Por Ana Livia Esteves.
O presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, adiou indefinidamente as eleições palestinas, gerando dúvidas quanto à continuidade do diálogo entre os principais grupos políticos do território ocupado.
No dia 30 de abril, o presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, anunciou o adiamento indefinido das primeiras eleições palestinas em 15 anos.
De acordo com Abbas, as eleições não podem ser realizadas até que Israel permita a organização do pleito em Jerusalém Oriental.
“Decidimos adiar as eleições legislativas até que a participação dos [residentes palestinos] de Jerusalém seja garantida”, disse Abbas em declaração.
Após meses de negociações entre os grupos palestinos, eleições haviam sido marcadas para os dias 22 de maio e 31 de julho, pela primeira vez desde 2006.
O grupo Hamas, que governa a Faixa de Gaza e participaria do pleito, condenou a decisão de Abbas, classificando-a de violação dos acordos intrapalestinos firmados na capital do Egito, Cairo.
“O movimento Hamas acredita que a decisão do presidente de adiar as eleições é incompatível com o consenso nacional e com o apoio popular. E vai contra o que nós tínhamos acordado no Cairo”, declarou o grupo em declaração.
A decisão de Abbas foi uma surpresa para muitos analistas, que não esperavam uma quebra no calendário previsto.
“Jerusalém Oriental está sob ocupação e a densidade eleitoral dessa região é tão grande quanto das maiores cidades da Cisjordânia ou Gaza”, disse professor de Relações Internacionais e colunista do Monitor do Oriente Médio, Bruno Beaklini, à Sputnik Brasil. “É como fazer eleições [no Brasil] sem São Paulo.”
Ao cancelar as eleições, Mahmoud Abbas parece capitular às dificuldades impostas por Israel para a organização das eleições.
“Infelizmente, parece que Israel impôs as condições”, disse Beaklini. “Mas não foi só isso.”
Segundo o comentarista, adiamento “pode ser uma tentativa de preservar um nível de unidade atingido agora entre os grupos palestinos, que é o melhor desde 2007”.
Internamente, no entanto, as forças palestinas encontram-se bastante fraturadas, quadro que poderia ser agravado nas eleições gerais.
“Quando fechou o sistema eleitoral, haviam sido apresentadas nada menos do que 36 listas [de candidatos], para uma população que, se somarmos os refugiados, atinge somente 13 milhões”, notou Beaklini.
Além disso, pode haver uma vontade de manter a coesão de movimentos de contestação em Jerusalém Oriental.
“Há um esforço para manter a coordenação desse front finalmente unificado que é Jerusalém Oriental, com palestinos lutando juntos no movimento de rua”, relatou o especialista.
A região vive “uma situação do imponderável, que é a massificação dos protestos para além da liderança consolidada”.
Por outro lado, o especialista acredita que, militarmente, a resistência palestina vive um de seus melhores momentos.
“Para quem acompanha os acontecimentos na região, a resistência palestina vive uma espécie de renascimento”, disse Beaklini. “Há uma capacidade militar mais aprimorada, que força Tel Aviv a fazer um novo tipo de cálculo.”
Nesse contexto positivo, seria produtivo que as autoridades palestinas criassem um “organismo político unificado”, acredita Beaklini.
“Eu diria que o problema maior não é o adiamento [das eleições] em si, mas, sim, a ausência de um governo de salvação nacional”, notou o especialista.
Papel dos EUA
Externamente, as autoridades palestinas podem contar com o apoio dos EUA na realização das eleições em Jerusalém Oriental.
Para Beaklini, “os governos democratas […] preferem manter uma imagem pública de governo que apoia a estabilidade […] e que apoia as agendas do século XXI”.
“Toda aparência de normalização no Oriente Médio é positiva para o governo Biden”, disse o especialista.
A pressão norte-americana por eleições nos territórios palestinos, no entanto, pode não ser suficiente para convencer o governo israelense a permitir a organização do pleito em Jerusalém Oriental.
“Por mais que Israel dependa do orçamento dos EUA, o país não segue as orientações norte-americanas na política regional”, destacou Beaklini. “Depende financeiramente de Washington, mas não politicamente. E tem um fôlego militar para fazer muita coisa.”
A repercussão internacional da decisão foi muito menor do que a esperada e, por enquanto, a decisão de Abbas inviabiliza a realização das eleições palestinas no curto prazo.
Apesar das dificuldades, “demandar uma democracia plena em um país ocupado pode ser um tanto absurdo”, concluiu Beaklini.No dia 30 de abril, o presidente da Autoridade Palestina adiou indefinidamente as eleições gerais palestinas, previstas para serem celebradas entre maio e junho deste ano.