Por Carlos Alberto Lungarzo.
Em minha qualidade de coordenador do grupo de apoio ao escritor italiano Cesare Battisti, venho por meio desta, explicar as circunstâncias em que foi cancelada a participação deste escritor no evento “Quem tem o Direito ao Dizer”, que devia acontecer no dia 6 no Departamento de Letras da UFSC.
Há quase 15 meses, os membros do PET desse departamento, bem como outras pessoas da universidade, convidaram a Battisti e a mim a participar deste evento, um convite que muito nos honra, e pelo qual estamos profundamente gratos, não apenas a eles, mas a todo o pessoal e público da universidade que fez possível o convite.
Hoje, dia 5, fui informado por Battisti de que tinha recebido uma “recomendação” de um alto escalão do governo, veiculada através de um alto representante do Parlamento, para não comparecer ao evento. O parlamentar também falou comigo, fazendo uma referência, que não entendi muito bem, à relação entre este evento e o processamento do RG para estrangeiros (RNE) de Battisti que ainda não lhe foi entregue. Outrossim, o Exmo. Parlamentar me informou de que a divulgação feita pelos organizadores do evento revelavam uma implicação política que tornava altamente inadequada a participação de Battisti.
Desejo salientar, a título pessoal:
1. Não acredito que, no atual momento da história, possa ainda confudir-se ação políticacom defesa dos direitos humanos, que é o objetivo deste evento, e ao qual manifesto minha admiração pela coragem, inteligência e profundidade com que foi programado.
2. Contrariamente ao habitualmente divulgado, Battisti não é refugiado político. Seu refúgio, concedido pelo então ministro Tarso Genro em 2009, foi cassado pelo STF em 09/09/2009.. Após sua soltura em 09/06/2011, Battisti recebeu do Conselho de Imigração um visto de permanência definitiva no país, que é uma condição de estrangeiro idêntica a de milhares de imigrantes, incluído eu.
3. De acordo com a CF, os Direitos Humanos fazem parte dos princípios em que se baseia a República Brasileira, assim sendo, não podem ser negados a ninguém em função de sua nacionalidade. Se é impedido a um escritor falar de seus livros, e se considera que literatura e direitos humanas significam ação política (e até, segundo parece, ação política ilegal), quero manifestar minha perplexidade sobre o que devemos entender por democracia e estado de direito.
4. Não só agradeço como me solidarizo totalmente com a Magnífica Reitora e toda a comunidade da UFSC pelo que, segundo entendo, deve entender-se como um ato de desrespeito à autonomia de uma universidade. Mesmo que seja Federal, a UFSC é um ente autônomo e não uma dependência do núcleo estratégico do estado. É perigoso para o direito de expressão interferir no convite a uma pessoa que está legalmente no país, cuja vida é totalmente pública e cujo único objetivo era falar sobre os quase 30 livros que escreveu, muitos dos quais tiveram grande sucesso de crítica e leitores no exterior, especialmente na França.
Finalmente, quero fazer notar um paradoxo. A gente queria falar sobre “Quem tem direito ao dizer”, mas nós mesmos ficamos sem esse direito.
Somos condenados ao silêncio. É verdade que o silêncio pode ser uma maneira de expressar-se, mas a expressão através do silêncio pode ser ambígua. Aliás, nem sempre o silêncio fica registrado na história.
Carlos Alberto Lungarzo
Professor titular (ap.) UNICAMP; Ex-pesquisador 1 do CNPQ
Fonte: Pet Letras UFSC.