Por Adhemar S. Mineiro e José Álvaro Cardoso.
Desde janeiro desse ano vimos se juntar à estupefação dos analistas com a brutal crise econômica em curso e à sofisticação analítica – jurídico e política – sobre a ruptura institucional operada no poder político no ano passado, e que resultou em um novo governo no país, outro debate. Estamos falando agora sobre a eficácia da política monetária levada adiante pelo Banco Central e a equipe econômica, que tem como principal mecanismo de operação taxas de juros muito altas – poder-se-ia dizer estratosféricas, para os padrões internacionais vigentes hoje no mundo.
O início desse debate se dá partir da discussão sobre as taxas de inflação, o que é um mau começo. De fato, as altas taxas de juros já vinham sendo praticadas de antes, e a sua justificativa para o controle dos preços foi o mote da política contracionista adotada ainda pelo Ministro Joaquim Levy e pelo presidente do Banco Central Alexandre Tombini. Entretanto, a análise mais detalhada da subida dos preços em 2015 vai apontar, entre suas principais motivações, o “tarifaço”, em especial no setor de energia (eletricidade e derivados de petróleo) no início do segundo governo Dilma, a desvalorização cambial (com o objetivo de recompor a competitividade em especial dos manufaturados produzidos no Brasil, para exportação ou competição com bens importados) e os efeitos de um regime de chuvas irregular sobre a produção de alimentos, afetando os seus preços. Assim, esses componentes, que agiram no sentido de aumentar as taxas de inflação, deveriam ter seus efeitos diluídos ao longo do tempo pela desindexação parcial operada no país desde o Plano Real. A flutuação para baixo dos índices de preços ocorreria ao longo do tempo, caso novos choques como os apontados não acontecessem novamente.
A elevação dos juros, combinada à política de cortes de gastos públicos (com a exceção dos gastos financeiros, que dispararam no período) serviu apenas para apressar esse caminho. Em parte, pelo brutal processo recessivo: os números divulgados nesse início de ano dão conta de uma marcha à ré de 7,2% do PIB em dois anos – 2015/2016 – e de um recuo do PIB per capita de 9,1% no mesmo período), onde a queda da renda e dos empregos serviu para apressar a queda dos preços. Em parte, por uma nova apreciação do real em relação ao dólar estadunidense (depois de romper a barreira dos R$ 4 por US$, a moeda estadunidense voltou a um patamar entre R$ 3 e R$ 3,20 nesse início de ano), resultante da atração de capitais especulativos no mercado internacional pelas altíssimas taxas de juros reais praticadas no Brasil.
Evidentemente o questionamento aos efeitos diretos entre juros e inflação não está sendo feito a partir da experiência brasileira. O debate foi colocado a partir da experiência internacional, em especial pelo fato de que as políticas monetárias praticadas nos EUA (e mais recentemente pelo Banco Central Europeu), após a crise financeira de 2008, e há bastante mais tempo pelo Japão, de taxas de juros muito baixas e por vezes negativas, e expansão monetária acentuada, não resultou em inflação elevada ou fora de controle, muito pelo contrário. Mas tem como contexto a situação brasileira, que tem especificidades muito importantes, como a estrutura altamente oligopolizada da oferta, e os juros altíssimos aqui praticados.
Por outro lado, a análise crítica que tem aparecido coloca de certa forma a ênfase na questão fiscal como alternativa. Para essa leitura da conjuntura, o centro do combate à inflação e a manutenção da inflação em níveis muito baixos passa por uma “consolidação fiscal”, novo nome dado pelas instituições financeiras internacionais a um ajuste fiscal forte, e por um equilíbrio fiscal de longo prazo. Evidentemente, essa nova alternativa teórica, que pode até ser formalizada elegantemente, tem o mesmo problema da tentativa de conexão entre inflação e taxa de juros – a baixa aderência aos números da economia internacional, em que a maior parte dos países apresenta déficit fiscal de longo prazo e taxas de inflação bastante baixas, como nos casos, de novo, da maior parte dos países europeus e dos EUA.
