Após balançar e quase ir às cordas no segundo turno da última eleição presidencial em 2014, o governo petista não perdeu tempo. Vendo que o nível de perda de legitimidade de seu mandato começa a atingir níveis preocupantes, Dilma parece ser voltar agora para domar os movimentos sociais. Mas diferente da grande truculência adotada a partir dos grandes movimentos desencadeados nas jornadas de junho de 2013, é visível a mudança de tática do comissariado dilmista.
Naquele momento todo um aparato repressivo, articulado desde o Ministério da Justiça, atuando bastante entrosado com as forças de segurança estaduais (isto é, máquinas de distribuição de borrachadas à mando de governadores), parecia dar conta das manifestações, desmobilizando boa parte de seus membros pela ferocidade das ações e pelo temor que elas acabaram produzindo.
Mas vieram as eleições de 2014 e um traumático processo de disputas – com direito ao passamento trágico de um dos candidatos – e um resultado que, embora formalmente favorável para os dilmistas, só revelou a fragilidade do bizarro arco de alianças que a presidenta foi montando ao longo do mandato. O crescimento de grupos de direita, todos aglutinados na campanha do candidato tucano, e assustadora ferocidade de suas formas de expressão só evidenciam o vácuo aberto no campo das forças políticas e das organizações da sociedade civil produzidos pelo rolo compressor de despolitização operado junto aos movimentos sociais nos 12 anos de pontificado petista.
Mas como diria o Barão de Itararé – “As consequências vem depois”. Durante algum tempo parece ter funcionado a contento a tática de desmobilização de grupos críticos à linha política do governo. Algumas das grandes reformas do governo, como a da Previdência (gestão Lula), foram conseguidas através desses expedientes.
O governo insistiu tanto na consolidação de uma cidadania apoiada quase que exclusivamente no modelo do consumidor eternamente satisfeito, que acabou se esquecendo que a política nunca pode prescindir de legitimidade e apoio social, isto é, de um povo crítico e atuante. Melhor para as forças reacionárias tendo a frente figuras como Bolsonaro, Sherazade e Olavo de Carvalho.
E para piorar a situação, uma grave crise mundial, expressa no baixíssimo preço do petróleo, na perda de fôlego da economia chinesa e na queda dos preços das commodities, contribuiu para desandar de vez a gestão petista. A corrosão das contas do governo, a explosão da dívida pública, ameaça da inflação, a alta de impostos, crédito caro, o estouro dos gargalos infraestruturais e a péssima situação do setor hídrico e energético são faces internas da crise. Que reunidas acabam por atingir a pedra de toque da política de domínio petista: o poder de consumo das massas.
Tal como na campanha eleitoral, as promessas ditas por Dilma no seu discurso de posse do segundo mandato não resistiu às primeiras tesouradas no ministro da fazenda Joaquim Levy. Em uma semana, o lema “Pátria Educadora” foi rebaixado à condição de chiste. Pudera, a educação foi a pasta mais devassada pela tesoura assassina (e neoliberal) do ministro do Mercado. As universidades já começaram a sentir e a pagar – o que é pior – os custos das chamadas políticas de “recuperação da credibilidade econômica do país”. Os cortes das “despesas supérfluas” já se avolumam. E sempre recaem nas áreas da educação, saúde e cultura (áreas de uma frugalidade extrema para o ponto de vista neoliberal). E assim tem ocorrido: salários de terceirizados, vigias e bolsas de pesquisadores e estudantes estão paralisados – tudo para recuperar a saúde do Mercado.
Diante de tal quadro de completa inanição política e financeira, como que num passe de mágica, a cúpula petista volta os seus olhos para os movimentos sociais. De uma hora para outra, o comissariado voltou a ver com bons olhos as organizações civis, os benefícios da democracia direta e a deplorar a corrupção institucionalizada pelo jogo de cartas marcadas do sistema partidário-representativo. A promoção de comitês, fóruns e comissões voltou a ser o caminho da redenção.
Tudo muito parecido com o que foi esboçado no início do primeiro mandato de Lula, que também pegou o país numa série crise econômica e ainda tendo que lidar com a desconfiança de setores da burguesia nacional.
Agora, o governo federal apela novamente para o “diálogo” com os movimentos sociais. Tudo indica que a força repressiva ou o “poder de persuasão através da violência” virá acompanhado da reconstrução da parceria com organizações e movimentos.
Os primeiros sinais já se mostram na proposta da criação de Conselhos Populares e nas recentes medidas do governo, levando para o segundo escalão – através da distribuição de cargos – figuras ligadas a movimentos que adquiram notoriedade nas Jornadas de dois anos atrás (como o Fora do Eixo). O governo busca com isso recuperar terreno perdido. Mas não o faz por “ideologia”, mas premido pela conjuntura.
Contudo, outras iniciativas, como os duros pronunciamentos do prefeito Fernando Haddad contra o MPL levam a crer que o uso da repressão sempre estará no horizonte nessa árdua tarefa do desacreditado grupo que comanda a política nacional no seu relacionamento com esses antigos conhecidos, os movimentos.
* Historiador e professor da UFF.