A cada chuva um pouco mais forte, os moradores da Servidão Cassiano Gregório Flor, na Praia dos Ingleses, entram em pânico. Correm a fazer barricadas com sacos de areia ou travas de madeira ao rés do chão na entrada de suas residências para tentar evitar inundações. Muitos perderam tudo o que tinham em casa, alguns mais de uma vez. E uma moradora decidiu abandonar sua residência e se mudar para o município de Palhoça. Pelo menos desde 2013, o problema se repete continuamente sem que se tenha alguma providência tomada por parte do poder público municipal. Por este motivo, a 21ª Defensoria Pública da Capital, por meio do defensor público Marcelo Scherer da Silva, propôs um ação civil pública com pedido de tutela de evidência contra o município de Florianópolis.
Em abril do ano passado, Raquel Odete de Oliveira, que mora nos fundos do número 740 da servidão, bem próximo à Igreja do Capivari, esteve na Defensoria Pública de Santa Catarina para pedir ajuda na solução do problema das constantes inundações. Em 2015, ela perdeu tudo o que tinha em casa, móveis, eletrodomésticos e até mesmo documentos. “Moro aqui há 42 anos, e nos últimos tempos a situação piorou muito. A gente é obrigada a fechar a rua quando chove muito, porque senão os carros passam e jogam mais água para dentro de casa. Minha irmã que mora na casa da frente precisou fazer uma mureta no pátio. Tudo piorou depois que fizeram o calçamento na rua do lado (Servidão Valdevino Marques da Natividade) e tamparam o rio. Não tem escoamento. A Prefeitura vem prometendo fazer a drenagem há nove anos”, reclamou ela.
Raquel foi atendida inicialmente pelo defensor público Marcel Mangili Laurindo, da 13ª Defensoria Pública da Capital, que por entender que a questão constituía um problema coletivo, pois afetava outros moradores, encaminhou o caso ao defensor Marcelo Scherer da Silva. Na ação civil pública, o titular da 21ª Defensoria da Capital cita o envio de ofícios solicitando informações ao secretário municipal de Infraestrutura, Valter José Galina, em 20 de maio, 26 de junho e 2 de outubro de 2019, e também em 5 de junho deste ano, sem que houvesse qualquer resposta por parte da secretaria. Ante a inércia do órgão municipal em prestar as informações, não restou outra alternativa, disse Marcelo Scherer da Silva, senão o ajuizamento da ação junto à Vara da Fazenda da Comarca de Florianópolis.
Bombeiros resgatam cadeirante
Em abril do ano passado, Franciele dos Santos, cadeirante, que trabalha como assistente jurídica da Fiesc – Federação das Indústrias do Estado de Santa Catarina, voltava para casa no transporte da Aflodef – Associação Florianopolitana de Deficientes Físicos, quando o veículo foi apanhado a poucos metros de sua residência (número 580) em meio à inundação. “De repente, a água subiu e a Doblô da Aflodef ficou com água pela metade. Tiveram que chamar os bombeiros para me resgatar e me levar no colo para casa. E a gente ficou ilhada durante alguns dias, até as águas baixarem”, afirmou Franciele, que atualmente trabalha remotamente em casa em virtude da pandemia.
O casal Berto Goulart e Jadna Santana Goulart mora no número 435 da Servidão Cassiano Gregório Flor há 22 anos e decidiu botar a casa para vender. No entanto, até o momento não houve comprador interessado porque, mesmo com a casa sendo de bom tamanho, não há entrada de garagem, pois a que havia antes precisou ser murada para evitar as inundações. “Ninguém quer comprar quando fica sabendo o que acontece por aqui. A nossa filha Eliane abandonou a casa dela (ao lado no mesmo terreno), porque não suportava mais o transtorno que era a cada chuva mais forte. Foi para a Palhoça, lá não tem inundação. A casa está abandonada, se deteriorando”, contou o casal.
Renato Luiz Espíndola, morador da casa 30, precisou fazer uma rampa alta de acesso à sua casa e, por precaução, deixa empilhados sacos de areia na entrada, para serem usados nas emergências. “Já perdi roupeiro, cama, colchão. Estourei meu joelho subindo a geladeira, tive até que operar. Vou ter que refazer toda a edícula que estava construindo, desmanchar e começar tudo de novo, porque os tijolos estão esfarelando. Moro num lugar lindo, num terreno grande, espaçoso, aqui tinha tudo para ser um paraíso para a minha família. Mas vivemos num inferno cada vez que chove”, revelou, indignado.
Sua vizinha, Dalva Silvana dos Santos, da casa 29, disse que fica doente cada vez que chove. “Construí a minha casa há 20 anos, para o meu filho. Mas moro aqui há 10 anos, e nesse período já perdi tudo o que tinha mais de uma vez. Cada vez que começa a chover eu fico apavorada. Fiz rampa no portão, coloquei muretas em cada acesso da casa, preciso ficar escalando para entrar. Já fizemos abaixo-assinado, entregamos na Prefeitura, mas de nada adianta. Ficam só na promessa”, disse ela.
Outras vizinhas, Iris Cristine Fiosson, da casa 535, e Andréia Oliveira da Silva dos Santos, da casa 545, compartilham do mesmo drama dos demais moradores. “A gente mora na parte mais baixa. Fui obrigada a fazer essa mureta na entrada, porque os carros passavam e jogavam água, esgoto e lixo para dentro de casa. Perdi armário de cozinha e roupeiro”, afirmou Iris. “Aqui onde tem essa janela era a entrada da garagem. Tivemos que fechar, porque nosso carro deu perda total. E toda vez que chove gera um pânico, em mim e nas crianças, porque a gente não sabe o que vai acontecer”, disse Andréia.
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