O vazamento ocorreu no tambor circulado. As setas indicam que o DUA (concentrado de urânio), por sua densidade, assentou no piso e nos roletes.
Por Zoraide Vilasboas.
Articulação Antinuclear Brasileira/MPJ
O Instituto do Meio Ambiente (IBAMA) e a Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) estiveram na mineração de urânio, em Caetité (Bahia), onde foram “conferir” as proporções da tragédia que está sendo chamada de “Mariana subterrânea”, numa alusão ao rompimento da barragem da Samarco, Vale/BHP que, há cerca de um ano, destruiu a bacia do Rio Doce e matou 21 pessoas em Minas Gerais, na maior catástrofe ambiental do país.
Há uma diferença entre Mariana, onde o mar de lama tóxica correu, à vista de todXs, por Minas, Espírito Santo e litoral da Bahia, e Caetité, onde o liquido mortal se espalha pelo subsolo, escondido de todXs! Mas as semelhanças entre as duas desgraças não são meras coincidências: ambas estão envoltas em silêncios e sigilos criminosos; licenciamentos obscuros; omissão e conivência dos órgãos de fiscalização e controle, em todos os níveis; desinformação e desrespeito com as comunidades do entorno da mina e até denúncias de corrupção.
A fábrica que o Programa Nuclear Brasileiro montou em Caetité para concentrar o minério extraído pela Indústrias Nucleares do Brasil (INB) é considerada uma bomba-relógio, desde sua construção pela Odebrecht (“fisgado” pela operação Lava Jato) e empreiteiras terceirizadas. Os fatos, mais uma vez, mostram que a obra correu “solta”, sem o rigor e a fiscalização técnica exigidas para manipulação de produtos de extrema periculosidade, como é o caso do urânio. Isto explica, em parte, os vazamentos em série, de licor ou pó radioativos, ocorridos na unidade de concentrado de urânio da INB, celebrizada pela insegurança técnico-operacional, incompetência, irresponsabilidade gerencial (denunciadas por seus órgãos de controle), inadequação da estrutura da planta industrial e seus obsoletos equipamentos.
Área do entamboramento, minutos após o acidente com vazamentos de DUA. No piso, o detalhe do solado das botas do operário que deixou o local.
(Foto/legenda do IBAMA, 2012)
Como em Mariana, estes crimes estão exaustivamente registrados em documentos oficiais e de movimentos sociais (http://docplayer.com.br/8950844-relatoria-do-direito-humano-ao-meio-ambiente-relatorio-da-missao-caetite-violacoes-de-direitos-humanos-no-ciclo-do-nuclear.html) alertando para as tragédias socioambientais que advêm de atividades perigosas impostas à sociedade pelos processos de exploração dos recursos naturais, em especial de minérios atômicos destinados a gerar energia elétrica num ciclo degradador, contaminador do ambiente e causador de doenças e mortes.
Em abril de 2000, milhões de litros de licor de urânio vazaram para o solo. Em audiência na Câmara dos Deputados, a representante do IBAMA, SANDRA MIANO, declarou: “(…) mandamos uma equipe para lá. As indústrias nucleares demoraram muito tempo a admitir o problema, dificultando nossa averiguação, até que mandamos esvaziar o tanque de licor-1401. (…) (…)Observou-se uma diferença de 5 milhões de metros cúbicos (na verdade 5 mil metros cúbicos, o equivalente a 5 milhões de litros) e houve dúvida sobre onde haveria parado esse volume.(…) (…)Mandamos esvaziar o tanque e abrir a manta. Quando a manta foi aberta, vimos que não havia sido feita a compactação. O projeto executivo que havíamos aprovado não havia sido executado, apesar de qualquer empresa ter de executar um projeto que tenha sido aprovado.(…)”. (http://bd.camara.gov.br/bd/handle/bdcamara/3743)
Com o vazamento de ácido sulfúrico, a base de concreto no limite do tanque sofreu ataque químico. (Foto/legenda do IBAMA, 2012)
Para sua primeira experiência na concentração do minério numa espécie de sal amarelo, uma instalação industrial, ultrapassada, foi montada com erros técnicos primários, como instalações embutidas em paredes, ou no subsolo, de tubos transportadores de ácido sulfúrico, licor de urânio e outros produtos tóxicos. Estes problemas são conhecidos pelos órgãos fiscalizadores da atividade nuclear desde sempre. Documentos oficiais da CNEN e do IBAMA relatam falhas não resolvidas pela INB. Em Nota Pública, em 25 de março/2011, o então presidente da CNEN, Odair Gonçalves, afirmou: (…) “A INB não tem capacidade de produzir os relatórios anuais de monitoração ambiental (não consegue realizar medidas radiométricas). O último é referente ao ano de 2008. Esses relatórios são vitais para a avaliação de impacto ambiental da instalação (…).
