O preconceito assola a população negra nas mais variadas situações do cotidiano brasileiro — como o Correio tem mostrado na série “#racismonunca”. Uma delas se manifesta por meio da intolerância religiosa, quando a relação com o sagrado é diferente da apresentada pelo cristianismo. Um dos traços mais marcantes da mistura cultural que caracteriza o Brasil, as religiões de matriz africana são alvo de incompreensão e hostilidade. Desde 2012, a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH-PR) registrou 76 denúncias de discriminação contra praticantes de crenças como o candomblé e a umbanda. Só em 2014, já são 20 ocorrências, que podem ir desde ameaças, até a violência psicológica e física.
Os adeptos da umbanda e do candomblé representam quase 600 mil brasileiros, ou 0,3% da população. O caso mais recente de intolerância a ganhar notoriedade aconteceu no Rio de Janeiro e levou o prefeito da cidade, Eduardo Paes, a se desculpar pessoalmente com um aluno de 12 anos, na semana passada. O menino foi barrado pela diretora na porta do colégio por usar guias de candomblé — colares próprios da religião. Em junho, Conceição de Lissá enfrentou o oitavo ataque contra a casa de candomblé que dirige, em Duque de Caxias, também no Rio. Desta vez, o incêndio foi no prédio, mas a mãe de santo já teve carros queimados e o barracão alvejado por tiros.
Elias Oliveira, coordenador-geral de Promoção de Diversidade Religiosa da SDH-PR, explica que, em geral, o preconceito começa com ameaças verbais, mas pode gerar situações como a vivida por Conceição. “A ameaça quase sempre precede outros tipos de violência”, lamenta. Apesar de não ter dados que sustentem a ligação entre o preconceito religioso e o racial, Oliveira pondera que “indiscutivelmente há uma associação desse tema com o racismo”. A percepção não é exclusiva de Oliveira, tanto que o Plano Nacional de Combate ao Racismo e à Intolerância contempla medidas para coibir a violência em terreiros.
Para Wanderson Flor do Nascimento, a intolerância religiosa está intimamente ligada ao preconceito racial. Ele é coordenador do Coletivo de Entidades Negras do Distrito Federal e integrante da Rede Nacional de Religiões Afrobrasileiras e Saúde. “É uma forma específica de racismo. São religiões de negros, que cultuariam o demônio. Essa é a principal razão pelas quais elas são atacadas.” Para ele, não enxergar a intolerância religiosa como racismo gera dificuldades para pensar em políticas públicas voltadas para a superação do problema.
Acesse o PDF: Desde 2012, SDH recebeu 76 denúncias de intolerância às religiões africanas (Correio Braziliense, 12/09/2014)
Fonte: Agência Patrícia Galvão. Com informações do Correio Braziliense, 12/09/2014.
Foto: Revista Afro