Delegado que investigava ataque à caravana de Lula é afastado

Wilkinson Arruda acabou punido por criticar a política de segurança do Paraná e tratar o caso como tentativa de homicídio

Caravana de Lula pelo Sul, Paraná. Foto: Daniel Teixeira / Estadão Conteúdo

Por René Ruschel.

No episódio do atentado à caravana do ex-presidente Lula em Laranjeiras do Sul, interior do Paraná, rápidas só as opiniões a respeito. Dois dias após os ataques a tiros, o governador do estado, o tucano Beto Richa, apressou-se em negar a negligência da polícia local. “Parece que foi uma coisa muito localizada”, declarou a jornalistas.

Foi uma tentativa de responder ao delegado Wilkinson Fabiano Oliveira de Arruda, plantonista no dia dos ataques e afastado do comando do inquérito em tempo recorde. Arruda acabou punido por criticar a política de segurança do estado e ter optado por tratar o caso como tentativa de homicídio.

O governador, que deixou o cargo na sexta-feira 6 para se candidatar ao Senado, chamou o delegado de “mentiroso” e insinuou que Arruda agia por pendores políticos: “Sempre tem os esquerdopatas no meio do funcionalismo”. Sobre os tiros, minimizou: “Não tem como controlar”.

Com o afastamento de Arruda, o inquérito foi transferido para Helder Lauria, chefe da Subdivisão de Polícia de Laranjeiras do Sul. Ao assumir, Lauria tratou de garantir em entrevista à Rede Globo que o caso seria tratado como disparo de arma de fogo e danos. “As declarações de Arruda foram superficiais e não condizem com a realidade.” Os chamados crimes por disparo de arma de fogo e danos, de menor potencial ofensivo, preveem penas menores se comparados à tentativa de homicídio.

Ao ser informado da substituição, Arruda desabafou. “Retirar a investigação da minha mão fere o critério de distribuição dos inquéritos. Assume o inquérito o delegado que estiver de plantão na semana e esta semana quem está de plantão sou eu.”

A respeito do caráter político da interferência, foi taxativo: “É claro que tem razões políticas. Não gostaram das declarações que dei sobre como vejo o crime. Foi uma tentativa de homicídio. Por quê? Porque estamos diante do que se chama dolo alternativo. Quem atira contra um ônibus está querendo matar alguém. Não estou dizendo que era para matar o Lula. Mas quem faz isso, atirar em um ônibus, quer, sim, matar alguém”.

Foi além. “Dizem que o PT pode usar politicamente a declaração de que foi tentativa de homicídio. Pode, assim como o PSDB também pode usar essa ocorrência de maneira política. Para mim, desqualificar o crime tirando a evidente característica de tentativa de homicídio, é politizar. Estou dizendo que, se na caravana, em vez do Lula estivesse o papa Francisco, a Xuxa ou pipoqueiro, eu trataria da mesma forma: tentativa de homicídio. Por que com o Lula tem de ser diferente?”, questionou.

Menos de 24 horas após as declarações, Arruda amenizou o tom. Em nota à imprensa, assinado em papel timbrado do Sindicato dos Delegados de Polícia do Estado do Paraná, afirmou não ter sido “em nenhum momento afastado de suas funções ou sofreu qualquer retaliação por parte da Polícia Civil ou outros órgãos governamentais, em razão do enquadramento legal dado ao caso”.

Em entrevista a CartaCapital, Arruda reiterou, porém, não ter mudado de opinião. “Continuo pensando da mesma maneira.” Os ataques, afirmou, foram uma tentativa de homicídio. “O colega que assumiu o inquérito entende de modo diferente. Eu respeito, mas não concordo.” Em relação às críticas e ofensas proferidas por Richa, que o chamou de “esquerdopata” e “mentiroso”, declarou:  “Acionei o corpo jurídico da nossa associação para as medidas cabíveis”.

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Não é difícil chegar aos autores e mandantes dos disparos. Basta investigar as mensagens de ódio difundidas pelas redes sociais. Foto: Christian Rizzi/AFP

Passados pouco mais de uma semana do atentado, o inquérito policial prossegue em ritmo lento. O governo estadual não se pronuncia sobre o caso. O delegado titular também evita falar do assunto. Em nota oficial, o Centro de Operações Policiais Especiais informou que duas equipes da unidade estão em Laranjeiras do Sul para apoiar as investigações e o laudo pericial deve ficar pronto nos próximos dias.

O coletivo Advogadas e Advogados pela Democracia encaminhou ao Ministério Público do Paraná uma notícia-crime na qual identifica e denuncia dezenas de suspeitos de participação no atentado. Segundo a advogada Tânia Mandarino, a ideia inicial do coletivo era, a partir das primeiras manifestações ocorridas no Rio Grande do Sul e Santa Catarina, garantir que o ato final, programado para o dia 28, em Curitiba, ocorresse em clima de paz.

Dois dias antes do encerramento da caravana no Sul, o coletivo havia solicitado a seguidores nas redes sociais que denunciassem incentivos à violência. O grupo recebeu mais de cem e-mails, entre eles mensagens do grupo Caravana Contra Lula, que relata detalhes do planejamento de um ataque.

“Tratavam da compra de armas e ‘miguelitos’ (grampos e pregos utilizados para furar pneus de veículos)”, relata Mandarino. O material foi entregue na quarta-feira 28, data do encerramento da caravana, a Olympio Sotto Mayor Neto, coordenador do Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Justiça de Proteção aos Direitos Humanos.

Sotto Mayor Neto encaminhou o documento ao procurador-geral de Justiça do Ministério Público do Paraná, Ivonei Sfogia, que, por sua vez, designou o promotor da comarca de Quedas do Iguaçu, Ricardo Scartezini Marques, para acompanhar o inquérito policial. Não é comum o MP fazer esse tipo de acompanhamento. Neste caso, a evidência dos fatos e a demonstração dos atos de violência provocaram a medida.

A importância da representação dos advogados é permitir a identificação de quem fez ou compartilhou ameaças. Nos grupos de WhatsApp, fica fácil capturar o número do telefone dos indiciados. A partir dessas evidências, diz Sotto Mayor, é possível detectar, sob o aspecto Penal, situações claras e evidentes de incitação à prática e apologia de crime. Ou seja, apurar se o atentado foi uma tentativa de homicídio, como afirmou o delegado afastado, ou disparo de arma de fogo com dano provocado, como defende o novo titular.

É preciso, afirma o promotor, uma apuração rigorosa dos fatos. A violência, afirmou, parece ter saído da realidade virtual, das redes sociais, para tomar as ruas e, agora, as estradas. Se vivíamos um enorme retrocesso na perspectiva de implementação de políticas públicas de direitos humanos, no congelamento de investimento público em saúde e educação, corremos o risco de viver um retrocesso no processo civilizatório a ponto de se se pretender instalar a barbárie no País.

“O que se viu não foi uma mera manifestação popular, mas o exercício de práticas criminosas. Neste caso, para coibir tais situações, é preciso identificar o que as redes sociais estão produzindo e atuar com rigor contra os que fazem apologia do crime e da violência.”

Caso não sejam tomadas medidas adequadas no curto prazo, alerta Sotto Mayor, atos semelhantes poderão ocorrer durante o processo eleitoral deste ano. “O direito à liberdade de expressão, de manifestação, faz parte do processo democrático. Se nada for feito, novos atentados poderão certamente ocorrerão. A violência é um processo crescente. Começou com ovos, pedras, o incentivo à chibata e culminou com balas.”

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