Por Thiago Zandoná, UàE.
Devido à tragédia que ocorreu no último domingo (2) com o Museu Nacional, a equipe do Museu de Arqueologia e Etnologia Professor Oswaldo Rodrigues Cabral (MArquE) deliberou por paralisar suas atividades à comunidade por conta das dificuldades orçamentárias e da falta de segurança para os acervos e para as pessoas. O museu é um órgão suplementar da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
Em carta aberta à comunidade e à Reitoria da UFSC, a equipe do MArquE comunicou a decisão de suspender, a partir de hoje, segunda-feira (10), as atividades de ensino, pesquisa e extensão. Os cursos de museologia e antropologia da UFSC realizam assembleia hoje às 13h30 para discutir sobre o assunto.
“O retorno destas atividades do Museu está condicionado à liberação do uso do prédio por parte dos órgãos públicos pertinentes (alvará do Corpo de Bombeiros e Habite-se da Prefeitura Municipal) e manifestação da Universidade perante demandas imperativas já manifestadas anteriormente”, manifesta a carta.
Para entender a atual situação do Museu, conversamos com a atual diretora do MArquE, Luciana Silveira Cardoso. Vice-coordenadora do curso de museologia da UFSC, Luciana é formada em museologia, mestra em patrimônio cultural e doutoranda do programa de arquitetura da mesma universidade.
O Museu contém hoje mais de 40 mil objetos, que vão desde materiais osteológicos, acervo etnográfico indígena até obras do artista Franklin Joaquim Cascaes. O Museu surgiu do instituto de antropologia de Santa Catarina, criado no período de ditadura civil-militar, nos anos 60, mas foi na década seguinte que o mesmo integrou-se à UFSC.
Atualmente o Museu está com problemas latentes, principalmente no que tange à estrutura, como goteiras, infiltrações, problemas elétricos e de acessibilidade. Além dos limites orçamentários, a equipe do Museu enfrenta dificuldades quanto à limitação da autonomia que caberia ao MArquE, enquanto órgão suplementar e vinculado ao Gabinete da Reitoria.
A privatização é uma saída? Segundo a diretora, nós temos “vivido um desmonte do serviço público, um desmonte da universidade pública, um desmonte da cultura”, a privatização porém, “priva ainda mais essas pessoas [da sociedade] de acessar os museus, as universidades públicas. Elas estão aqui para ampliar o acesso”.
Confira a entrevista na íntegra:
UFSC à Esquerda: Qual é a origem do Museu de Arqueologia e Etnologia Professor Oswaldo Rodrigues Cabral (MArquE)?
Luciana: O MArquE tem sua raiz no instituto de antropologia de Santa Catarina, criado na década de 60, no período ditatorial. Desde então ele vem passando por vários tipos de reforma dentro da universidade, reforma de estrutura, a quem ele serve, suas funções. Até que desde a década de 70 ele se tornou o Museu da universidade.
Os acervos que o MArquE salvaguarda são acervos de arqueologia, etnologia e cultura popular. Essas são as três principais coleções do museu. Dentro da arqueologia, temos o material osteológico, por exemplo, o esqueleto que foi escavado no elevado do Rio Tavares veio para o museu, porque temos essa coleção no Museu.
O Museu se organiza em divisões, temos a divisão de pesquisa, de ensino e de museologia, e dentro de cada divisão tem suas responsabilidades e seus encaminhamentos para alguns setores do museu e algumas atividades. Desde o atendimento à escola, setor pedagógico, atendimento aos pesquisadores – que é dentro de cada uma das áreas de atuação.
O Museu enquanto estrutura tem o pavilhão, prédio recente, o prédio histórico amarelo, na parte dos fundos tem as reservas técnicas, tem um centro de documentação e perto do centro de botânica tem um laboratório de arqueologia – onde também tem alguns materiais arqueológicos. Além dos prédios, tem dois engenhos em frente ao museu, que são dois prédios históricos também. Todo esse montante é responsabilidade do museu.
UàE: E qual a situação que o Museu se encontra atualmente?
L: A cerca de 4, 5 anos atrás o Museu passou por um processo bem interessante onde se discutiu essa autonomia do museu e a gestão do museu. Então, desde então 2014 o Museu tem se reestruturado e reorganizado. Hoje o Museu é um órgão suplementar, está vinculado ao gabinete da reitoria – ele tem tanta autonomia quanto a Biblioteca Universitária, etc, por exemplo.
Atualmente ele tem na sua estrutura muitas questões prediais e isso acaba fazendo com que a gente tenha muitos problemas de infiltração, de goteira, de problemas elétricos. Ontem mesmo nós tivemos um acúmulo de água perto da rede elétrica. Essa é a situação do Museu.
O museu está vinculado ao gabinete, tem todo uma autonomia por ser um órgão suplementar, entretanto, essas demandas acabam caindo no gabinete da reitoria. Então, não temos essa autonomia que um órgão suplementar deveria ter, de compra, de orçamentos, de organização. Todas as nossas questões são dependentes do gabinete, o Museu hoje não tem um recurso próprio, a gente não sabe qual é o nosso recurso. Todas as questões a gente tem que solicitar ao gabinete e nisso a gente acaba vendo que é um problema bem grande, pois a gente não consegue comprar materiais às vezes.
