O processo migratório de comunidades indígenas na região da tríplice fronteira será tema do documentário “Três Alves”, da produtora paranaense L’avant Filmes. Com previsão de lançamento para janeiro de 2019, a obra terá como ponto de partida uma família cuja história serve como base para toda a recente migração do povo Guarani no Oeste do Paraná, especialmente após a construção da Itaipu Binacional.
Apesar do deslocamento do povo Guarani estar intrínseco à sua religiosidade na busca da chamada “Terra Sem Males”, a migração na região tornou-se necessária por motivos de sobrevivência quando boa parte das terras tradicionais foram postas sob as águas da barragem. A trajetória dos irmãos João, Pedro e Teodoro Alves será narrada como uma alegoria dessa diáspora forçada pela construção da hidrelétrica, ocorrida durante a ditadura militar.
Os Alves viviam na aldeia Ocoy Jacutinga, uma das comunidades atingidas pela formação do lago de Itaipu. Após ser desalojada, a família migrou e dispersou-se, de maneira que cada um dos três filhos montou uma nova aldeia em regiões diferentes do Paraná. Três novos caciques em busca da Terra Sem Males. “A partir daí a tradição oral dos Guarani contará sua própria história e trajetória, que ao mesmo tempo em que apresentará um drama humano contará a diáspora Guarani pós-Itaipu”, explica Vander Colombo, diretor do documentário.
Segundo estudos da antropóloga Malu Brant, existiam 32 aldeias no Paraná antes do período de Itaipu, sendo que ao menos nove delas desapareceram entre 1940 e 1982, período entre a criação do Parque Nacional do Iguaçu (1939) e o alagamento para formação do lago (1982). Esse estudo, junto com o acompanhamento do historiador e indigenista Paulo Porto Borges, que há 26 anos acompanha a migração e os conflitos de terra no Oeste do Paraná e no Mato Grosso do Sul, foram os pontos de partida para a idealização do documentário.
Os dois estudiosos, inclusive, acompanharam a produção e filmagens de Três Alves nas aldeias do Oeste do Paraná. “Ao se contar a história da família Alves na perspectiva destes três irmãos também se constrói de maneira paralela toda a história da luta territorial Guarani, especialmente as últimas migrações deste povo oriundas de Ocoy”, comenta Paulo Porto.
Para o historiador, a partir da história do trio de irmãos será possível compreender toda a trajetória do povo Guarani, especialmente ao que pertencia ao complexo Jacutinga, que foi inundado pela Itaipu. “O documentário Três Alves será de fundamental relevância neste momento político que as ocupações Guarani estão em pauta, que se tenta entender os 21 acampamentos não reconhecidos pela Funai e pelo Estado no Oeste do Paraná, que vão desde Itaipulândia até Guaíra”, acrescenta.
O diretor Vander Colombo aponta que o filme buscará problematizar a questão da dívida histórica de Itaipu com as comunidades Guarani, revelando fatos que não são de conhecimento do público leigo. “Nossa intenção é apresentar ao espectador o porquê dos recentes conflitos por terra, não só no Paraná mas em todo território brasileiro, além de problematizar e trazer relevações sobre o impacto da construção da hidrelétrica às comunidades Guarani”, comenta o cineasta.
A intenção dos produtores do filme era coletar uma versão oficial da Itaipu Binacional sobre os fatos que serão relatados no documentário, mas até o momento ainda não lograram êxito. “Foram dois meses de tentativas de falar com a Itaipu. Neste período eles cancelaram entrevistas e não nos deixaram captar imagens na usina”, esclarece Laysmara Carneiro Edoardo, diretora de produção de Três Alves. A produção do filme ainda aguarda uma resposta com uma versão da Itaipu para ser acrescentar a obra.
Resposta da Itaipu
Em contato com a reportagem do Porém, a assessoria de comunicação da Itaipu Binacional informou que não impediu a captação de imagens na usina para a gravação do documentário. Por meio de uma nota, a Itaipu informou que “não gravação foi uma opção dos produtores, que estavam em Foz do Iguaçu na data previamente marcada para a entrevista com representante da empresa, porém como a entrevista não pôde acontecer naquele dia, a equipe de produção optou por também não captar as imagens”.
Esteriótipos da grande mídia
Outro objetivo do documentário, segundo Colombo, é produzir um filme para o público leigo, num formato acessível, para que essas pessoas possam ter uma versão dos Guarani dos fatos para além das versões oficiais e como contraponto aos preconceitos e esteriótipos que são construídos pela pela mídia tradicional sobre a temática indígena. “Não traremos a visão do índio romantizado, aquele que anda pelado e com pena na cabeça e também não aquele vagabundo que a mídia tenta construir, mas sim do índio como cidadão, como detentor de direitos, como trabalhador, agricultor”, aponta o diretor.
As filmagens do documentário foram concluídas no fim de julho e envolveram uma equipe técnica de oito a dez pessoas, além dos estudiosos. As gravações duraram 15 dias e aconteceram em aldeias dos municípios de Diamante do Oeste, Santa Helena, Terra Roxa e São Miguel do Iguaçu, além de entrevistas nas cidades de Cascavel, Foz do Iguaçu e Toledo.
A produção agora passará para as etapas de tradução e legendagem, uma vez que vários depoimentos foram feitos na língua Guarani e posteriormente passará para o processo de edição. A previsão é que o filme seja lançado em janeiro de 2019
Sobre a L’avant Filmes
A L’avant Filmes é uma produtora de filmes paranaense, especializada em documentários. É responsável pela execução do documentário João Lopes – Bicho do Paraná, que foi viabilizado por meio de um edital do Governo do Estado e tem o apoio da Copel. Entre os trabalhos realizados estão o episódio O Ciumento, do programa Casos e Causos, da RPC; os curta metragens Relicário e Arvorecer; e os documentários Pioneiros de Santa Tereza do Oeste e Um Dia no Hospital.
Para mais detalhes, acesse o site: https://www.lavantfilmes.com.