“Devemos mostrar o que é governar para a esquerda”

eleições

Por Bruno Pavan.

A efervescência das chamadas “jor­nadas de junho”, onde milhões saíram às ruas do país pedindo por mais participa­ção política, deu uma esperança de que o Brasil daria uma guinada nas pautas pro­gressistas.

Quem foi às ruas lutar contra o aumen­to na passagem de ônibus conseguiu que o reajuste fosse revogado, que deputa­dos e senadores se coçassem para acabar com o voto secreto na Câmara e que o de­bate do passe livre fosse algo a ser levado em consideração pelos governantes.

Acontece que um ano e quatro meses depois o discurso da mudança não foi o suficiente para mudar as caras do Legis­lativo e Executivo brasileiro. O segundo turno será decidido, como nas três ulti­mas eleições, entre PT e PSDB.

Em São Paulo e Rio de Janeiro, gover­nadores responsáveis pela violência po­licial receberam uma porcentagem ex­pressiva dos votos; o tucano Geraldo Al­ckmin se reelegeu no primeiro turno e o atual governador do RJ Luiz Fernando Pezão está no segundo turno.

A bancada conservadora no Congres­so nacional cresceu, o que significa que será ainda mais difícil o avanço de pau­tas progressistas como a reforma agrá­ria, o aborto e o casamento gay no pró­ximo governo.

Em seu Facebook, o professor da USP Pablo Ortellado explicou, porém, que so­mente quem não coloca as manifesta­ções de junho numa perspectiva histó­rica esperava que elas tivessem efeitos eleitorais imediatos. Para ele, “os impac­tos mais comuns de grandes levantes fo­ram transformações profundas nas rela­ções sociais”.

A deputada eleita pelo PSB de São Paulo Luiz Erundina, em entrevista ao Terra Magazine, declarou que o Brasil “deu um passo atrás” na eleição dos no­vos parlamentares. Para ela, os defeitos do nosso sistema político estão cada vez mais evidentes.

“De novo ganharam as máquinas, o dinheiro e o poder político e econômico que elege as pessoas. Isso provoca uma perda de qualidade da representação que nós estamos vendo. É fruto da su­cessão de mandatos que não gera reno­vação e gera guetos sem respaldo social. A cada eleição há uma piora na qualida­de da representação. Isso é muito tris­te, revoltante e acaba comprometendo a própria democracia. Demos um pas­so inacreditável para trás na represen­tação da Câmara dos Deputados nessa eleição”, criticou.

Esquerda sazional

Em evento na Universidade de São Paulo (USP), dia 2 de outubro, o profes­sor Vladimir Safatle destacou as princi­pais dificuldades da esquerda em avan­çar no debate político nacional, mas afirma que apesar delas, o povo brasilei­ro tem a consciência da luta de classes e das injustiças que esse modelo de políti­ca exerce na sua vida.

“Ninguém ganha uma eleição presi­dencial no Brasil sem fazer um discur­so de esquerda. Isso é algo que não de­vemos negligenciar porque a população sabe que há uma luta de classes no Bra­sil e que seus interesses não são os mes­mos de certos grupos econômicos que in­fluenciam as decisões políticas no Bra­sil”, explicou.

Sobre o governo do PT, Safatle decla­rou que o Brasil vive hoje um governo de “esquerda sazional” que de quatro em quatro anos “veste a boina do Che Gue­vara” e mobiliza situações eleitorais para sensibilizar a população para essa situa­ção de espoliação econômica, mas que lo­go tergiversa sobre as mesmas questões.

Dificuldade da esquerda nas urnas

Mesmo levando tudo isso em con­sideração, a esquerda no Brasil ainda não é bem representada no Congresso Nacional e no poder executivo. Defen­sora de pautas progressivas como im­posto sobre grandes fortunas e da re­gulamentação da mídia, a candidata do PSOL Luciana Genro teve 1,54% dos votos válidos (1.612.186 votos) enquan­to os candidatos do PCB, PSTU e PCO não somaram 1%.

“Não adianta argumentar que não te­mos espaço na imprensa, não temos fi­nanciamento de grandes empresas por­que isso nunca vai acontecer. Mais do que se acomodar com essa situação nós devemos nos perguntar o porquê disso acontecer e o que podemos fazer quan­to a isso. Estamos em um momento po­lítico muito importante que nós pode­mos repensar o significado da esquer­da e não podemos perdê-lo”, analisou Safatle.

