Porto Rico – Esquerda – [Bruno Góis] Muitas e muitos pensarão: o que me importa Porto Rico, quando os EUA estão em eleições? Apenas refiro Porto Rico não pela expectativa dos resultados mas pela matéria em debate. Vota-se em Porto Rico um referendo.
A primeira questão é: manutenção do estatuto atual ou não. A segunda é: independência, integração como estado dos EUA, ou passagem a Estado Livre Associado soberano.
Hoje é o dia em que o mundo se centra nas eleições americanas. Será Barack Obama? Será Mitt Romney? E não esquecer os menos falados: a Jill Stein1 (dos Verdes), Gary Johnson (libertário) e Virgil Goode (partido da Constituição). Evitando, de momento, meditar na pergunta “Por que não houve socialismo na América?”2, prefiro lançar o olhar noutra eleição. É que hoje também é dia de eleições em Porto Rico.
Muitas e muitos pensarão sem dizer: o que me importa Porto Rico, quando os EUA estão em eleições? De facto apenas refiro Porto Rico não pela expectativa dos resultados mas pela matéria em debate. Vota-se em Porto Rico um referendo. A primeira questão é: manutenção do estatuto atual ou não. A segunda é: independência, integração como estado dos EUA, ou passagem a Estado Livre Associado soberano. Situemos a questão.
Porto Rico situa-se no Caribe e foi justamente nessa região e na América Central que a penetração do poder norte-americano se efetivou na viragem do século XIX para o século XX através da “libertação” e “proteção” de Estados sob bandeiras que denunciam um tributo à “Stars and Stripes”3 original. A denúncia do código genético das bandeiras é aliás feito no caso porto-riquenho através de um hino oficioso “¡qué bonita bandera/ Es la bandera puertoriqueña!/ […] / ¡más bonita se viera/ Si los yanquis no la tuvieran!”.
O estatuto atual de Porto Rico é descendente do imperialismo marítimo defendido por Alfred Mahan (1840-1914)4. Este geoestratega e oficial da Marinha dos Estados Unidos, conhecido como o “Clausewitz do mar”, defendia que os EUA deveriam ocupar posições em áreas insulares e marítimas como o Caribe, Cuba, Porto Rico, Virgens, Canal do Panamá, Hawai e Guam. Tal projeto de imperialismo marítimo veio a concretizar-se ainda durante a vida de Mahan.
Regressando a Porto Rico, o estatuto deste território é o de Estado Livre Associado, isto é, a soberania sobre este território passou da Monarquia Espanhola para os Estados Unidos da América e aí se conserva. Em 1953, a Assembleia Geral das Nações Unidas adotou uma resolução em que Porto Rico é considerado um territórios não-autónomo.
Sucessivamente (2006, 2007, 2009, 2010, e 2011) o Comité Especial das Nações Unidas para a Descolonização adotou resoluções que exortam os EUA a serem expeditos a providenciar as condições para o povo de Porto Rico exercer o seu direito inalienável à autodeterminação e independência.
A verdade porém é que, apesar das declarações de apoio dos candidatos Obama e Romney às decisões de Porto Rico caso escolham passar a estado dos EUA ou manterem o estatuto atual (!), o referendo nem sequer é legal por não ser reconhecido pelo Congresso dos Estados Unidos.
A autodeterminação deste povo é apenas uma miragem, persiste o legado de Mahan, estratega dos mares e, ironia da história, inventor da expressão Médio Oriente.
4 Autor das obras de história naval The Influence of Seapower on History,1660-1783 (publicada em 1890) e de The Influence of Sea Power upon the French Revolution and Empire, 1793–1812 (publicada em 1892).
Fonte: Diário Liberdade