dos grandes, ou talvez, o principal ator nesse jogo da Guerra Fria regional. Por isso, acabou intervindo em vários países do seu entorno.

O golpe contra Allende foi uma derrota fragorosa da esquerda chilena e da esquerda latino-americana. Naquele imediato pós-golpe, pessoas de esquerda tentaram encontrar explicações. Tem um texto do (autor colombiano) Gabriel García Márquez que diz que os Estados Unidos não precisavam mandar mais seus marines (à América Latina) porque tinha o Brasil para agir por eles. E a imprensa cubana naquela época falava de um eixo Brasília-Washington contra a esquerda latino-americana. Então começa a se criar aquela caricatura de gorilas do Brasil marionetes do Tio Sam.

E é uma visão empobrecedora porque ela afasta essa discussão sobre as motivações geopolíticas, econômicas e diplomáticas que levaram a ditadura brasileira a atuar no Chile. E revendo toda a documentação, uma das minhas conclusões é que de fato houve uma troca significativa de informações entre o Brasil e os EUA no sentido de se opor a Allende e eventualmente apoiar um golpe no Chile.

Há uma reunião importante, em 1971, entre os presidentes Médici e Nixon na qual Médici explicitamente fala ao colega americano que o Brasil estava em contato com militares chilenos e que Allende cairia. Mas depois de revisar milhares de documentos de três países diretamente envolvidos nessa história, eu não achei absolutamente nenhuma evidência de que houve alguma operação conjunta brasileira e americana para derrubar Allende. Havia uma vontade de trabalhar junto e de alinhar visões, mas não houve uma operação da CIA e do SNI para derrubá-lo. Claro que você tem um alinhamento dos dois regimes anticomunistas, o governo Nixon tinha uma enorme simpatia pelo governo Médici. O próprio Nixon dizia para os brasileiros que “somos os maiores aliados que o Brasil já teve na Casa Branca” e também dizia que “o Brasil é o nosso maior investimento na América Latina”. Mas no nível operacional, de agentes dos dois países, no Chile, não há nenhuma evidência de que houve uma colaboração direta.

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