(…) Em Julho/2010, foi detectada presença de contaminação, por solvente orgânico, em um poço de monitoração. A INB, por iniciativa própria, realizou uma remediação da área que incluiu a retirada de um volume solo de cerca de 4x4x4 m3, e a remoção do concreto de toda a área para identificação de possíveis infiltrações e recuperação do piso. (…) Ressalta-se, ainda, que o PMA-18 continua apresentando ocorrência de solvente até a presente data, conforme inspeção regulatória de 21 a 24/03/2011, demonstrado que a remediação realizada pela INB não surtiu efeito (…);(…) Ficou evidenciada, também, a contaminação subterrânea de partes da plataforma da USINA, de origem desconhecida e que estão sob investigação (…).
No diagnóstico para a ineficiência da produção da INB, Gonçalves destacou a falta de “um programa de manutenção preventivo, preditivo e corretivo; de análises de dados de amostras coletadas; de cumprimento de critérios de engenharia, segurança nuclear e proteção radiológica e de planejamento estratégico.” (http://jornalggn.com.br/blog/luisnassif/o-caso-cnen-por-sergio-rezende)
Sobre a infiltração, jamais controlada, de ácido sulfúrico no poço de monitoramento (PMA-18), apesar do poço ter sido até concretado, parecer do IBAMA, de 16 de março/2012, anotou: (…) Até o momento não se tem idéia de quando ocorreu a infiltração de solvente orgânico no piso da área AA-330 (onde fica o PMA-18), quando infiltrou e por onde se deu a infiltração (…). (…) Porém, não é só a presença de solvente que chama a atenção neste poço. A concentração de outros elementos e compostos, como cloretos e sulfatos, encontra-se muito acima do background nesta porção da plataforma da usina, sendo indicativo de contaminações ocorridas anteriormente (grifou-se) (…).
Detalhe do comprometimento da base das bombas. A seta indica o grau de deterioração do rejunte dos ladrilhos de porcelana.
(Foto/legenda do IBAMA, 2012)
Agora, contaminantes químicos não extintos antes, emergem à superfície. Cerca de 20 ms que ladeiam um tubo do sistema operacional, na Área 140, estão encharcados de licor de urânio, mostrando que vazamentos “ocultos” deviam estar ocorrendo desde o início das atividades da empresa. Chama a atenção a vinda à tona, agora, desse vazamento pois a empresa está sem operar há cerca de 3 anos, não se tendo idéia do volume que vazou. A equipe técnica da CNEN foi conferir também os resultados de novas análises de amostras de água da região que apontam níveis de radioatividade bem superiores aos “índices toleráveis” pela legislação. Desde 2004, fiscais da CNEN já apontavam as possibilidades de contaminação do lençol freático. Aliás, muito antes, o Estudo de Impacto Ambiental indicava o risco de contaminação das águas superficiais e subterrâneas, entre os prejuízos que a mineradora traria para a região.
As vítimas da mineração, entidades e movimentos sociais e populares, os membros da Articulação Antinuclear Brasileira e da Coalizão por um Brasil Livre de Usinas Nucleares exigem, mais uma vez, o fim do Programa Nuclear Brasileiro e o reconhecimento dos direitos dos atingidos, direta e indiretamente, pela contaminação radioativa, com indenização e assistência integral à saúde. Exigem ainda a reparação imediata dos danos socioambientais de localidades que têm atividades nucleares ou depósito de material radioativo, com a justa indenização de seus habitantes e trabalhadores de instalações atômicas. Apelam também aos Ministérios Públicos Federal e Estadual que investiguem com urgência os velhos e novos delitos socioambientais, que impõem o fim da expansão da mineração de urânio no Brasil.
Fonte: EcoDebate