Por discurso em que considera “tudo o que não presta” homosexuais, povos indígenas e quilombolas, deputado gaúcho ruralista Luis Carlos Heinze (PP/RS) é o “racista do ano”, segundo a ong Survival. A intolerância de agro-extremistas de ultra-direita do Brasil faz manchetes vergonhosas pelo mundo, enquanto a violência explode nos campos e nas cidades.
Por Felipe Milanez.*
Racismo ruralista
Por discurso em que considera “tudo o que não presta” homosexuais, povos indígenas e quilombolas, deputado gaúcho ruralista Luis Carlos Heinze (PP/RS) é o “racista do ano”, segundo a ong Survival. A intolerância de agro-extremistas de ultra-direita do Brasil faz manchetes vergonhosas pelo mundo, enquanto a violência explode nos campos e nas cidades. Fonte: youtube.com
O Brasil é o centro das atenções, o poder emergente, sede da Copa, das Olimpíadas, do carnaval, das mobilizações de rua, e não para de aparecer nas manchetes internacionais. A mais nova é a desonra, vergonha coletiva, com o reconhecimento, absolutamente merecido, não há duvidas, de que deputados ruralistas são os “racistas do ano”. O prêmio, concedido pela entidade internacional de defesa de populações indígenas, a Survival, é em comemoração ao Dia Internacional de Luta Pela Eliminação da Discriminação Racial, 21/03, reconhecido pela ONU.
O reconhecimento do mérito pelo racismo praticado foi para os deputados ruralistas gaúchos Luis Carlos Heinze (PP), o ganhador principal, e Alceu Moreira (PMDB), que o acompanha na vergonha. Os dois proferiram discursos de intolerância aos povos indígenas e quilombolas, e homossexuais, todxs que formam o “tudo o que não presta”, na visão de Heinze. Moreira incentivou o conflito armado, através de milícias, para a garantia das grandes propriedades rurais. Seu modelo de “resistência é o que acontece no Pará, estado campeão de assassinatos no campo. As declarações foram proferidas em uma audiência pública no Rio Grande do Sul, e também durante o “leilão da resistência”, realizado para financiar o pagamento de milícias armadas para agir nos conflitos por terra no Mato Grosso do Sul.
Os dois deputados gaúchos falam para seus apoiadores, o seu público, é claro. Quem são seus apoiadores? Fazendeiros, grandes ou pequenos, que estão em conflitos com o “tudo o que não presta” do deputado. Também estão junto do discurso racista os lobbies a quem eles defendem, representam, e que pagam suas campanhas: multinacionais do agronegócio e commodities, e a indústria de armas. Ter terras, eliminar “o que não presta” com o uso de armas de fogo, é um discurso que talvez não tenha sido proferido por acaso, no “calor de uma audiência pública”, digamos assim.
Em um filme que dirigi sobre o assassinato dos ambientalistas José Cláudio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santo da Silva, Toxic Amazonia, um deputado ruralista diz que os ativistas devem ser “excluídos da sociedade brasileira”. Ao ler uma entrevista que fiz com Zé Cláudio para anunciar o seu assassinato, no Plenário da Câmara dos Deputados, o deputado Sarney Filho foi vaiado. Sim, o anúncio de uma morte recebeu vaias.
Esse é o “lado sombrio do Brasil”, segundo a Survival.
Será essa ideologia, presente nos discursos extremistas de uma certa elite ruralista, e que prega a eliminação física dos adversários políticos ao mesmo tempo que a superioridade de uma certa classe étnica (branca, ocidental, heteronormativa e cisgênera), significados de um fascismo que permanece, ou então que se reconfigura, no Brasil?
Há um ovo da serpente sendo chocado, ou já eclodindo?
O mito do “Brasil grande” era o lema da Ditadura Civil Militar, o “país do futuro”, e que, agora, é o “país do presente”. Essa ideia de país que se projeta nessa ideologia é, evidentemente, diferente do país que existe. É um projeto de país que envolve o branqueamento racial, o extermínio de povos que não se encaixam no modelo, uma divisão de classes étnicas racializadas, de categorias. Há uma ideologia nacionalista para a construção de um projeto de Estado-Nação que se impõe pela intolerância e violência física, seja essa violência praticada pelo Estado, no modelo weberiano, ou mesmo compartilhada com essa elite, através da pistolagem, milícias privadas de segurança. O debate político é substituindo pelo enfrentamento de inimigos, no sentido militar. E isso ocorre em meio as comemorações dos 50 anos do golpe que instaurou a Ditadura Civil Militar no Brasil.
No Brasil, a escravidão, que envolveu além de populações africanas, também populações indígenas, venceu, conforme uma longa e necessária entrevista concedida pelo antropólogo Eduardo Viveiros de Castro: “Lembremos que houve um projecto explícito no Brasil, e que deu certo, que está dando certo, por isso é que sou pessimista, que é o projecto iniciado com Pedro II, em parte inspirado pelo célebre teórico racista Gobineau, que era uma grande admiração de D. Pedro: o Brasil só teria saída mediante o braqueamento da população, porque a escravidão tinha trazido uma tara, uma raça inferior.”
