Derlei Catarina: sua história é nossa história

    Por Silvia Agostini.
    “No Corpo e na Alma”. Foi assim que a tristeza me atingiu quando recebi a notícia que Derlei Catarina de Luca partiu deste mundo, deste país sob golpe, em 18 de novembro de 2017, em São Paulo. Numa luta árdua e esperançosa contra o câncer, Derlei sabe que seu trabalho em prol da Memória, da Verdade e da Justiça deu fruto e seguirá exercido por nós, do Coletivo Memória Verdade Justiça de Santa Catarina e por todos os que acreditam que é preciso conhecer o passado para não deixar que os erros e injustiças se repitam. No entanto, teremos que ser milhares para conseguir chegar perto da sua capacidade de não esmorecer, de amar as pessoas e de tocar as pessoas depois de tantas vivências doloridas de perdas de amigos e companheiros da batalha contra a ditadura. Mas, seguiremos e faremos valer cada um de seus esforços.
    Mesmo não tendo alternativa para resistir mais à doença, Derlei nunca perdeu a esperança e a vontade da vida. Ela com certeza partiu triste por ter que viver um novo período de golpe, de crises e de ver tantos retrocessos em direitos conquistados no Brasil, e em países de nosso continente – assim como aconteceu na década de 60. Ao mesmo tempo, creio que foi com a alma aberta e com certeza de ter feito o seu máximo e que esse máximo criou possibilidades de o Brasil descobrir um pouco mais de sua história, num período que tenta ser apagado por muitos e pela elite que financiou o golpe civil militar de 1964 e que continua até hoje no poder. Seu trabalho junto de outras companheiras e companheiros possibilitou a organização de coletivos que resultaram na condenação do Brasil na Corte Interamericana de Direitos Humanos e obrigou que o Brasil “democrático” e sob o governo de Dilma Roussef, também perseguida e torturada nos porões da ditadura, cumprisse a decisão da Corte e criasse a Comissão Nacional da Verdade e as comissões estaduais da Verdade.
    Por intermédio da Comissão Estadual da Verdade (CEV) de SC, da qual Derlei participou ativamente, foram desvendados histórias e locais de desaparecimento de muitos que se opuseram ao regime militar repressivo. Hoje sabemos como desapareceu o deputado catarinense cassado Paulo Stuart Wright em 1973– por quem Derlei teve sempre muito carinho e admiração -, pra onde foi levado o jovem catarinense João Batista Rita, também a jovem estudante Alceri Gomes, Rui Pfutzenreuter, e outros mais. Por meio da CEV, o Estado Catarinense precisou revelar o assassinado do prefeito de Balneário Camboriú Higino Pio nas dependências da Escola de Aprendizes Marinheiros, em Florianópolis em 1969, as 701 prisões arbitrárias – sendo duas de menores de idade- e repressão a trabalhadores do campo e cidade, a indígenas e a 25 entidades sindicais. Foi a partir desse resgate histórico e do trabalho dessa querida companheira que o Coletivo Catarinense Memória Verdade Justiça conseguiu reunir o acervo Ditadura em Santa Catarina e disponibilizá-lo ao Centro de Ciências Humanas e da Educação da Udesc em junho, deste ano.
    Conheci Derlei nessa luta e integrei-me ao Coletivo. A cada dia que passava a admirava mais. Num dia em que perguntei um pouco mais sobre sua vida abriu um armário com algumas bibliografias e documentos e me deu de presente o livro No Corpo e na Alma, de autoria própria, editado em 2002. Depois de ler sua história, aumentou meu amor e admiração por aquela mulher encantadora que nasceu em Içara, em 1946, foi catequista, militante socialista organizada, teve outros nomes, foi operária, babá, professora, escritora e além de tudo foi mãe, avó e amiga.
    Nos últimos meses, em tratamento, passou em São Paulo perto do filho e dos netos, seus maiores amores na vida. Tínhamos planejado assistir, junto com meu filho Raul, a uma partida de futebol de seu neto, num a categoria juniors do Corinthians.
    Por conta de uma parada cardiorrespiratória, agora não circula mais oxigênio em seu sangue se seu coração não bate, mas sua vida e sua história continuam em cada um de nós. Derlei Catarina, presente!

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