Por Marcus Eduardo de Oliveira.*
Esse último século de produção econômica tem sido marcado por uma economia de acumulação que, como bem disse a ex-ministra do Meio Ambiente francês no governo de Lionel Jospin, Dominique Voynet, “não se baseia no capital do planeta, mas em seu estoque”.
Essa prática largamente difundida pela atividade econômica, além de dilapidar o patrimônio natural, degradando os serviços ecossistêmicos, fez surgir uma sociedade de mercado sem horizontes humanos. Para buscar o crescimento, como se com isso fosse possível contemplar a todos, a economia escravizou a natureza e fez do mercado de consumo um local frequentado por apenas 20% (mais ricos) da população mundial que se chafurda no consumo suntuoso.
Com a intensa dilapidação da natureza, a desertificação hoje afeta um terço da terra firme do mundo – são quatro bilhões de hectares. Segundo o estudo Avaliação Ecossistêmica do Milênio (organizado pela ONU, em 2005) ao longo dos últimos 50 anos a atividade humana esgotou 60% dos pastos, florestas, terras cultiváveis, rios e lagos do mundo. Apenas nos últimos 40 anos, 18% da Floresta Amazônica foi destruída. Das 17 reservas pesqueiras oceânicas conhecidas no mundo, mais de 60% apresentam uma retirada de peixes mais acelerada que a sua taxa de reprodução.
Nessa sociedade econômica desumana, desigual e dilapidadora das bases naturais, acentua-se cada vez mais a disparidade entre o modo de consumir dos mais ricos em comparação aos dos mais pobres. Simplesmente, 45% da carne e do peixe do mundo são consumidos pelos 20% mais ricos da população mundial. Diz o Banco Mundial que atualmente 2,8 bilhões de pessoas sobrevivem com menos de US$ 2 por dia. Dois quintos da riqueza mundial estão concentrados nas mãos de apenas 37 milhões de indivíduos. Apenas dois países – Estados Unidos da América e Japão – concentram 64,3% dos indivíduos entre o grupo de 1% mais ricos do mundo. Entre os 10% mais pobres do mundo, 26,5% estão na Índia, 6,4% na China e 2,2% no Brasil.
Enquanto aumentam as disparidades socioeconômicas, a população mundial aumenta e as economias modernas, para atender essa demanda, buscam nas elevadas taxas de crescimento satisfazer a sanha consumista dos mais vorazes. Os números que enlaçam esses crescimentos são ilustrativos. Em 1900, havia 1,5 bilhão de pessoas no mundo. Hoje, dividimos o mesmo espaço da Terra com 7 bilhões de bocas. A atividade econômica em apenas 50 anos – de 1950 a 2000 – cresceu de US$ 5 trilhões para US$ 50 trilhões (portanto, aumentou 10 vezes de tamanho).
A produção econômica cresceu, a população consumidora quadruplicou, o mercado se expandiu e o meio ambiente, escravizado pela atividade humana, ficou fragilizado. Para atender exclusivamente esse aumento no consumo, a natureza foi totalmente desfigurada pelo modo de produção. Mais produtos, menos recursos naturais. Mais mercado, menos biosfera. Mais consumo, menos natureza. O que segue serve de exemplo: a fabricação de um jeans consome 8.000 litros de água e 32 quilos de materiais naturais. Um quilo de café cultivado requer 20 mil litros de água. São necessários 11 mil litros para fazer um hambúrguer de cem gramas. Um computador portátil pesando 3 quilos exige em sua produção o equivalente energético de 350 kg de petróleo. Para a produção de um quilo de cereais necessita-se de um mil litros de água.
Uma alternativa para conter essa agressão ambiental, emoldurada no uso intensivo de recursos naturais, seria estancar tanto o crescimento populacional quanto o consumo supérfluo. Conquanto, como é quase impossível que as autoridades econômicas dos governos modernos estanquem o crescimento econômico, uma possibilidade para fazer a vida ecológica continuar “respirando” satisfatoriamente seria promover um crescimento econômico a taxas mínimas de impacto ambiental negativo. Como fazer isso? Praticando a desmaterialização da economia. Em que consiste? Desmaterializar a economia significa promover ações que reduzam o consumo de materiais, desde a energia, água, terra, florestas e minerais em cada unidade de produção econômica. Desmaterializar é promover uma redução drástica do volume dos resíduos sólidos, diminuindo a agressão sobre a biosfera, atenuando, por consequência, a produção de lixo ao final do processo produtivo. Desmaterializar é, grosso modo, procurar por um desenvolvimento sem escravizar a natureza.
Essa limitação do crescimento econômico pela desmaterialização pode ser ajudada pelo avanço da tecnologia. Inequivocamente, a evolução da tecnologia gera desmaterialização. Entretanto, essa mesma tecnologia tem sido incentivada em sentido contrário: não para desmaterializar a atividade econômica, mas para incitar novas produções consubstanciadas na tacanha prática da obsolescência programada. Assim, aumenta-se a produção para atender ao exagerado consumo, diminuindo, na ponta final, a natureza. Na verdade, somos constantemente “engolidos” pelo consumo. Victor Hugo, célebre escritor francês, vislumbrou bem isso: “Por força de querer possuir, nós nos tornamos possuídos”.
(*) Professor de economia. Mestre em Integração da América Latina (USP).