Demos um passo contra a tortura nos presídios, diz ministra

foto Desacato Maria do RosárioAcúmulo de lixo, rede de esgoto precária, fiações elétricas inadequadas, suspensão de refeições, intimidação por arma de fogo, superlotação. O primeiro relatório anual do Comitê de Combate à Tortura no Rio de Janeiro, feito em 2012 , é apenas uma amostra da situação de 50 presídios do estado. Em um país onde mais de meio milhão de pessoas estão encarceradas – 40% delas ainda à espera de julgamento – a dimensão exata da prática de tortura, seja ela física, coercitiva ou verbal, é ainda uma incógnita aos grupos de direitos humanos. Uma das razões é o fato de que, em boa parte dos estados, os presídios são lugares inacessíveis à atuação das entidades de direitos humanos, apesar das séries de denúncias de violações contra o Brasil na Organização dos Estados Americanos (OEA) em razão da situação precária do sistema prisional.

“Ao longo dos últimos 20 anos nós ultrapassamos todos os limites em termos de encarceramento no Brasil”, diz a ministra dos Direitos Humanos, Maria do Rosário, em entrevista a CartaCapital.

A ministra está prestes a assumir a presidência do Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, órgão criado a partir de uma lei sancionada em agosto que prevê a fiscalização permanente dos presídios no País. O comitê será composto por 23 integrantes, escolhidos pela presidenta Dilma Rousseff entre representantes do Executivo e da sociedade civil.

O grupo orientará o trabalho de 11 peritos que, a partir de agora, terão livre acesso, sem necessidade de aviso prévio, a centros de detenção, estabelecimentos penais, hospitais psiquiátricos, instituições de longa permanência para idosos, instituições socioeducativas para adolescentes e centros militares de detenção disciplinar. A instalação do sistema faz parte de um compromisso assumido em 2006 pelo País com a ONU.

Rosário aposta que, com as visitas dos peritos, os casos de tortura, que hoje só ganham visibilidade tempos depois de denunciados, seriam coibidos. Ela cita o caso recente de agressão praticada contra internos da Fundação Casa, em São Paulo, que só foi apurada após reportagem do Fantástico.

“Muitas pessoas fazem denúncias, mas elas não sabem como coletar uma prova. Os técnicos peritos fazem todo o procedimento para que as provas tenham um valor jurídico”, afirma.

O desafio, a longo prazo, é mensurar os casos de tortura e obter punição “exemplar” aos agentes públicos. O sistema, afirma a ministra, permitirá a constituição de uma base de dados com informações detalhadas a respeito dessas instituições hoje fechadas.

Apesar de ser considerado um avanço, o projeto é visto com ressalvas por grupos de direitos humanos ouvidos pela reportagem. Segundo Carlos Gilberto Pereira, conselheiro do Movimento Nacional dos Direitos Humanos, a nova lei será inócua enquanto não houver pressão da opinião pública para obrigar as instituições a abrirem as portas para a fiscalização. “Primeiro, é preciso tirar a tortura da clandestinidade”, diz Pereira. Segundo ele, a sociedade brasileira ainda não assumiu que a tortura existe e é prática institucionalizada em algumas instâncias. “A Justiça faz relatórios, a Anistia sempre faz relatórios. Só fazer relatório é constatar o óbvio.”

O estudante de Direito Felipe Napolitano Marotta e membro do Portal do Cárcere Cidadão, faz campanha pelo cárcere humanizado, pede atenção sobre o trabalho dos comitês estaduais, que, segundo a lei, devem atuar em parceria com a secretaria. “Os diretores de presídio tem relação com o poder estadual. Então, se o conselho também tiver a mesma relação ao mesmo poder, talvez se crie um contexto onde é mais difícil impedir a atuação dos peritos”. Ele critica também o número de peritos que serão responsáveis pelos trabalhos. “O número de peritos que temos atualmente é muito reduzido. É um entrave. Primeiro, pelo número de presos. Nomear 11 pessoas é muito pouco.”

A regra de atuação dos órgãos estaduais será definida em um decreto que será exposto à presidenta Dilma Rousseff até o final deste ano. Os comitês devem começar a atuar em seguida. Segundo Maria do Rosário, o objetivo é que, a longo prazo, o país consiga mudar a mentalidade de que a segregação, a partir do cárcere, é o único caminho para a responsabilização do crime. “O Sistema Nacional de Combate à Tortura é um passo nessa direção”, finaliza.

Foto: Fábio Rodrigues Pozzebom/ABr

Fonte: Carta Capital

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