Por Marcus Eduardo de Oliveira .*
Numa época em que indiscutivelmente um dos mais urgentes desafios mundiais é o de conciliar desenvolvimento econômico com equilíbrio e preservação ambiental, buscando com isso atingir a prática de uma atividade econômica que respeita as leis da natureza, o desperdício de recursos naturais e de alimentos, em escala mundial, tem sido o grande vilão na tentativa de consolidar uma gestão controlada de todos os recursos que vem da natureza.
Em matéria de desperdício, lamentavelmente o Brasil tem alcançado as primeiras posições no ranking dos países que não sabem fazer bom uso dos recursos naturais e da produção agrícola. De toda a água produzida no país, por exemplo, 46% se perdem pelos ralos; o que equivale a quase 6 bilhões de m3 por ano.
Em relação à energia elétrica desperdiçamos 43 terawatt-hora (TWh), dos 430 (TWh) consumidos no país. Essa perda (exatamente de 10%) é superior ao que é consumido pela população do estado do Rio de Janeiro, de acordo com estudos elaborados pela Associação Brasileira das Empresas de Serviços de Conservação de Energia (Abesco).
Já no que concerne aos alimentos, estimativas apontam um desperdício próximo a 32 milhões de toneladas, contabilizando desde a produção inicial até o consumo final. Isso daria para alimentar quase 10 milhões de famílias (30 milhões de pessoas) durante um ano com uma cesta básica típica.
Nossa perda agrícola é de 44% de tudo o que é plantado: 20% durante a colheita, 8% entre o transporte e armazenamento, 15% na indústria de processamento e 1% no varejo. Somando-se as perdas decorrentes dos hábitos alimentares e culinários, tem-se mais 20% de alimentos que são estragados (incluindo o elevado consumo de carnes branca e vermelha que é de 94 quilos em média per capita/ano), o que faz subir então para 64% o nível de desperdício de alimentos.
A conta monetária ao ano desse desperdício brasileiro gira ao redor de R$ 80 bilhões em alimentos, energia, água e demais recursos que simplesmente viram lixo. Segundo dados da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), 60% do lixo doméstico brasileiro diz respeito a resíduos orgânicos. Em números redondos isso representa 150 mil toneladas de lixo por dia. Setenta e seis por cento desse lixo, de acordo com a Embrapa, é depositado a céu aberto em lixões, comprometendo sensivelmente a qualidade do ar e do meio ambiente.
Ao se pensar nesse elevado patamar de desperdício de alimentos, não se deve perder de vista que isso é altamente agressivo ao meio ambiente. Se houvesse uma substancial redução dessas perdas agrícolas, aumentar-se-ia consideravelmente a oferta de alimentos, evitando, por conseguinte, maior produção e mais poluição. Apenas para ilustrar essa questão, a produção bovina é uma das grandes responsáveis pelo desmatamento no Brasil e a produção de carne suína e aves consome a maior parte da produção dos grãos do país, além de ser potencialmente produtora de dejetos – um porco, por exemplo, equivale em termos de produção de dejetos ao que oito seres humanos é capaz de produzir.
Especificamente ainda em relação aos alimentos, a humanidade tem desperdiçado quantidades que cada vez são mais assustadoras. Dados recentes da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) mostram um desperdício mundial de 1,3 bilhão de toneladas de alimentos por ano (são 670 milhões de toneladas perdidas nos países ricos e mais 730 milhões nos países em desenvolvimento).
Na América Latina, perde-se 220 quilos de alimentos por habitante/ano. Pelos dados do Conselho de Defesa dos Recursos Naturais, a população dos Estados Unidos manda para os aterros sanitários a importância de US$ 165 bilhões em hortifrutigranjeiros e carnes; 40% da comida americana a cada ano, o que faz com que os americanos enviem anualmente aos lixões mais de 35 milhões de toneladas de alimentos.
Perdem-se alimentos, perde-se junto água. O desperdício de comida, na maior parte do mundo, implica no gasto de um volume de água duas vezes maior do que o utilizado para o consumo das famílias. Com isso, quem sofre é o já sofrido planeta. A Terra, cujo tamanho não sofrerá aumento, será cada vez mais pressionada por mais produção. Descontadas as geleiras, os desertos e os oceanos, a Terra conta com 11,4 bilhões de hectares terrestres e marinhos considerados produtivos. Para o atendimento dos níveis de consumo que são vorazes, levando-se em conta o elevado nível de desperdício, a atividade produtiva vem usando 2,3 bilhões de hectares a mais (13,7 bilhões de hectares segundo dados do Fundo Mundial da Natureza) que sai dos estoques naturais não renováveis. Moral da história: a cultura do desperdício só faz aumentar a pressão sobre os recursos naturais, comprometendo assim a capacidade do planeta em poder respirar de forma aliviada.
(*) Professor de economia. Especialista em Política Internacional e Mestre em Integração da América Latina (USP).