Denúncia Projetos de mineração ameaçam importantes áreas do bioma Mata Atlântica na RMBH

Projetos de mineração, com megabarragens de rejeitos, ampliação e implantação de cavas e novas pilhas de estéril, suprimirão, caso licenciados, importantes áreas do bioma Mata Atlântica na RMBH. 

Se as pretensões da Vale S/A forem atendidas, a  qualidade das águas do Alto Rio das Velhas, trecho de máxima prioridade da Meta 2014, serão niveladas por baixo.

Por Gustavo Gazzinelli.

Movimento pelas Serras e Águas de Minas-MovSAM e Fonasc-CBH
Belo Horizonte, 24 de dezembro de 2012

Se o governo do Estado de Minas Gerais levasse a sério a Meta 2014, buscaria elevar a qualidade das águas do rio das Velhas ao patamar dos últimos trechos bem preservados, que se encontram, no momento, seriamente ameaçados por projetos de mineração.

Nos últimos dias 11 a 19/12/2012 quatro audiências públicas sobre a ampliação do complexo Vargem Grande, da Vale, aconteceram nos municípios de Nova Lima, Itabirito, Rio Acima e Belo Horizonte (MG). Este projeto vem para juntar, em uma só estrutura de produção mineral (de mais de 30 quilômetros de extensão), os complexos Vargem Grande (minas Tamanduá e Capitão do Mato) e Itabiritos (minas do Pico, Galinheiros, Sapecado e Abóboras). O projeto Itabiritos foi anunciado recentemente, em Nova York, como a prioridade atual  da Vale em Minas Gerais, juntamente com a duplicação do complexo Carajás (PA), com o licenciamento da Serra Sul. Para se ter uma noção da escala e área de influência dos complexos Itabiritos e Vargem Grande, acesse a apresentação mostrando a atuação da Vale no território da bacia do Alto Rio das Velhas e avalie a sustentabilidade das classes Especial e Um de alguns trechos desta.

Quanto ao complexo Vargem Grande-Itabiritos, a MBR-Vale propõe a implantação de uma megabarragem (capaz de comportar 600 milhões de metros cúbicos de rejeitos da mineração de ferro) no córrego Fazenda Velha, afluente da margem esquerda do rio das Velhas, à montante da cidade de Rio Acima e da captação de Bela Fama (Nova Lima) para o Sistema Rio das Velhas da Copasa. Bela Fama é responsável pelo abastecimento de 63% da população de Belo Horizonte e cerca de 45% da Região Metropolitana. Somada à Pilha de Estéril Boiadeiros, que a empresa quer sobre o córrego Boiadeiros, a Vale enterrará 950 hectares de Mata Atlântica em estágios médio e avançado de regeneração, conforme o Estudo de Impacto Ambiental do novo empreendimento.

A ampliação das cavas atuais impactará seriamente o manancial de Fechos, que abastece o Sistema Morro Redondo da Copasa. Sobre este recomendamos o vídeoapresentado na audiência pública de BH, realizado pela associação Primatas da Montanha (Primo), que como nenhuma outra entidade vem dedicando-se à defesa da Estação Ecológica de Fechos, inclusive propondo sua ampliação.

A Vale também acaba de realizar audiências públicas em Itabirito, sobre o projeto de uma outra grande barragem – Maravilhas 3, que, caso licenciada, somará mais 500 hectares de rejeitos úmidos à região do Alto Rio das Velhas. Para que tenhamos uma ideia de escala, lembremos que o Parque Municipal Américo René Giannetti, no centro de Belo Horizonte, tem 18 hectares, o Parque das Mangabeiras, o maior da capital mineira, 230, e o Parque do Ibirapuera, o mais conhecido da capital paulista, tem 158 hectares.

Relatórios do Plano Diretor da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas já indicam o rio Itabirito e a atividade da mineração como o começo do pesadelo desta bacia, e mais especificamente a mineração de ferro, como a principal fonte de poluição difusa, por sólidos, destacadamente nas estações chuvosas, assim ocasionando o assoreamento deste e d’outros rios atingidos pela atividade.

Na imagem do fotógrafo Leandro Durães podemos entender o que significa o encontro do rio Itabirito com o Velhas e a grande contribuição da mineração para o tom da água do rio. A imagem não é muito diferente daquela que captamos no encontro do córrego Vieira(procedente de área onde estão instaladas as minas de Gongo Soco (Vale) e da Jaguar Mining ou MSOL (mineração de ouro em concessões arrendadas à Vale S/A) com o rio São João. Verifica-se aí o que turva as águas do rio São João ou Barão de Cocais (sub-bacia do rio Piracicaba/bacia do Rio Doce), que nasce na vertente leste da Serra do Gandarela, com qualidade Classe Especial, e que é responsável pelo abastecimento de mais de 70% da população de Barão de Cocais.