O extermínio dos povos indígenas não é uma proposta nova a aparecer em discursos extremistas. O cientista Rodolpho von Ihering, do Museu Paulista, declarou no início do século passado, há pouco mais de cem anos: não se póde esperar trabalho sério e continuado dos indios civilizados e como os Caingangs selvagens são um impecilio para a colonização das regiões do sertão que habitam, parece que não ha outro meio, de que se possa lançar mão, senão o seu exterminio.
Os povos Guarani e Kaiowá, no Mato Grosso do Sul não tem dúvidas de que o extermínio é não só uma possibilidade política, como uma realidade. Na visão dos próprios Guarani, eles estão passando por um de genocídio: ou seja, os atos de eliminação física, total ou parcial, de um grupo étnico. Logo após o assassinato da liderança e rezador Nísio Gomes em 2011, eu tive lá e perguntei a algumas das principais lideranças. O vídeo pode ser visto aqui. Depois dele, pelo menos mais sete outras lideranças políticas foram eliminadas, além de outras dezenas de mortes.
Baseada em Londres, a Survival acompanha, desde o final dos anos 1960, quando foi fundada, a violência contra os povos indígenas no Brasil. Hoje em dia, seguem de perto o processo de genocídio dos povos Guarani e Kaiowá, no Mato Grosso do Sul, e da violência contra os Awá, no Maranhão, este considerado, segundo seus levantamentos, ” o povo mais ameaçado do mundo”.
Abaixo, a notícia do prêmio, divulgada pela Survival.
O lado sombrio do Brasil: Deputado recebe prêmio da Survival, ‘Racista do Ano’
Um proeminente Deputado brasileiro recebeu o prêmio ‘Racista do Ano’ da Survival International para o Dia Internacional para a Eliminação da Discriminação Racial, 21 de março.
Durante uma reunião pública em novembro passado, o Deputado Luis Carlos Heinze fez comentários profundamente ofensivos contra os índios brasileiros, homossexuais e quilombolas. Outro Deputado, Alceu Moreira, pediu a expulsão de povos indígenas que tentam reocupar suas terras ancestrais.
Deputado Heinze, que é Presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária, disse que ’O mesmo governo… é ali que estão aninhados quilombolas, índios, gays, lésbicas, tudo o que não presta, ali está aninhado, e eles têm a direção e o comando do governo’.
Durante a mesma reunião o Deputado Alceu Moreira pediu que os fazendeiros brasileiros ‘se fardem de guerreiros e não deixem um vigarista desse [aparentemente referindo-se aos apoiadores dos índios] dar um passo na tua propriedade. […] Reunam verdadeiras multidões e expulsem [os índios e os quilombolas], do jeito que for necessário!’
Os Deputados fazem parte do poderoso lobby ruralista, anti-indígena, do Brasil, que está exigindo que o governo aprove uma série de leis controversas que iriam enfraquecer drasticamente o controle dos povos indígenas sobre suas terras.
A APIB, Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, descreveu isso numa carta ao Ministro da Justiça, como ‘uma virulenta campanha […] de discriminação e racismo contra os povos originários’.
As mudanças seriam desastrosas para tribos brasileiras como os Guarani, que já perderam a maior parte de suas terras para fazendeiros de gado e plantações de cana de açúcar. A tribo enfrenta altos níveis de violência nas mãos de latifundiários poderosos, que freqüentemente empregam pistoleiros para expulsar os Guarani de suas terras e assassinar seus líderes.
Um homem Guarani disse à Survival, ‘Os pistoleiros estão nos ameaçando e eles querem nos matar. Eles querem extinguir todos nós’.
De acordo com relatos, a Bunge, um gigante alimentício estadunidense que compra cana de açúcar de terras roubadas dos Guarani, tem financiado campanhas eleitorais do Deputado Heinze.
O prêmio de racismo da Survival foi anteriormente concedido ao jornal peruano Correo que chamou indígenas de ‘selvagens’ e ‘primitivos’ e o jornal paraguaio La Nación que comparou índios paraguaios ao câncer, e os chamou de ‘sujos’.
Nixiwaka Yawanawá, um índio da Amazônia que se juntou a Survival em 2013 para lutar pelos direitos indígenas, disse: ‘Por mais de 500 anos, os índios do Brasil têm sofrido racismo, preconceito e violência nas mãos de pessoas que querem ver a nossa extinção. Mas ainda estamos aqui, nós somos os protetores da floresta e exigimos respeito. Me deixa triste e com raiva quando ouço os comentários de ódio e racismo desses políticos. Com apenas alguns meses até a Copa do Mundo, o mundo precisa ver este lado do Brasil também.’
*Do Blog do Felipe Milanez
Fonte: Carta Capital