Voluntários da Cruz Vermelha abordam um ônibus no qual chegam meninos e meninas migrantes no posto fronteiriço hondurenho de Corinto, para supervisionar seu Estado e entregar-lhes uma bolsa de ajuda solidária.
Por Thelma Mejía.*
Corinto, Honduras, 3/9/2014 – O relógio marca 9 da manhã, quando um ônibus procedente da cidade mexicana de Tapachula chega a Corinto, na fronteira entre Honduras e Guatemala. É o primeiro dia que vem com menores de idade e suas famílias, retornando após fracassarem em sua tentativa de coroar a rota migratória e chegar aos Estados Unidos.
No ônibus há 19 meninos e meninas entre cinco e 12 anos, seis mulheres e sete homens, todos familiares. A viagem durou dez dias. Uma equipe de voluntários da Cruz Vermelha de Honduras, apoiada pelo Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICR), os recebe e sobe no veículo com bolsas de ajuda básica.
É a primeira parada que fazem em solo hondurenho, no departamento de Cortés. Seu destino é a cidade de San Pedro Sula, onde em um abrigo governamental instalado em julho são recenseados e recebem uma bolsa de alimentos e pequena quantidade de dinheiro para que voltem aos seus lugares de origem.
As autoridades proíbem que os jornalistas entrevistem, fotografem ou filmem os menores. Mas podem entrar no ônibus, percorrer seu interior e observar rostos infantis esgotados e tristes, ou, em alguns casos, alheios ao que acontece. Seus pais ou parentes baixam o olhar para esconder sua dor, sua derrota e sua impotência.
Foi o que a IPS constatou. Nesse dia, pela aduana de Corinto entram quatro ônibus com emigrantes deportados, dois com menores e outros dois apenas com adultos. Somam 152 pessoas. O fluxo é diário, salvo no caso dos menores, que sozinhos ou acompanhados chegam às segundas, quartas e sextas-feiras.
“Os ônibus trazem de 30 a 38 pessoas”, explicou à IPS a voluntária Yahely Milla, da equipe da Cruz Vermelha. Ela conta que “esta deportação em massa de menores começou em abril” e que, em maio e junho, quando estourou nos Estados Unidos a crise humanitária das crianças centro-americanas, chegavam até 15 ônibus por dia. “Certa vez vieram menores entre três meses e dez anos, alguns sozinhos e outros com os pais, e isso nos afetou porque não havíamos visto tantas deportações desde que estamos na fronteira”, contou Milla.
A fronteira de Corinto fica a 362 quilômetros de Tegucigalpa. É um dos postos mais usados pelos hondurenhos para iniciar a rota migratória. Antes de chegar à aduana, existem pelo menos 80 pontos cegos que os migrantes usam para passar para a Guatemala, seguir até o México e, com sorte, chegar nos Estados Unidos.
As autoridades estabeleceram operações de controle que reduziram o êxodo em alguma medida. Aqui a presença institucional é quase nula e a única mão que dá apoio ao migrante que retorna é o centro da Cruz Vermelha e o CICR, instalado há quase dois anos.
A única ação do governo, afirmam no lugar, aconteceu em julho, quando aumentaram as deportações e Ana Hernández, mulher do presidente Juan Orlando Hernández, chegou a receber um grupo de crianças. Mais de um mês depois, os acampamentos prometidos não existem e não há nem mesmo um banheiro na parada que preste serviço aos que retornam.
Entre um e outro ônibus, Mauricio Paredes, responsável da Cruz Vermelha no posto de Corinto, contou à IPS como funciona o centro de atenção. A dimensão da crise humanitária obriga a medir as palavras. Os menores recebem fraldas descartáveis, água, mamadeiras e soro, e aos adultos são entregues água, papel higiênico, pasta e escova para dentes, absorventes para as mulheres e lâminas de barbear aos homens. Também permitem um telefonema de três minutos para falar com familiares.
O sol está mais forte quando cinco horas depois chega o segundo ônibus, procedente da localidade mexicana de Acayuca, trazendo 38 migrantes entre adolescentes e adultos. Daniela Díaz, de 19 anos, é uma delas, e telefonou para sua mãe para dizer que está de volta de sua segunda tentativa de chegar aos Estados Unidos, e depois contou sua odisseia à IPS.
“Há nove meses iniciei esta viagem e apesar de ser minha segunda tentativa volto impactada pelo que vi”, afirmou Díaz. “Desta vez consegui chegar e subir na La Bestia (o trem mexicano de carga usado pelos migrantes), mas ali ocorrem coisas horríveis. Vi como violavam as mulheres, como os coiotes (traficantes de migrantes) te vendem para grupos criminosos”, relembrou entre momentos de silêncio.
“É horrível ver como no caminho pessoas são mortas, ou deixadas para trás, gente de seu país. A coisa está muito feia lá, estou aliviada por voltar porque estou viva, outros não, foram mortos por delinquentes ou jogados do trem. Vi tudo isso e me senti muito mal”, contou Díaz.
“É tão duro o que se vive que já quase não tenho lágrimas. Fui por necessidade, porque aqui não tenho trabalho, minha família é muito pobre, às vezes comemos, às vezes não, somos cinco irmãos, sou a mais nova e a mais rebelde, diz minha mãe”, acrescentou a jovem oriunda de Miramesi, um bairro pobre da capital.
Mas, apesar do que viveu, Díaz assegura que voltará a tentar a viagem. “Ir para os Estados Unidos é meu sonho, que vou concretizar, ainda que morra tentando”, afirmou, enquanto se preparava para empreender o caminho para casa pela estrada, caminhando ou de carona, pois não tem nada. É assim, sem dinheiro, sem nada, que os deportados retornam.
A pobreza e a violência criminosa são os principais fatores que obrigam os habitantes deste país a emigrarem para os Estados Unidos, afirmam os especialistas. Entre outubro de 2013 e maio de 2014, calcula-se que chegaram sozinhos ao território norte-americano 13 mil hondurenhos menores de idade. No último semestre, cerca de 30 mil hondurenhos foram deportados pelos Estados Unidos e pelo México, segundo o governamental Centro de Atenção ao Migrante que Retorna.
David López, de 18 anos, é natural de Copán Ruinas, no departamento de Copán, uma das regiões mais quentes do país, onde grassa o crime organizado. O jovem quis fugir disso. Mas retorna assustado, frustrado e derrotado. Foi assaltado duas vezes por gangues que operam na rota migratória. “Parti porque aqui já não é seguro viver, se vê coisas que é melhor nem falar. Falei para mim mesmo, é hora de deixar o campo e volto derrotado. Vivo, mas derrotado”, afirmou com dor à IPS.
Seu rosto fino se transforma ao recordar os assaltos, os maus tratos, a seca e a fome que suportou. “Eu pensava que os caminhos da vida fossem diferentes, mas são difíceis, me envergonha chegar em casa porque fracassei desta vez, mas tentarei novamente, quando as águas estiverem mais calmas na fronteira”, afirmou López.
Somente em agosto, entraram por Corinto cerca de 19 mil deportados, o equivalente ao total de deportados em todo ano de 2013, segundo Paredes. Com 8,4 milhões de habitantes e 65,5% das famílias na pobreza, Honduras também é um dos países mais violentos do mundo, com uma taxa de homicídio de 79,7 para cada cem mil habitantes, segundo o Observatório da Violência de Honduras.
*Da IPS
Fotos: Thelma Mejía/IPS
Fonte: Envolverde/IPS