Para o caso brasileiro, também acaba funcionando como mais uma restrição ao nosso processo de retomada do crescimento, já que o gasto público autônomo é um elemento essencial, assim como taxas de juros mais baixas (não apenas a taxa SELIC, mas em especial a taxa de juros de longo prazo e as taxas de juros para consumidores e capital de giro para as empresas), para retirar o país da recessão em que dois anos de política contracionista nos meteram. Ficar debatendo entre ajuste fiscal e juros altos, se já seria anacrônico no plano internacional, do ponto de vista da retomada do crescimento econômico do Brasil é optar entre a cruz e a caldeirinha. É que para boa parte desses analistas, o problema fiscal brasileiro decorre do aumento acelerado da despesa pública primária, quando se sabe que o verdadeiro problema do déficit é o pagamento de juros, o maior gasto do orçamento do governo. A conta não está fechando, não pela previdência ou em função dos demais gastos primários, mas, principalmente, pelo gasto com a dívida pública. Dívida, aliás, que provavelmente não resiste a uma auditoria.
Até aqui, a política econômica adotada no país tem conseguido manter a economia em uma brutal recessão. Mais, os mecanismos que se criam só fazem ancorar a estagnação, como a PEC de Teto dos Gastos ou as propostas de renegociação para a situação dos Estados, aprofundando os problemas e inviabilizando políticas anticíclicas. Segundo dados do site do Banco Central do Brasil, a dívida líquida do governo geral aumentou de 37,9% do PIB a 47,6% do PIB entre dezembro de 2015 e dezembro de 2016, enquanto a dívida bruta do governo geral passou, como proporção do PIB, no mesmo período, de 65,5% a 69,6%. Aumentamos rapidamente nosso endividamento, tocado a altas taxas de juros impactando a própria dívida pública, nosso maior gasto público. E em meio à maior recessão da história do país. Com números como estes, nem o mais otimista dos nossos “macroeconomistas de divã”, aqueles que usam sofisticados números e modelos para a análise, e que acabam concluindo que estamos dependendo, para a retomada do crescimento, de “confiança e otimismo”, vão apostar em alguma recuperação consistente, exceto para fins de propaganda de política econômica. Não é possível sair da arapuca em que nos metemos por esse caminho, mas é possível, talvez, salvar por algum tempo, os ganhos dos aplicadores financeiros, o que parece ser o objetivo implícito da política econômica adotada e das reformas propagandeadas e em curso.
Os países da América do Sul parecem gostar de andar em grupo, para o bem ou para o mal – ou para o bem e o mal. Na primeira metade dos anos 1990, todos saíram das crises inflacionárias em que se tinham metido ao longo dos anos 1980 com a solução da abertura financeira e comercial, e a sobrevalorização das moedas nacionais. Nacionalmente, alguns dos que lideraram a política anti-inflacionária do período passaram por planos “eficientes” e “criativos” em cada um de seus países, mas o fato é que a solução foi adotada por toda parte, com os mesmos ingredientes básicos, sem nenhuma criatividade. E com um brutal efeito colateral: se era eficiente contra a inflação, a política adotada fragilizava o balanço de pagamentos, expunha os países à especulação internacional, e limitava às possibilidades de crescimento aos chamados “voos de galinha”, dependentes dos ciclos mundiais de capitais e preços de commodities.
Agora, no Brasil, na Argentina e em outros países, corremos fortemente o risco de nos ancorar na estagnação. O modelo, desenhado com as mudanças políticas, em 2015 pelo voto na Argentina, e em 2016 pela ruptura institucional no Brasil, supunham a entrada de capitais externos em supostas parcerias que viabilizariam algum suposto investimento. Com as mudanças nos EUA (vitória eleitoral de Donald Trump e o novo governo nos EUA) e as incertezas políticas na Europa, esses capitais para parceria vão ficar ainda mais escassos, inviabilizando o modelo desenhado, se é que ele fosse possível. Os capitais, se vierem, será para adquirir ativos públicos sabidamente depreciados em função da crise, como já estão fazendo com os da Petrobrás. A situação atual requer caminhar com as próprias pernas e com soberania. Para isso dependemos de sair dessa situação de sobre endividamento do Estado, das famílias e das empresas, o que só conseguiremos com juros menores e crescimento da renda e da arrecadação, hoje dependente de gastos maiores para ativar a economia. Precisamos, portanto, de uma estratégia de desenvolvimento bastante diferente da hoje em curso. Mas essa não é uma definição dos economistas, mas de todo povo brasileiro. E para isso, precisamos de outro debate e outra estratégia, que ainda não estão na ordem do dia no país.