Por Beatriz Rosco e Ingrid Soares.
No mundo, a taxa de desocupação desse grupo gira em torno de 25%.
Mesmo os mais bem qualificados profissionais têm dificuldades para encontrar um emprego no país. Por isso, não é exagero afirmar que o Brasil está formando mestres e doutores para o desemprego. A frase é de Silvio Meira, professor do Centro de Informática da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e da Escola de Direito do Rio da FGV. Os números demonstram isso friamente: enquanto no mundo a taxa de desocupação desse grupo gira em torno de 2%, por aqui, a média é de 25%. Os mestres estão em situação ainda pior: 35% fora do mercado de trabalho.
“O Brasil forma doutores e, ao mesmo tempo, não tem articulações que envolvam resoluções de problemas como o semiárido e o aproveitamento sustentável das águas marinhas. Esses profissionais podem auxiliar nesses ramos. São assuntos mundiais e que demandam estratégias”, analisa Silvio Meira. Para ele, seria natural uma demanda de alto grau em todos os setores. A não existência dessa procura faz com que uma série de perguntas surjam na mente do professor. “Por que não tem no Brasil? É por que não precisa? Quantas empresas brasileiras competem no mercado global? Precisamos estruturar o país para que a indústria possa competir globalmente e a indústria demande conhecimento para competir também fora do Brasil.”
Mais uma vez, dados mostram muitos pós-graduados sem um lugar no mercado de trabalho. Uma pesquisa do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE, do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações) aponta que, em 2014, havia 445.562 mestres titulados contra 293.381 empregados. No mesmo período, foram formados 168.143 contra 126.902 empregados. De acordo com o último levantamento da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes, do governo federal), em 2017, foram titulados no país 50.306 mestres, 21.591 doutores e 10.841 no mestrado profissional. Segundo a assessoria, nos últimos anos, a Capes tem mantido o orçamento em cerca de R$ 4 bilhões, e o número de bolsas seguiu estável. São 93,5 mil bolsistas na pós-graduação no Brasil e no exterior, número que também tem se mantido estável nos últimos anos.
Saída de cérebros
Se os números são frios, a realidade é cruel. Doutorando na Universidade de Brasília, Abner Calixter, 34 anos, recebeu retorno de um processo seletivo com a alegação de que seu currículo era “superqualificado” para a vaga e, por isso, não foi contratado. “O grande problema é que o Brasil não é interdisciplinar. Para ser contratado em uma área determinada, eles olham para a graduação, independentemente do mestrado ou doutorado. Eu, por exemplo, não posso dar aula em uma faculdade de arquitetura porque a minha primeira graduação não é arquitetura. Meu mestrado e meu doutorado são em urbanismo sustentável, mas não sou arquiteto. Isso é um atraso”. As universidades do exterior, segundo Abner, são extremamente interdisciplinares. “Se existe esse tipo de abertura, isso reflete em novos modelos, em inovação para o mercado.”
Doutor em ciências biológicas, Leonardo Braga Castilho, 31 anos, era professor temporário da UnB. Há dois meses, o contrato acabou. Agora desempregado, ele divide o tempo entre distribuir currículos, fazer freelancer em cursos e procurar um pós-doutorado fora do país. “O mercado de trabalho não está fácil para ninguém. Mas tem gente com certo nível de qualificação que também não aceita qualquer emprego. Além disso, a procura específica na área em que se especializou oferece muito menos vagas. Mas acho que as reformas são um começo: podem exonerar o Estado, facilitar as leis de contratação”, aponta.
Para Bruno Gonçalves, 32, paleontólogo e doutor pela Universidade de São Paulo, o êxodo intelectual é o mais preocupante: “Acontece uma fuga dos cérebros. Como não existe vaga de emprego, e as pessoas precisam sobreviver, elas vão assumir vagas no exterior porque as perspectivas aqui são ruins. Não existe política pública de inserção no mercado de trabalho: temos um exército de doutores desempregados que não têm onde aplicar os conhecimentos”.
Célio da Cunha, ex-docente da Faculdade de Educação da UnB e professor do programa de pós-graduação da Universidade Católica de Brasília, aponta que o problema é causado pela crise econômica: “O país está em recessão e é natural que o desemprego atinja também os níveis mais altos”. Ele atribui o desemprego à falta de infraestrutura e à incapacidade do mercado de absorver a mão de obra extremamente qualificada.
“Acho que esse cenário é um reflexo da pouca valorização que a educação sofre no país. Lá fora, existe um grande apoio a museus e a centros de ciência. As empresas também investem em pesquisa, inovação. Falta incentivo no Brasil para se investir em ciência”, ressalta Bruno Gonçalves. Ele acredita que o país teria potencial para se tornar uma espécie de Vale do Silício. “Seria muito válido ter incentivos para empresas que trabalham com tecnologia, para contratarem mão de obra qualificada e desenvolverem conhecimento.”
Procurado pela reportagem, o Ministério da Educação (MEC) não se pronunciou sobre o assunto até o fechamento desta matéria.