“O povo não acredita em nós”

Apesar de ter a consciência da injustiça que esse sistema faz com o povo, Safatle acredita que as pautas progressistas de­vem estar mais próximas da necessidade da população que vai pedir da esquerda sempre “as propostas mais concretas”.

“A nossa razão de existência é sempre a possibilidade de mudanças globais e enquanto elas não aparecem, a popula­ção duvida porque sempre vai haver al­guém dizendo que ela tem algo a perder com uma mudança dessas”, explicou. Como trata de um discurso revolucioná­rio e que visa mudar a democracia e o mundo de uma forma estrutural, ele as­susta boa parte da população mais po­bre e a presença de um discurso em que a política não é mais pautada pela pos­sibilidade de um futuro melhor e, sim, de “um risco de não voltar ao passado”.

“Quando a política deixa de ser pauta­da pelas possibilidades do futuro, é por­que ela morreu enquanto capacidade transformadora. Hoje há simplesmente um processo de gestão das condições atuais”, analisou.

O professor ainda reforça que parte dessa rejeição é justificada por uma tra­dição de “dirigismo, centralismo e es­truturas hierárquicas que dificilmente será encarada pela sociedade como uma alternativa de democracia” presentes nos governos de esquerda. A saída pa­ra isso é mostrar uma imagem de futuro concreta e ser o laboratório de “uma ex­periência por vir”.

“Nós temos uma dívida com a popula­ção e devemos mostrar de uma manei­ra muito precisa o que significa governar para a esquerda”, encerrou.

Para Michael Lowy, passe livre é exemplo de “ecossosialismo”

Para o sociólogo Michael Lowy, o pla­neta já está dando os sinais de que a cri­se ecológica já começou. Em palestra no evento “Só a luta muda a vida”, que aconteceu dia 2 de outubro, na Univer­sidade de São Paulo, o sociólogo alertou que as mudanças no consumo e no siste­ma de produção tem que começar “aqui e agora”.

Afastando o rótulo de catastrofis­ta, o brasileiro erradicado na França dá os exemplos da falta de água que atin­ge vários estados do Brasil como o sinal de alerta. Para ele, porém, o mundo te­rá que buscar alternativas anticapitalis­tas para encontrar a solução.

“O Ecossocialismo é uma tentativa de ligar o socialismo e a ecologia. Isso im­plica em uma crítica às formas atrasa­das que existiam no socialismo no século passado que ignoravam a ecologia, mas também às formas sociais liberais que pretendem uma ecologia compatível com o capitalismo e com o mercado financei­ro”, explicou.

Trazendo a expressão para os dias de hoje, Lowy considera que uma pauta ecossocialista e revolucionária tenha si­do encampada nas ruas em 2013: o pas­se livre.

“Ela é social porque vai permitir a po­pulação pobre da periferia a usar o trans­porte gratuito, e é ecológica porque se o transporte público for gratuito, parte das pessoas não usarão mais o transporte in­dividual e vai diminuir a emissão de ga­ses. Além disso, ela tem também tem uma dimensão revolucionária porque é difícil para a elite suportar a ideia de gra­tuidade”, disse.

Novo conceito de desenvolvimento

Muitas críticas feitas à pauta ecológica no país a vai no sentido de que elas pres­sionariam ainda mais os países em de­senvolvimento para adotar medidas que atrasariam seu desenvolvimento. A não extração do pré-sal, por exemplo, deixa­ria de injetar R$ 134 bilhões na educação até 2022.

O professor Vladimir Safatle, porém, questiona qual o modelo de desenvolvi­mento o Brasil quer para as próximas dé­cadas.

“Uma das questões centrais é mos­trar que não há desenvolvimento nes­se tipo de crescimento. Uma perspecti­va ecossocialista vai insistir que precisa­mos pensar no que é a riqueza. O que sig­nifica uma sociedade rica? É uma socie­dade com abundância, que você tem uma quantidade de consumo cada vez maior, ou é aquela que consegue garantir uma qualidade de vida efetiva e real às pesso­as? O que temos hoje é um desenvolvi­mento que é ‘menos’”, disse.

Fonte: Brasil de Fato

Foto: Divulgação

DEIXE UMA RESPOSTA

Please enter your comment!
Please enter your name here

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.