Por Raul Fitipaldi, para Desacato.info.
As mídias chamadas de independentes ou alternativas, termos que vão se tornando discutíveis com o passar dos anos, têm dificuldades crônicas para manter-se em funcionamento. E não há um único problema que explique isso. Há problemas que delas não dependem, outros sim. Esses problemas, que por um lado são econômicos e estruturais, e outros relativos à compreensão do papel e do que se entende por Direito Humano à Comunicação, não podem superá-los em um cenário que precisa ser mudado o mais rapidamente possível. Enquanto isso seguiremos falando de “mídias excluídas’.
Sem a federação, os estados e os municípios garantir o tratamento igualitário no direito a informar e ser informado por outras vias que as tradicionais, a assimetria entre o poder de comunicar das mídias excluídas com relação aos monopólios da comunicação é absurda. Não se trata de que as mídias excluídas, devidamente registradas nas juntas comerciais, que pagam seus impostos em dia, que cumprem com suas obrigações trabalhistas, recebam o mesmo que as mídias monopólicas, em função da audiência, que de fato é ínfima quando comparada com a mídia tradicional. Trata-se, porém, de que possam começar a competir com elas. Um centavo para uma mídia excluída vale o que para a grande mídia um milhão. E a mídia tradicional sabe disso.
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Não deve a mídia excluída mendigar o que lhe é de direito, sua pequena fatia do bolo. Nada mais legítimo já que a federação, os estados e os municípios têm alimentado desde sempre os monopólios midiáticos. Foi o Estado que contribui decisivamente para que os monopólios se transformassem nos gigantes da comunicação que hoje temos e sofremos. Foi o estado que permitiu que participassem de ditaduras, que construíssem a “opinião publicada” falsificando a opinião pública. É o Estado que continua sendo incapaz de discutir as concessões públicas de televisão e rádio no Brasil. Os bilhões e bilhões de reais que tem recebido essa mídia monopólica é um dos fatores mais prejudiciais para a democracia brasileira, e o mais prejudicial para a Democratização da Comunicação.
Enquanto isso as mídias excluídas sobrevivem de forma humilhante em vários aspectos. Sem dinheiro não podem produzir jornalismo com a qualidade devida e vários gêneros da profissão ficam de fora por falta de estrutura mínima. De forma humilhante precisam de rifas, Pix, eventos, empréstimos, para sobreviver. As mais estruturadas dependem economicamente das organizações da classe trabalhadora das quais recebem quantias que também não resolvem o problema de ter que enfrentar os monopólios sem as ferramentas necessárias. O Estado, de costas ao problema, sabe disso mas tem interesses e medos que perpetuam a situação.
Por outro lado, as mídias excluídas foram se acostumando e vitimizando-se em uma zona de conforto perigosa na qual a falta de tudo se torna uma virtude. Há um perfil heroico nisso tudo que precisa desaparecer. Ninguém precisa que passem a mão na cabecinha da mídia excluída, o que se necessita é que se outorguem a ela os direitos privados e públicos que lhe correspondem. Não é com palmas, homenagens, até muito bem-vindas se houver motivos, que se resolve o problema das mídias excluídas, é com direitos e acesso ao dinheiro público.
As mídias excluídas criam fontes de emprego, informam sobre setores e lugares que não interessam à grande mídia, garantem outro olhar sobre o país, outro perfil de notícias e reflexões, outros focos de pesquisa, outra linguagem direcionada aos setores expulsos da mídia tradicional. Uma tarefa imensa que não pode depender só da solidariedade de leitores e leitoras empobrecidas na última década do país.
A solidariedade é bem-vinda e muito contribui mas não consegue resolver os problemas estruturais: salas de redação, sedes administrativas, estúdios, veículos, equipamentos de comunicação. A pura sobrevivência não permite o enfrentamento e só garante um estado democraticamente injusto perpetuando-se em benefício das elites que a mídia conservadora representa, e claro, em benefício dela própria.
A federação, os estados e os municípios são responsáveis pela mudança necessária que permita às atuais mídias excluídas ocupar o lugar que lhes é de direito. A elas cumpre o dever de pressionar para que isso aconteça. Democratizar a Comunicação é melhorar em muito a qualidade da democracia.
Edição, Arte e Publicação: Tali Feld Gleiser
Raul Fitipaldi é jornalista e cofundador do Portal Desacato e da Cooperativa Comunicacional Sul.