Nunca uma eleição chilena teve tantos eleitores inscritos. Nunca tantos chilenos que podiam votar deixaram de fazê-lo. A primeira eleição no país com a nova lei de inscrição automática e voto voluntário registrou uma porcentagem recorde de abstenções (55%) e foi marcada também por uma quantidade nunca vista de derrotas eleitorais de prefeitos em exercício, algo pouco comum no país, onde não existe limite para reeleições no âmbito municipal.
Dentro desse panorama de grandes surpresas eleitorais, a aliança governista liderada pelo conservador Sebastián Piñera aparece como a principal derrotada, após perder diversas prefeituras na Região Metropolitana de Santiago e em outras capitais provinciais no sul do país.
Carolina Tohá, ex-porta-voz do governo de Michelle Bachelet, derrotou o governista Pablo Zalaquett em Santiago Centro
Entre os muitos resultados eleitorais se sobressaem os de Providencia, onde Cristián Labbé, da UDI (União Democrata Independente, de direita), perdeu para a dona de casa sem partido Josefa Errázuriz, e em Santiago Centro, onde o governista Pablo Zalaquett (também da UDI) foi derrotado por Carolina Tohá, da Concertação (principal bloco político opositor, de centro-esquerda). Ela foi porta-voz do governo da socialista Michelle Bachelet (2006-2010) e é filha de José Tohá, ex-ministro do Interior do governo de Salvador Allende (1970-1970), assassinado durante a ditadura.
Para a cientista política María Francisca Quiroga, do Instituto de Assuntos Públicos da Universidade do Chile, a derrota governista não significou automaticamente uma vitória da oposição. Segundo ela, as derrotas têm mais impacto por serem de prefeitos considerados “caciques”. A Concertação perdeu algumas de suas prefeituras históricas, como La Florida, Antofagasta e Arica, para candidatos independentes.
“Os cenários municipais sempre foram marcados por certo caudilhismo, e por um lado temos uma cidadania que não quis votar, e por outro os que votaram foram movidos por uma rejeição transversal aos velhos caudilhos”, analisou Quiroga que também viu nos resultados uma crítica evidente à bipolaridade da política chilena, que nos últimos anos esteve dividida quase sempre entre a Concertação, de centro-esquerda, e a governista Aliança, de direita. “Os votos que decidiram esta eleição são os que uma geração que não está vinculada sentimentalmente com essas duas coalizões, e que exige uma nova visão das autoridades e deu esse recado nas urnas, neste domingo”.
Movimento Estudantil
Entre os principais beneficiários das derrotas dos prefeitos caudilhos está o Partido Comunista, que pela primeira vez em sua história elegeu dois prefeitos na Região Metropolitana de Santiago. Além da comuna periférica de Pedro Aguirre Cerda, onde os comunistas conseguiram a reeleição de Claudina Núñez, o PC elegeu também um prefeito em Recoleta, um setor de classe média, e esteve perto de eleger um terceiro prefeito, que teria sido ainda mais simbólico.
Efe
Em Providencia, Cristián Labbé, da UDI, perdeu para a dona de casa sem partido Josefa Errázuriz
Na comuna de Estación Central (zona oeste da Região Metropolitana de Santiago), o comunista Camilo Ballesteros obteve 47,2% dos votos, sendo derrotado por pouco mais de 1.500 votos pelo atual prefeito Rodrigo Delgado (UDI). Ballesteros foi um dos principais líderes da Confech (Confederação dos Estudantes do Chile) em 2011 e apesar da derrota, a alta votação foi considerada pelos analistas como uma grande demonstração de força do Movimento Estudantil.
Segundo Quiroga, “o movimento estudantil é um dos catalisadores desse novo sentir da cidadania chilena, que fez com que os candidatos estudantis e os candidatos surgidos de juntas comunitárias ou de movimentos regionalistas e provinciais ganhassem ou perdessem alcançando uma votação expressiva”.
Outro dado que demonstra a influência da crise educacional nos resultados eleitorais deste domingo é o fato de que foram derrotados os três prefeitos que mais combateram as manifestações estudantis: Cristián Labbé (Providencia), Pablo Zalaquett (Santiago Centro) e Pedro Sabat (Ñuñoa), que chegaram a pedir intervenção militar em colégios ocupados e cancelaram matrículas de alunos que participaram das marchas.
Abstenção massiva
O clima de sol em quase todo o país não foi suficiente para estimular os chilenos a votar neste domingo (28/10). Já nos primeiros dados divulgados pelo Servel (Serviço Nacional Eleitoral), pouco depois do fechamento das urnas, a maioria das mesas registrou que menos de 50% dos eleitores inscritos emitiram seu voto. A Rádio ADN publicou a foto da ata de uma mesa de votação da comuna de Recoleta, na Região Metropolitana de Santiago, que registrou zero voto.
O subsecretário do Ministério do Interior, Rodrigo Ubilla, que foi o porta-voz oficial dos resultados eleitorais, oficializou posteriormente a abstenção de 55% dizendo que o número aponta um fortalecimento da democracia. “Com o voto voluntário, podemos celebrar que os 13 milhões de eleitores chilenos têm a total liberdade de decidir se desejam ou não votar. Se houve menor participação, a culpa é dos candidatos e dos partidos, que não souberam entusiasmar os eleitores, não do sistema”.
Além da massiva abstenção, a jornada também foi marcada pelos diversos problemas apresentados pelas listas de votação. Além dos casos de ex-vítimas da ditadura inscritas e aptas para votar – noticiado por Opera Mundi em maio, mas não solucionado depois de então -, também foram numerosos os casos de falecidos não ligados à ditadura cujo registro seguia constando nas listas de votação.
Porém, a maior polêmica com os nomes descobertos durante a eleição foi o da primeira vítima fatal do Golpe de Estado de 1973. O ex-presidente Salvador Allende (1970-1973) estava inscrito em uma lista de votação, no município de Estación Central.