No segundo semestre de 2011, representantes da área da mineração e indústria, apoiados pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Minas Gerais (Semad), tentaram desenquadrar as águas da bacia do rio Piracicaba, o que implicaria legalmente no seu enquadramento como Classe 2, de muito pior qualidade e sem potabilidade natural. Não fossem algumas presenças e atitudes na reunião do Conselho Estadual de Recursos Hídricos (CERH), esta tragédia teria acontecido e adquirido força de lei, sem que a sociedade tomasse o menor conhecimento. Um dos principais alvos desta desclassificação seria o trecho 22, o ribeirão Preto, afluente do rio Conceição que está localizado entre as serras do Gandarela e Baú e a Serra do Caraça e enquadrado como Classe Especial, pela Deliberação nº 9/1994 do Copam (que estabeleceu o enquadramento da bacia do rio Piracicaba). Em outra foto de Leandro Durães, podemos entender o que significa o ambiente do ribeirão Preto, na área destinada a se tornar parte do Parque Nacional da Serra do Gandarela.

Na ocasião da tentativa de desenquadramento citada, encontramos apresentação de um técnico do Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam), propondo a alteração do trecho 22 e de outros trechos (ver abaixo), devido à “pressão da atividade minerária”, que sequer está licenciada nesta região quase paradisíaca. Veja na tabela abaixo o conteúdo de um dos slides:

SUB-BACIAS 

[do Rio Piracicaba – DO2]

PROPOSTAS DE ALTERAÇÕES 

[na DN Copam 09/94]

ALTO 

RIO PIRACICABA

• alterar o enquadramento da classe 1 para classe 2 em vista da pressão da atividade minerária – trecho 6 [córrego Jatobá]
ALTO E MÉDIO 

RIO SANTA BÁRBARA

• alterar o enquadramento da classe especial para classe 1 em vista da pressão da atividade minerária – trecho 22 [ribeirão Preto] 

• alterar o enquadramento da classe 1 para classe 2 em vista da pressão da atividade minerária – trecho 30 [rio São João ou Barão de Cocais, da confluência com o córrego Vieira até rio Congo]

RIO DO PEIXE •alterar a classe de enquadramento da classe 1 para classe 2 em vista de pressão de esgotos sanitários e efluentes industriais – trecho 56 

• alterar a classe de enquadramento da classe 1 para classe 2 em vista de pressão da atividade minerária – trecho 61 [córrego dos Doze, do escoamento da represa de Pontal até a confluência com o rio do Peixe]

BAIXO 

RIO PIRACICABA

• alterar o enquadramento de classe 1 para classe 2 em vista de pressão urbana e industrial – trecho 76

Voltando à bacia do rio das Velhas, no atual momento, a Vale também tenta licenciar duas barragens de rejeitos na sub-bacia do ribeirão da Prata (municípios de Rio Acima, Caeté e Raposos), uma das maravilhas da região do Quadrilátero Aquífero e Ferrífero, com cachoeiras maravilhosas, e paisagem muito preservada, conforme se verificará no link acima. Somadas a outras estruturas que a empresa quer instalar nesta bacia, serão enterrados cerca de 800 hectares mata atlântica em estágios primário (sic) e avançado de regeneração. Embora enquadrado como Classe 1, exames físico-químicos em diferentes trechos do ribeirão da Prata demonstram que suas águas têm qualidade compatível com os parâmetros da Classe Especial. Trata-se de um ribeirão que ajuda a amenizar os impactos de afluentes impactados e poluídos do Velhas, além de ser um manancial com potencial para futuro abastecimento da RMBH. A Vale quer minerar toda a cabeceira e afluentes do ribeirão da Prata, assim destruindo a maior área contínua de cangas ferruginosas do Paleogeno (63,5 a 23 milhões de anos atrás), ainda preservadas do Quadrilátero Aquífero e Ferrífero de Minas Gerais.

O ribeirão da Prata compõe o cenário de uma margem direita do Alto Rio das Velhas, onde há predominância de sub-bacias classes 1 e Especial, ao passo que a margem esquerda tem predominância de trechos enquadrados como Classe 2 e está já bastante degradada pela atividade minerária. Para quem quiser entender melhor o significado das classes de enquadramento, sugerimos a leitura da Resolução 357/2005 do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama), especialmente o artigo 4º, que trata do enquadramento de cursos d’água doce.

É preciso reduzir os danos impostos à margem esquerda do alto Velhas e impedir que atividades impactantes se instalem na margem direita, que tem agora a oportunidade única de criação do Parque Nacional da Serra do Gandarela, que protegerá parte dos rios e a quase totalidade das áreas de recarga e dos aquíferos que os alimentam.

Não há desenvolvimento sustentável sem atitudes sustentáveis.

Gustavo Gazzinelli
Movimento pelas Serras e Águas de Minas-MovSAM e Fonasc-CBH

Fonte: EcoDebate, 27/12/2012

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