Dias atrás um prédio caiu

Largo do Paissandu. Foto: Governo do Estado de São Paulo

Por Guigo Ribeiro, para Desacato.info.

Dias atrás um prédio caiu.  

Dias atrás um prédio caiu! 

Na mesma velocidade que as coisas passam 

Da mesma forma que agora sua queda é uma memória 

Concreto, fogo, sangue, choro… 

O fogo virava foto 

A lágrima caía e secava, Caía e secava.  

A dor, audiência. 

Repórter: promoção. 

O fogo virava foto e o céu, fumaça. 

Foi um céu de fumaça. Um céu que cai. 

Quando seu céu caiu? 

Quando, me diz, seu céu caiu? 

 

E só agora, dias depois, vim mexer nos escombros. 

Tirei uma coluna, duas vigas e uma alma. 

Tirei concreto, pedaços de móveis e de sonhos. 

Não consegui tocar nos brinquedos 

Mexi numa poeira tão densa, mais tão densa que sussurrou triste pra mim: 
            

– Abandono! 

 

Disse, assim, baixinho e saiu pra cochilar pois a noite havia sido longa. 

Já tinha, inclusive, passado na tenda para lembrar que precisa de ajuda e que existia. 

Teve que lembrar de novo porque lembrara outras tantas vezes e tantas 

Que passou a achar que só a língua que se faz ouvir, parece, é a da morte. 

Por que não entendem que o silêncio grita? 

Por que precisam de vidas para discutir algo? 

Parece que é sempre isso! Sempre isso! 

 

Pegaram o momento exato em que um homem morria. 

30 segundos. 40 segundos. 

Quantos anos viveu em relação aos segundos restantes para sua vida ser salva? 

30 anos, 40 anos? 

O tempo e a mania de deixar ele só ir.  

 

Agora fica o vazio.  

Talvez construam outro no lugar, mas que não é pra gente que estava lá morar 

Talvez lembrem mais um pouco pelos próximos dias 

Isso! Fixem uma data para lembrar 

Talvez. 

Porque passou! Isso aconteceu dias atrás. 

Guigo RibeiroGuigo Ribeiro é ator, músico e escritor.

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