Por Sam Biddle.
Já não havia mais por que se ter uma conta do Yahoo nos dias de hoje. Mas depois da reportagem bombástica publicada pela Reuters na terça-feira, indicando que a enorme empresa de internet desenvolveu um serviço personalizado de grampos de e-mail para o governo dos EUA, sabemos que contas do Yahoo representam um risco nocivo à privacidade de cada um.
O repórter Joseph Menn, da Reuters, contou que, apenas no ano passado, optou por cooperar com uma “diretiva” para desenvolver um “programa de software personalizado para pesquisar todos os e-mails recebidos de seus clientes em busca de informações específicas, fornecidas por agentes de inteligência dos EUA — a NSA, em específico.
Ainda não é sabido o que eram — ou são — essas “informações específicas”, mas parece que a decisão da CEO do Yahoo, Marissa Mayer, de não sequer questionar a solicitação extremamente abrangente culminou com a saída do então Chefe de Segurança de Informações da empresa, Alex Stamos, atual chefe de segurança no Facebook.
Em mensagem direta por Twitter, Stamos contou ao The Intercept que “não comentaria nada a respeito do Yahoo”. Ao ser questionado se o Facebook havia recebido uma diretiva semelhante do governo, Stamos respondeu que “enviaria a pergunta para a equipe de comunicação do Facebook”.
Um porta-voz do Facebook contou ao The Intercept que o “Facebook nunca recebeu uma solicitação como a descrita nas reportagens de nenhum governo, e se houvéssemos recebido, a questionaríamos”.
Ainda não foi esclarecido a espécie de diretiva recebida, mas de acordo com Andrew Crocker, advogado da Electronic Frontier Foundation, é muito provável que tenha sido usada a Seção 702 da Lei de Vigilância de Inteligência Estrangeira (FISA – Foreign Intelligence Surveillance Act), que permite a coleta de comunicações em massa tendo como objeto de investigação um indivíduo estrangeiro.
O programa, porém, parece não ter tido nenhum alvo fora dos EUA. Pelo contrário, literalmente, todas os usuários com contas de e-mail do Yahoo parecem terem sido colocados sob vigilância, independente de suas cidadanias.
Crocker acrescentou que o programa do Yahoo aparenta ser “de certa forma, mais problemático e abrangente” do que os programas de vigilância da NSA revelados nos últimos anos, como os programas de coleta de dados PRISM e Upstream. “É difícil pensar em uma interpretação” da reportagem da Reuters, explicou, “que não signifique que o Yahoo está sendo solicitada a varrer todas as comunicações nacionais sem mandado” ou motivos plausíveis.
“As consequências para a Quarta Emenda da Constituição dos EUA são estarrecedoras”, contou Crocker.
O programa do Yahoo, conforme descrito, também difere das coletas federais de dados pois a varredura ocorre em tempo real, à medida que as mensagens chegam à caixa de entrada do usuário, em vez de ser conduzida em um arquivo de comunicações armazenadas.
O fato de que todas as contas de e-mail do Yahoo foram sujeitadas a esse tipo de vigilância parece não estar refletido nas figuras do relatório de transparência do Yahoo, que alega a existência de grampos em menos de 20 mil contas por ordem do governo americano. Também parece contradizer o cerne de duas citações do site de transparência do Yahoo, onde o Conselheiro Geral da empresa, Ron Bell, diz: “Lutamos contra quaisquer pedidos que consideremos obscuros, impróprios, ultra-abrangentes ou ilícitos”. E Mayer diz: “Trabalhamos duro por muitos anos para ganhar a confiança de nossos usuários e lutaremos para preservá-la”.
A reportagem da Reuters tem como fonte “dois ex-funcionários e uma terceira pessoa com informações sobre o ocorrido”, em vez de agentes do governo — o que aumenta a possibilidade de que pedidos semelhantes tenham sido enviados para outros grandes provedores de serviço.
Um porta-voz da Apple disse que “nunca recebemos um pedido desse tipo”, e que “se recebêssemos um, nos oporíamos a ele na justiça”. O porta-voz também indicou uma seção de uma carta aberta recente do CEO Tim Cook, que disse ainda ser válida:
“Por fim, gostaria de deixar absolutamente claro que nunca trabalhamos com nenhuma agência do governo de nenhum país para criar uma ‘porta dos fundos’ para nenhum de nossos produtos ou serviços. Além de nunca termos permitido acesso a nossos servidores. E nunca faremos isso.”
Um porta-voz do Google nos enviou a seguinte nota de esclarecimento: “Nunca recebemos tal pedido, mas se recebêssemos, nossa resposta seria simples: ‘de jeito nenhum’.” Mais tarde, o porta-voz esclareceu que a empresa também não recebeu nenhuma “diretiva” ou “pedido” desse efeito.
“Nunca nos envolvemos na varredura secreta de nossos tráfego de e-mails, como foi descrito pelo Yahoo hoje”, confirmou um porta-voz da Microsoft através de nota. O porta-voz preferiu não comentar se a empresa já recebeu esse pedido no passado.
Questionado quanto à possibilidade do Twitter ter recebido uma diretiva do gênero focando seu sistema de mensagens, Nu Wexler, chefe de políticas públicas de comunicação da empresa, respondeu que a lei federal proíbe que respondamos a pergunta, e estamos processando o Departamento de Justiça para podermos revelar mais informações sobre pedidos do governo”. O Twitter entrou com uma ação judicial em 2014.
Em outra declaração, Wexler esclareceu:
“Nunca recebemos um pedido como esse, e se recebêssemos, nós o questionaríamos na justiça. Paralelamente, como a lei federal proíbe que empresas possam compartilhar informações sobre certos tipos de pedidos relacionados à segurança nacional, estamos processando o Departamento de Justiça para podermos revelar mais informações sobre os pedidos do governo.”
O Yahoo publicou uma declaração. “O Yahoo é uma empresa que respeita e segue as leis dos EUA.”
Patrick Tomey, advogado da União Americana pelas Liberdades Civis, disse em nota que “o pedido enviado ao Yahoo parece não ter precedentes e ser inconstitucional. O governo parece ter convencido o Yahoo a conduzir exatamente o tipo de busca abrangente e sem suspeita que a Quarta Emenda se propunha a proibir”.
E acrescentou: “É profundamente decepcionante que o Yahoo tenha se recusado a questionar um pedido de vigilância tão amplo, já que clientes contam com empresas de tecnologia enfrentem na justiça novas demandas de espionagem.”
Veja aqui como deletar sua conta do Yahoo.
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