Diário da Pandemia – Dias 281 e 282. Por Urda Klueger.

Por Urda Alice Klueger.

Hoje, o dia mais longo do ano; também o primeiro dia de verão. Oxalá esta temperatura mais ou menos amena que estamos tendo se prolongue bastante ainda. Apenas um dia ou outro há que se ligar o ar condicionado. Hoje tem festa em Tiauanaco, Machupichu e outros lugares do mundo. A partir de amanhã, aqui no nosso hemisfério, cada dia será um pouco menor que o outro, até 21 de junho. AMO esse tempo que vai do outono à primavera.

Estamos sem água. Guardei algumas panelas com água na geladeira, para emergências, e depois vou ver se consigo comprar um pouco de água mineral. A causa foi a grande trovoada que aconteceu no dia em que houve aquela devastação em Presidente Getúlio e Ibirama. Algo se estragou no nosso sistema hídrico, que nos traz água da montanha – não sei tem a previsão da volta da mesma.

E penso nesta ruptura do mundo em que vivemos e em Gutenberg. Desde o final do Império Romano que o Conhecimento (pelo menos o escrito, pois há outros) tinha virado monopólio do clero, e concentrava-se nos mosteiros, onde todo o saber escrito era copiado manualmente em grandes livros ornado com iluminuras riquíssimas. Para quem nunca prestou atenção em tal coisa, sugiro que assista o filme “O nome da rosa”, disponível no youtube. A grande massa do povo era analfabeta, inclusive muita gente da nobreza, sem o menor acesso à leitura e a alguma informação nova. Vivia-se, então, no tempo dos terraplanistas. Por cerca de 1.000 anos o mundo europeu seguiu assim (sempre há que lembrarmos da ciência dos gregos, que em 500 antes de Cristo já sabia que a terra era redonda e havia conseguido, inclusive, medir seu tamanho). Entre os gregos e os cidadãos da Idade Média deve ter havido alguns olavos de carvalho. O fato é que depois de uns 1.000 anos, na década de 1430, um europeu chamado Gutenberg inventou uma coisa fantástica: a imprensa! É bem verdade que na China ela já havia sido descoberta, mas isto é outra história.

Eu tento imaginar, agora, a revolução que aquilo foi! Rompeu-se o tempo, rompeu-se o mundo – de repente, todas as perspectivas mudavam! Nas cidadezinhas, nas aldeias, nos mais remotos ajuntamentos humanos, de repente aparecia um homem a cavalgar com um punhado de prospectos na mão, dava uma parada e colava um daqueles pedaços de papel na porta da igrejinha local, talvez, ou em algum outro lugar. O fato é que uma coisa escrita aparecia por ali, e os aldeões ou outros moradores locais se reuniam em torno daquilo, curiosíssimos: o que é? O que não é?

Sempre aprecia alguém, decerto, capaz de tentar decifrar aquele papel milagroso, que dizia da vontade de um rei, ou de um bispo, sabe-se lá se não havia alguma história de amor – a imprensa era capaz de comunicar tal tipo de coisas! Curiosa, aquela gente terraplanista acabava sabendo algo além do seu dia a dia, e o Conhecimento foi-se fazendo, a ponto de, um pouco mais tarde, um homem muito sábio (Galileu Galilei) concluir até que a terra girava! Tal estava além do tolerável, e o papa e outros bolsominions de plantão chamaram a Inquisição para queimar aquele herege na fogueira.

– Calma, calma, eu estava só brincando! – disfarçou Galileu Galilei, e não foi assado, mas, anos depois, à beira da morte por velhice, não se conteve e declarou:

 – Mas que ela gira, gira! – e tudo tinha começado com Gutenberg e uns papéis impressos! Eu acredito que um mundo novo começou aí na altura em que Gutenberg inventou a imprensa, o qual durou até o ano passado.

Com o coronavírus, o legado de Gutenberg se transforma – embora a saudade antecipada do papel impresso já ande trazendo lágrimas a muitos olhos, o fato é que aquele tempo passou, e há que nos adequarmos à nova realidade, à virtualidade de palestras, aulas, reuniões, publicações. Este 2020 me levou a trabalhar muitíssimo mais do que no tempo passado, dar palestra simultânea a 16 cidades, ir a distantes reuniões, dar aulas e ir a eventos em muitos lugares onde não teria ido por dificuldade de locomoção e por aí vai. Pobres dos que patinarem no futuro e se negarem a acompanhar os novos tempos! De novo o tempo rompeu-se, rompeu-se o mundo, e quem viver, acabará aprendendo tal coisa, embora ainda tenha tanta gente lá dos tempos anteriores a Gutenberg por aí, temendo virar jacaré se tomar uma vacina. Parodiando Mário Quintana, acho melhor terminar com uns versos sábios:

         “… eles passarão

         Nós passarinho”

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