Por Elissandro dos Santos Santana, Porto Seguro, para Desacato.info.
O “Vivir Bien”, documento elaborado pelas Relações Exteriores do Estado Plurinacional da Bolívia, é um convite à reflexão constante sobre outra forma de fazer política e nascimento do político sustentável nos limites do discurso e da práxis.
O texto está repleto de experiências, práticas e discursos ambientais que podem servir de referência para outras nações latino-americanas, como, também, para todo o Planeta.
O documento desponta não somente como oportunidade de análise em torno dos dez mandamentos necessários para salvar o Planeta, a humanidade e a vida, mas, também e, principalmente, para refletir sobre a noção profunda de que a Terra não nos pertence e que nós é que pertencemos Ela.
Os dez mandamentos do “Vivir Bien” são os seguintes:
- Primeiro: terminar, acabar com, erradicar o sistema capitalista;
- Segundo: renunciar à Guerra;
- Terceiro: um mundo sem imperialismo nem colonialismo;
- Quarto: a água é de todos os seres vivos;
- Quinto: desenvolvimento de energias limpas e amigáveis com a natureza;
- Sexto: respeito à Mãe Terra;
- Sétimo: serviços básicos como direito humano;
- Oitavo: consumir o necessário, priorizar o que produzimos e consumismo localmente;
- Nono: promover a diversidade de culturas e economias;
- Décimo: viver bem.
Acerca do último mandamento, o viver bem, é interessante pontuar que, segundo Evo Morales e a filosofia andina boliviana, isso é diferente do “viver melhor”, pois no sonho de viver melhor residem insustentabilidades, sendo que o principal deles é o egoísmo. Viver melhor pressupõe que alguém viverá pior ou não tão bem. No viver melhor há relações hierárquicas que precisam ser combatidas, pois todos têm direito a um viver bem, a uma vida com dignidade e respeito.
No que concerne aos dez mandamentos para o viver bem para salvar o Planeta, a Humanidade e a Vida há que se saber o seguinte:
Com relação ao primeiro mandamento, é preciso ter em mente que o sistema capitalista nos traz egoísmo, individualismo, até regionalismo, a sede de ganância, a forma de viver em luxo, só pensar em lucro e não jamais em igualdade dos seres humanos que vivemos ou habitamos no planeta terra.
No segundo mandamento, aparece uma das filosofias mais sustentáveis que a humanidade pode aprender, que das guerras não ganham os povos, somente ganham os impérios; nas guerras não ganham as nações, mas as empresas do ódio e da conquista. As guerras beneficiam a poucas famílias e não aos povos.
No terceiro mandamento, aprendemos que quando algum país quer cooperar com outro, condiciona a privatização dos recursos naturais à luta contra o terrorismo.
No que diz respeito ao quarto mandamento, é possível perceber que a água é um direito humano e, por isso, de todos os seres vivos deste planeta; a água é vida, é um recurso natural de vida. Sendo assim, pode-se dizer que até podemos viver sem luz, sem foco, sem energia, porém, não podemos viver sem água. Nesse ínterim, torna-se oportuno mencionar que não é possível que existam políticas que permitam a privatização da água.
Com o quarto mandamento, o Brasil poderia aprender bastante, pois em tempos de Temer no poder, logo, logo teremos a privatização desse capital natural que é um direito humano. Sei que governo golpista não dialoga, mas nós, enquanto sociedade e coletivo de luta, mostraremos que a água não pode ser alienada aos interesses do neoliberalismo. Que caso políticas nesse sentido avancem, iremos às ruas lutar, pois sem água não vivemos. Esse governo temeroso que se ouse a privatizar a vida e nós mostraremos a verdadeira revolução.
Com o quinto mandamento, percebemos que é nossa obrigação criar uma consciência em nossas nações, debates com nossos governantes para que a terra beneficie aos seres humanos, aos seres vivos, e que, para isso, a terra não seja usada para como sucata.
Já em relação ao sexto mandamento, aprendemos que o sistema capitalista concebe a Mãe Terra como uma matéria-prima, desta forma, como mercadoria, e mudar essa mentalidade será difícil. A Terra não pode ser compreendida como uma mercadoria. Quem poderia privatizar ou alugar a própria mãe?
A partir do sétimo mandamento, aprendemos que os serviços básicos, água, luz, educação, saúde, comunicação, inclusive, transporte, não podem ser de empresas privadas transnacionais, mas como direito humano têm que ser de serviço público.
No oitavo mandamento, tem-se que milhões morrem de fome a cada ano, enquanto milhões de dólares são gastos para combater a obesidade do outro lado do polo da sociedade. Algumas famílias somente buscam luxos em troca de que milhões e milhões vivam na carência. É necessário e urgente acabar com o consumismo, com os resíduos e com o luxo. Que a crise alimentícia vai acabar com o livre mercado, porque não é aceitável que se exporte quando a população interna passa fome.
Com o nono mandamento, percebemos que é imprescindível respeitar os nossos povos originários. Nesse sentido, devemos lutar para que haja igualdade entre os povos originários milenares e os originários contemporâneos. Devemos viver nessa unidade respeitando nossa diversidade, não somente fisionômica, como também econômica, economias manejadas pelas associações, pelas cooperativas, respeitando a propriedade privada, porém, não se pode respeitar o saque a nossos recursos naturais ou à exploração de nossos irmãos.
No décimo mandamento, está o próprio bem viver, como a síntese de todos os nove mandamentos anteriores. Neste, depreendemos que urge construir um socialismo comunitário em harmonia com a Mãe Terra, onde o socialismo não seja somente a defesa do homem, mas uma obrigação dos povos para a vida em harmonia com a Mãe Terra, respeitando as formas de vivência da comunidade, da coletividade.
Enfim, através do “Vivir Bien” de Evo Molares, temos elementos para começar a pensar a esquerda ecológica que o Brasil e toda a América Latina necessitam.
Parece utopia, sonho e ilusão o viver bem de Evo, não é? Para aqueles que estão sob a égide da arquitetura mental do capitalismo, imersos na ilusão do ter para ser, ludibriados pelo consumo como sinônimo de bem-estar e ânsia desesperadora do viver mais e melhor que os demais, seria utópico sim pensar o bem viver mesmo. Mas prefiro acreditar na linha de Lipovetsky de que na era das sociedades da decepção e do vazio, a necessidade desencadeará a mudança. Quem sabe quando só restar o silêncio da natureza depredada o bicho homem não acorde da inércia e grite de desespero por ter levado adiante o modus economicus de matança do Planeta! Quem sabe!
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Imagem: Slideshare.