Demarcar territórios, a nova luta infantil na UFSC

    Por Helio Rodak de Quadros Junior.

    bandeiraAo fim da assembleia da ocupação de ontem, onde a proposta era avaliar a carta da negociação da Reitoria, eu desabafei com uma amiga: “eu mesmo vou tirar aquela bandeira vermelha dali, a ocupação não merece mais usar essa bandeira”. Ter conseguido uma reunião de negociação com a reitoria, com direito a uma carta escrita em tempo recorde, e ter ficado mais de 2 horas debatendo sem método, chegando à conclusão de que não havia como deliberar sobre aquilo, adotando-se justificativas como uma festa… fez-me sentir “sem chão” em ter ficado ali até as 2 horas da manhã de hoje. Qual é de fato o horizonte dessa ocupação? Pelo que essas pessoas irão lutar quando se esgotar esse mecanismo de pressão que já se consome internamente, entre suas brigas internas, disputas de forças políticas, tons de voz elevados entre os próprios camaradas? Poderia falar das condições do próprio espaço físico e sua paulatina perda de salubridade para os que estão ali dentro, mas penso que cada um que ali dorme já se dá conta disso pelo que diz o próprio corpo na qualidade do sono, da alimentação, do stress, etc.

    De outro lado, enquanto a ocupação paulatinamente definha-se em suas disputas internas, uma fúria sem precedentes é verbalizada contra essa mesma ocupação, acusada de “antro de maconheiros”, “lesa pátria”, “criminosos”, “estudantes profissionais”, etc. Organiza-se a chamada de um ato que ontem à noite já passava de 1 mil confirmados no facebook (Já chega de baderna! Policiamento já!), e constituída por outro ponto de vista igualmente infantil:

    Nós, verdadeira maioria dos estudantes da UFSC, queremos:

    – O hasteamento imediato da BANDEIRA BRASILEIRA para seu devido lugar;
    – A polícia ATUANDO junto a segurança da UFSC;
    – Uma BASE POLICIAL, visto que a UFSC tem mais de 40 mil pessoas em sua comunidade (maior que 70% dos municípios de SC);
    – Apuração das responsabilidades administrativas, criminais e acadêmicas sobre os integrantes da comunidade universitária que ajudaram a depredar o nosso patrimônio público;
    – Compromisso da Reitoria de que, quando necessário, reforce solicitação às autoridades policiais competentes, visando identificar e punir infrações ou crimes ocorridos no campus e arredores; e
    – A iminente desocupação da reitoria para que o fluxo administrativo desta, ocorra normalmente.

    ASSINADO: VERDADEIRA MAIORIA ESTUDANTIL DA UFSC.

    Tomada por uma espécie de “marofa midiática”, parece que grande parte dessa universidade mergulharia agora em uma batalha maniqueísta entre o bem e omal, onde “heróis” estariam a zelar por seu destino, seja para erguer a bandeira “verde e amarela” ou “vermelha”, todavia, apenas bandeiras, um discurso que só tem como horizonte a sua auto afirmação no espaço pela linguagem: “demarcamos nosso território”. Todavia, ao se adjetivar o CFH ou o CTC pelos seus respectivos rótulos, tradicionalmente praticados dentro da corporação docente, não se rompe em nada o “regime de feudos” constituído dentro dessa universidade, apenas o reafirma em novo grau, em novos espaços. Misérias brasileiras como a dependência tecnológica (que nos obriga a pagar caro pelo know-howestrangeiro) ou o nosso pensamento colonial (que se limita a reproduzir os manuais estrangeiros) continuam intactas. A dinâmica da universidade como espaço de formação de profissionais autômatos (que seguem ordens sem pensar o porquê) segue metodicamente, como se pode ver nas multidões que formam suas opiniões sem um mínimo de curiosidade “será que foi isso mesmo que aconteceu?”. Chovem ‘soluções’ nas redes sociais, mas incapazes de equacionar os problemas:

    1. Onde estavam os policiais na hora do flagrante?
    2. O que foi o ato do flagrante exatamente? Cigarros na mochila? Cigarros compartilhados?
    3. O que portava de fato o rapaz detido na caminhonete?
    4. Qual foi a ordem cronológica dos fatos?
    5. Quais foram as autorizações da UFSC à PF naquele dia?
    6. Por que uma corporação tão bem treinada em logística como a PF adotaria rota que passasse perto de uma escola infantil?
    7. Onde estava a Reitoria naquele momento?
    8. Quais as ordens que foram dadas de Brasília naquela hora?

    O episódio de terça-feira serviu para mostrar como temos sido uma universidade de excelência na formação desse pensamento imediatista que formula e muda de conclusões na velocidade da internet. Não se percebe que é um equívoco tomar aqueles que reprovam a ação da polícias na última terça como se automaticamente aprovassem os rumos dados à ocupação, ainda mais nesse clima acirramento de conflitos e confrontos internos. Na mesma direção, a suposição de que os contrários à ocupação pretendam dar uma “carta branca” às polícias, como se aqueles abusos fossem normais, ou que seu mais sincero e profundo desejo é agarrar uma bandeira. Igualmente estúpida é a tese de que esses movimentos tratar-se-iam de maioria num universo de 40 mil pessoas.

    O que se espera de membros de uma universidade é a capacidade de se formular os grandes debates com a sociedade, como a questão militar de nossa polícia, a política anti-drogas, a autonomia universitária… num cenário onde se possam colocar os mais diversos pontos de vista para literalmente “fechar o pau em alto nível”, e não só aqui dentro, mas nos diversos espaços que existem especialmente fora da universidade (escolas, associações de moradores, centros comunitários, empresas, sindicatos, partidos, igrejas, praças…). Limitar essa disputa ampla a uma briga de gangues por demarcação de espaços, bandeiras, posições… seria como regressar nossa atitude de universitários a cachorros que mijam em postes para dizer onde é o seu território.

    Fonte: Cadernos Políticos.

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