Publicado originalmente no ConJur:
O procurador Deltan Dallagnol, ex-coordenador da “lava jato” em Curitiba, antecipou a Sergio Moro o conteúdo de uma denúncia contra Lula com meses de antecedência. Parte do diálogo já era conhecida, mas o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, disponibilizou trecho mais detalhado ao proferir voto no processo que garantiu à defesa de Lula acesso às mensagens que foram hackeadas dos celulares de procuradores e de Moro.
A conversa entre integrante do órgão acusador e juiz aconteceu em 23 de fevereiro de 2016, enquanto a denúncia foi ofertada em 14 de setembro do mesmo ano, durante a conhecida coletiva em que Dallagnol apresentou parte das acusações em um PowerPoint.
Moro pergunta ao procurador se o MPF acredita ter “uma denúncia sólida o suficiente” contra Lula. Na sequência, Dallagnol passa a relatar os principais pontos da peça que acusaria o ex-presidente de ser chefe de organização criminosa. “Estamos trabalhando no acordo do Pedro Correa, pq este dirá que Lula sabia das propinas via PRC [Paulo Roberto Costa, ex-diretor da Petrobras]. Ele era o líder máximo. Na outra ponta, destino dos valores que aportavam na LILS [empresa de palestras de Lula] e IL [Instituto Lula] ia também para pessoas do partido. E mais algumas coisinhas, em descrição do antecedente”, diz o procurador.
“Eu, particularmente, creio que está suficientemente forte, inclusive considerando as circunstâncias de ser ex-presidente”, diz também Dallagnol, narrando uma série de outros detalhes (veja íntegra do voto de Gilmar com o trecho completo abaixo).
Ao votar, Gilmar comentou a antecipação. “Chama a atenção o fato de o referido diálogo ter ocorrido em 23 de fevereiro de 2016 e uma denúncia contra o reclamante só ter sido devidamente ofertada ao juiz na data de 14 de setembro de 2016, ou seja, quase sete meses após a conversa em que o procurador antecipou ao juiz os fundamentos da peça acusatória”, disse.
Esta não foi a primeira vez em que o ex-chefe da “Lava Jato” no Paraná antecipou o conteúdo de uma manifestação ao então juiz Moro. Semanas antes, o magistrado cobrou do MPF uma manifestação envolvendo um Habeas Corpus protocolado pela Odebrecht.
“Estou acabando, mas vai passar por outros colegas. Protocolamos amanhã, salvo se for importante que seja hoje. Posso mandar, se preferir, versão atual por aqui, para facilitar preparo de decisão”, disse Dallagnol em resposta à solicitação de Moro.
Para Gilmar, a prática de “antecipar o conteúdo de manifestações técnicas ao juiz da Lava Jato fora dos autos fazia parte da rotina do conluio”. “O magistrado — que ocupava verdadeira posição de revisor técnico das peças do MPF — parecia chancelar as peças mesmo quando o processo já havia saído da sua jurisdição”, complementa.