As forças oposicionistas não previram a movimentação liderada pela presidente Dilma Rousseff em Mendoza.
Uma onda conservadora desponta no cenário político do subcontinente. Seu mote é evitar o ingresso venezuelano no Mercosul. Mais afamado solista dessa ópera, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso veio a público atacar posição do governo brasileiro, em companhia de outros menestréis e escribas.
A saraivada de argumentos apresenta cardápio variado. Uns acenam com detalhes jurídicos que supostamente teriam sido desrespeitados, tanto na suspensão do Paraguai por quebra da cláusula democrática quanto na inclusão da Venezuela à revelia de um governo usurpador. Outros vislumbram faltas burocráticas cometidas por Caracas. Há ainda os que lançam suspeitas de que o presidente Chávez estaria planejando ludibriar obrigações junto ao organismo regional. Pouco importa que as razões jurídicas e políticas tenham sido apoiadas pela unanimidade dos membros plenos e democráticos do Mercosul, em conformidade com as regras da instituição.
Tal enxurrada de pretextos mal-ajambrados parece revelar que o reacionarismo tomou um susto. Afinal, era no Senado do Paraguai, controlado por bandos de cores diversas, que estava bloqueado o processo de ampliação do Mercosul. Quando as forças de direita, logo acolhidas por Washington, deram o bote contra Fernando Lugo, possivelmente imaginavam continuar dificultando o processo de integração. Foram surpreendidas, tudo indica, pela resposta liderada por Dilma Rousseff, a despeito de resistências no próprio corpo diplomático brasileiro.
Há certa lógica, contudo, nesse furor contra a deliberação de Mendoza. Os Estados Unidos fixaram como centro tático de sua política para a América do Sul, após o enterro da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA), impedir o robustecimento de um bloco fora de seu domínio e apostar nos tratados bilaterais de livre-comércio. A articulação de três das quatro principais economias locais (Brasil, Argentina e Venezuela), ainda mais sob uma mesma orientação geopolítica, é duro golpe nessas pretensões.
Por sua vez, as oligarquias do subcontinente, ou parte expressiva de seus grupos, costumam vincular perspectivas de fortuna e poder à associação com a superpotência. Advogam que as cadeias produtivas regionais só têm futuro se subordinadas à malha estadunidense, estando condenada ao fracasso qualquer hipótese de autonomia. O fato de que essa política, por décadas sem fim, tenha significado atraso, desigualdade, pobreza e opressão política, não parece lhes dizer respeito. Afinal, tais itens não constam do balanço de empresas e empreitadas, como é sabido.
Benefícios
Para esse ponto de vista, a integração da Venezuela é desconcertante. O novo membro do Mercosul, além de quase 30 milhões de habitantes, tem entre seus ativos uma das maiores reservas energéticas do mundo e um enorme potencial de alavancagem financeira, por conta da produção petroleira. Mais ainda, possui localização geográfica privilegiada para o acesso marítimo e serve como ponte político-econômica para outras nações andinas e caribenhas. Sob todos os ângulos, traz mais músculos ao bloco.
Este fortalecimento, aliás, chega em boa hora: o grupo de países sul-americanos liderados por administrações de esquerda representa, no hemisfério ocidental, a principal alternativa contra a crise fora dos marcos neoliberais. Quanto maior a sinergia entre suas estruturas produtivas, mais amplas serão as possibilidades de continuar o ciclo de crescimento econômico com base na expansão do mercado interno, na distribuição de renda, na universalização de direitos sociais e na reconstrução dos Estados nacionais.
As dificuldades e desalinhamentos não podem ser subestimados, é certo, mas a bronca do conservadorismo, acima de tudo, exala interesse de classe, preconceito ideológico e cultura colonizada. Sentimentos eventualmente acirrados pela América do Sul estar saindo do diagrama historicamente traçado pelas elites e suas metrópoles.
* Jornalista e diretor de redação do site Opera Mundi
Fonte: http://www.adital.com.br