Por Sabine Ripperger.*
A cada ano, milhares de pessoas cruzam perigosamente o Mar Mediterrâneo na esperança de chegar à Europa para fugir de perseguições, tortura e abusos em seus países de origem. Poucos deles conseguem completar a viagem.
Segundo dados fornecidos pela Anistia Internacional, somente no ano passado 1.500 pessoas morreram ao tentarem cruzar o Mar Mediterrâneo, fugindo da África. “Com sua política de rejeitar refugiados e migrantes que tentam chegar à Europa através do Mediterrâneo, a União Europeia e seus países-membros violam o Direito Internacional dos Refugiados e a Convenção Europeia dos Direitos Humanos”, explica Wolfgang Grenz, secretário-geral da seção alemã da Anistia Internacional, por ocasião do Dia do Refugiado, celebrado na Alemanha nesta quinta-feira (28/09).
Em abril de 2011, aproximadamente 200 pessoas morreram afogadas no Mar Mediterrâneo, após o naufrágio da embarcação onde estavam. Embora as autoridades da Ilha de Malta tenham recebido o aviso de que os navegantes precisavam de ajuda, elas não iniciaram nenhuma ação de resgate. Depois do ocorrido, as autoridades maltesas afirmaram que a embarcação se encontrava mais perto da área de operação italiana. Quando um navio italiano chegou ao local da tragédia, apenas 47 pessoas puderam ser salvas. Uma situação intolerável, salienta Wolfgang Grenz. “Não é possível que pessoas tiveram que morrer porque dois países-membros da UE não entraram em acordo sobre qual deles era responsável pelo resgate”, completa.
Poucas semanas antes da tragédia, ocorrida em abril, 63 outros refugiados haviam perdido suas vidas no Mediterrâneo. Um barco cheio de passageiros ficou sem combustível. A comida se tornou escassa e as pessoas acabaram morrendo de fome e sede. Barcos de pesca e navios da Marinha, que se encontravam nas imediações, não tentaram salvar as vítimas. Isso não pode acontecer outra vez, alerta Grenz. Segundo ele, “os fundamentos do Direito Internacional, como a salvação dos náufragos, precisam ser respeitados ilimitadamente”.
“A Europa é co-responsável”
Günter Burkhardt, diretor da organização de defesa dos direitos humanos Pro Asyl, aponta a indiferença da Europa frente aos refugiados. “A Europa é corresponsável pela morte dessas pessoas”, diz ele. Tanto a Pro Asyl como a Anistia Internacional acusam especialmente Itália, Malta e a Grécia de fracassarem no cumprimento das tarefas estabelecidas nos Contratos da UE. A Itália, por exemplo, expôs refugiados a sérias violações dos direitos humanos ao deportá-los de volta para a Líbia. A Alemanha, por sua vewz, assiste a tudo calada.
Há poucas semanas, no último 8 de setembro, Gergishu Yohannes recebeu o Prêmio dos Direitos Humanos de 2012, concedido pela Fundação Pro Asyl. A jovem, que fugiu da Eritreia quando ainda era criança, empenha-se incansavelmente em prol das vítimas que se encontram fora das fronteiras europeias, para que sejam tratadas com mais justiça. Seu irmão Abel, de 20 anos, foi um entre os 77 náufragos que em 2009 morreram de fome e sede depois de uma odisseia de semanas no Mediterrâneo, sem que ninguém os ajudasse.
Durante três semanas, o barco de borracha, cheio de refugiados, permaneceu à deriva no mar entre a Líbia, a Itália e a Ilha de Malta. Os sobreviventes contam que navios passavam por eles diariamente, sem que ninguém prestasse socorro. Por fim, autoridades maltesas levaram coletes salva-vidas para os últimos cinco sobreviventes e os enviado em direção à Ilha de Lampedusa, na Itália.
Famílias denunciam
Gergishu Yohannes entrou com uma queixa na Itália por causa do socorro negado a seu irmão. Ela contactou também parentes e amigos das outras vítimas da tragédia, fundando um grupo interessado em esclarecer o caso. “Percebemos que tínhamos que fazer algo para nos tornarmos conhecidos e para deixarmos claro que não se pode aceitar isso, pois trata-se de vidas humanas”, completa Yohannes.
Sua queixa, contudo, é tratada com muita morosidade pela Justiça italiana, conta ela. Em Malta, ela sequer conseguiu encontrar um advogado que aceitasse assumir a causa contra as autoridades competentes.
Tanto a Anistia Internacional quanto a Pro Asyl veem de maneira crítica a conduta da Alemanha frente aos refugiados da Síria. Neste contexto, há um abismo entre o discurso e as ações dos políticos alemães. Considerando a situação dramática que se perpetua na Síria, os refugiados deveriam receber um visto permanente. O adiamento da deportação para seis meses mais tarde não dá grantias legais de segurança a esses refugiados, pois “quem é apenas tolerado, não está em segurança”, completa Wolfgang Grenz.
“Pequeno passo à frente”
A Anistia e a Pro Asyl saúdam, por outro lado, a participação alemã no programa de inserção do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), segundo o qual 300 refugiados serão recebidos na Alemanha anualmente, durante os próximos três anos. Os primeiros 200 já chegaram ao país. “É bom que a Alemanha, enfim, participe. Este é um pequeno passo à frente, mas não é suficiente”, diz Grenz. Comparada à Suécia, que recebe 1.800 mil refugiados do programa; ou à Noruega, que assume 1.000, a Alemanha acolhe um número vergonhoso de pessoas.
Segundo a Anistia, a participação da Alemanha no programa de inserção de refugiados da Acnur e o recente veredicto sobre a lei que regulamenta os direitos de quem obtém asilo no país – que assegura às pessoas benefícios capazes de lhes assegurar o mínimo necessário para a sobrevivência – “são os primeiros passos importantes para dar uma perspectiva de segurança aos refugiados no país”. Grenz afirma ter esperanças “de que teremos também na política europeia de refugiados uma mudança em pouco tempo”.