É difícil de acreditar que em pleno ano de 2017, os descendentes de escravos ainda sofrem as mesmas agressões que os seus antepassados. Não foi somente em nosso passado, por mais distante que pareça, que os nossos irmãos e irmãs negros(as) eram amarrados nos postes para serem agredidos e humilhados das formas mais violentas e cruéis que o homem pode criar. Apesar das décadas de lutas para a busca de seus direitos, a história ainda é banhada de sangue: sangue da luta por justiça e liberdade.
A Comunidade Quilombola Marobá dos Teixeira, no coração do Vale do Jequitinhonha, na cidade de Almenara (MG), ainda luta para ter o reconhecimento e regularização de suas terras, expropriadas por coronéis nas décadas de 1930 e mantida por eles até a primeira década do ano 2000.
Os resquícios do coronelismo, presentes ainda no Vale, não aceitam a retomada das terras pelos seus donos originais e, de forma covarde, atentaram contra a vida das lideranças da comunidade, a fim de amedrontar os quilombolas e, colocando-os sob a doutrina do medo, enfraquecer a luta pela terra antes usurpada.
No dia 24 de março, três pistoleiros tentaram silenciar a vida de duas lideranças quilombolas: o Sr. Jurandir Teixeira e sua esposa Maria Rosa foram vítimas de uma cruel tentativa de homicídio ? ao que tudo indica, em função de suas lutas para reconquistar as terras que antes foram tomadas à “bala de revólver”.
O Sr. Jurandir conta que na noite do dia 24, por volta das 20:00hs, um carro branco, parecido com o modelo Novo Uno, chegou ao quintal de sua casa, no Quilombo Marobá dos Teixeira, e os seus ocupantes chamaram pelo seu nome. Quando ouviram a resposta positiva por parte do Sr. Jurandir, o pistoleiro disse: ?Graças a Deus que encontramos o Sr.?. Em seguida, anunciou que era um assalto e os outros dois sujeitos, que também estavam no carro, correram para dentro da casa do Líder Quilombola para dominar a Sra. Maria Rosa.
A sessão de tortura logo começou. Do lado de fora, o Sr. Jurandir foi amarrado e torturado a golpes de porrete, socos e chutes. Os pistoleiros perguntavam onde estavam as armas, mas a resposta era sempre negativa, pois não havia arma alguma por parte dos quilombolas. Por fim, um dos pistoleiros o amarrou em um poste de energia elétrica. Estava escuro e o pistoleiro pensou ter amarrado o pescoço do Sr. Jurandir com intenção de enforcá-lo, ele relata, mas a corda ficou presa em seu queixo e, surpreendido com um violento chute na cabeça, ele desmaiou. Pensando terem matado o Sr. Jurandir, a tortura concentrou-se na Sra. Maria Rosa.
A fim de envenená-la, os pistoleiros tentaram fazer com que ela ingerisse um líquido cujo a mesma acredita ser ?chumbinho? (um tipo de veneno para ratos). Porém, a Sra. Rosa ?cuspiu? todo o líquido. Em seguida, com ela amarrada, eles injetaram em seu braço uma substância ainda desconhecida: !Foi uma dor terrível e pareceria que eles estavam rasgando o meu braço”, relatou a Sra. Maria Rosa.
Forjando um falso assalto, os criminosos não levaram todo o dinheiro das vitimas tinham e deixaram uma parte à vista, o que demonstra que não tratou-se de um assalto (pois, que ladrão deixaria dinheiro em espécie na casa de suas vítimas?). Mas, o que os criminosos não se esqueceram de levar foram todos os arquivos digitais do Quilombo e da Associação Quilombola.
Pensando ter eliminado os dois líderes quilombolas, os pistoleiros deixaram o local, foi quando o Sr. Jurandir retomou a consciência e, com muita dor e dificuldade, conseguiu se soltar e em seguida socorrer a sua esposa. Ainda na noite escura, se embrenharam no mato e buscaram ajuda na sede da comunidade quilombola.
A Polícia Civil abriu inquérito e investiga o ocorrido, sem nada de concreto até o momento. Porém, nota-se que o objetivo principal teria sido o de exterminar as lideranças do Quilombo Marobá dos Teixeiras. Qual criminoso vai roubar um imóvel e não leva todo o dinheiro encontrado? Qual assaltante leva veneno já preparado para dar de beber as vítimas? Qual assaltante leva seringa e agulha para um assalto?
As feridas físicas serão curadas em breve, mas as marcas psicológicas, essas serão difíceis de serem curadas. Ambos não conseguem dormir à noite, sempre retomando a lembrança da tortura e da tentativa de assassinato.
O claro objetivo de enfraquecer a luta quilombola não foi bem-sucedido. Para aqueles que detêm o real interesse naquelas terras, a união do quilombo e a luta não foram abaladas: foram fortalecidas. São décadas de luta e, segundo o próprio Sr. Jurandir, não será por esse triste e trágico episódio que toda a luta estará perdida.
Os processos de lutas e as batalhas judiciais vêm sendo favoráveis às famílias que compõe o quilombo. A comunidade há quase uma década já é reconhecia pela Fundação Cultural Palmares, também tem a posse da Fazenda Marobá, tal posse é cedida pela Justiça Federal via liminar. Resta agora o INCRA e o Governo Federal finalizar o processo administrativo de regularização fundiária da comunidade quilombola, tal processo se encontra em Brasília aguardando publicação de Portaria e Decreto, o que lhes trará mais segurança sobre as suas terras e poderá pôr fim a este conflito.
Será que o INCRA e o Governo Federal estão esperando que vidas quilombolas sejam tiradas para que isso ocorra? Não basta os séculos de exploração de mão de obra escrava? De povos raptados em suas terras natais para serem explorados, aqui, no abençoado novo mundo? De seres humanos serem tratados piores do que muitos animais? Quando essa dívida histórica será reconhecida e paga?
Foi no lombo chicoteado e ensanguentado de nossos negros que está nação foi construída e, ainda hoje, querem mais sangue para que, só assim, o direito histórico adquirido seja reconhecido.
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Fonte: Ediel Rangel.