Outra questão: ele é um Museu Universitário. Isso que queria deixar bem claro. Então, vários projetos que a gente tentou encaminhar neste anos, de manutenção predial, de ampliação, eles acabam sendo barrados quando vamos a outras instâncias, todas essas estruturas que teria que nos dar esse suporte. Então, essa é a realidade hoje.
A gente tem um Museu sem habite-se da prefeitura, sem liberação do corpo de bombeiros, com cerca de 40 mil acervos salvaguardados; um corpo funcional que não é grande, é deficitário, precisaria de novas contratações; um corpo de estagiários que é também pouco significativo; mas muita pesquisa acontecendo, muitos pesquisadores, muito atendimento ao público, muitas parcerias que geram tanto visitas como formações. Além de atender as comunidades indígenas, até a licenciatura indígena é atendida pelo Museu. E o hoje a gente está nesse risco. Não temos condições de trabalho para dar conta da segurança dessas pessoas, essa é a nossa realidade.
UàE: E como a equipe do Museu está se mobilizando para enfrentar esses problemas?
L: Então, na quarta-feira (5) a gente fez uma reunião de equipe. Nessa reunião a gente fez uma carta aberta à comunidade, a reitoria, a carta já está disponível no site do Museu. Foi entregue em mãos para a Katia [Denise Moreira], assessora do gabinete do reitor, porque o reitor Ubaldo não se encontrava nem ninguém da gestão, então entregamos para ela.
Fizemos essa carta aberta onde a gente apontar as nossas questões, os nosso problemas e o que a gente precisa que sejam minimizados ou resolvidos e onde a gente aponta também que o Museu está com suas atividades fechadas a partir do dia 10 de setembro, segunda-feira. O corpo técnico continua em atividade, porque nós não podemos abandonar os acervos e a gente precisa minimizar os riscos aos acervos. Mas a gente não vai fazer qualquer tipo de atendimento a pesquisa, a escola, a formação ou as parcerias que a gente tem com a universidade. Por exemplo, a gente tinha agendado banca de concurso, não vão acontecer, formação de professores também não vão acontecer. Está previsto receber o pessoal da licenciatura indígena que vem ao modo presencial e isso não vai acontecer porque não temos as condições mínimas para garantir a segurança destas pessoas.
A equipe continua em atividade. A gente está solicitando a reitoria uma audiência a ser realizada aqui no Museu com o professor Ubaldo para podermos apresentar nossas demandas e dizer em que pé elas estão.
UàE: Você vê a privatização com um meio para enfrentar essa precarização?
L: De forma alguma. Não acredito em qualquer tipo de privatização. Acredito que a privatização é um retrocesso em nossos sistemas de gestão, tanto político quanto administrativo. Acho que o que a gente precisa é que os nossos governos, nossas gestões, nossas lideranças entendem a importância dos mecanismo – não só dos Museus, mas das universidades públicas.
Eu sou uma docente, estou ocupando o cargo de direção, estou em sala de aula e acho que a gente tem vivido um desmonte do serviço público, um desmonte da universidade pública, um desmonte da cultura. Quando a gente aceita que haja divulgações mentirosas de exposições como Mostra Queermuseu, que aconteceu em porto alegre, ou quando a gente aceita o tipo de denúncia de pedofilia em uma performance.
Então a gente está vendo nos últimos anos esse desmonte. Acho que a gente tem visto principalmente depois do golpe e essa falta de cuidado e de atenção para o básico. Acho que a privatização vai fazer com que a gente tenha uma terceirização de serviços, mas também dos acessos. Uma forma de comunicação que não é esperada pelo público. A gente tem que entender qual a realidade da nossa comunidade hoje, qual é a realidade da nossa sociedade. A gente tem uma sociedade que está passando fome, que está passando dificuldade. Tem gente que não consegue sair de casa porque não tem dinheiro para o passe. Se a gente sair privatizando e terceirizando todas as coisas a gente priva ainda mais essas pessoas de acesso. Os museus, as universidades públicas estão aqui para ampliar o acesso. O museu é público. Está no estatuto dos museus, lei 11804. O museu é uma instituição pública sem fins lucrativos a serviço da sociedade. Acho que é isso que temos que ter em mente.
O que a gente vê – como o descaso do museu nacional, a catástrofe do museu – o MinC [Ministério da Cultura] não se responsabiliza pelos museus universitários, mas o MEC [Ministério da Educação] também não tem consciência de que existem nas suas estruturas museus universitários. Então acho que está faltando uma articulação com o governo mesmo, de entender que instituições são essas. Como uma universidade que possui esses museus precisa de um repasse que é outro, e não é um repasse simples, ela tem que prever a gestão desses museus.
Mas eu continuo acreditando nos museus universitários. Não acho que todos os museus têm que passar a ser do MinC. Acho que os museus universitários têm outras finalidades, outros objetivos. Eu acredito que um museu como o nosso tem que fazer ensino, pesquisa e extensão – que é o mesmo fundamento que a universidade tem.