Entrevista por Maurício dos Santos.
O escritor Felipe Gabriel Schultze busca na história dos movimentos sociais a base para sua verdadeira paixão: articular pesquisas e textos sobre cultura e democracia. No embalo de seu mais recente livro,”Coragem e Resistência”, lançado para dialogar com o atual momento brasileiro, na entrevista a seguir o autor sugere a história como o ponto principal para refletir sobre temas atuais (em destaque: os primeiros passados do Governo Bolsonaro e a crise política e social de Trump nos EUA).
1 – Como é o desafio de se tornar um escritor, com livros publicados, no auge da era digital?
Acredito que ainda não há enormes desafios. Há espaço para os livros digitais e os livros tradicionais. Sem muito cuidado e com um pouco de audácia, afirmo que o livros tradicionais são insubstituíveis, há uma questão de adaptação do mercado literário, como há uma adaptação das artes de modo geral. Os teatros sobreviveram as plataformas de streaming e os livros tradicionais sobreviverão ao mercado digital. O que acontece é que a cultura no Brasil está em calabouços vivendo quase marginalizada, e consequentemente, é lógico que o mercado literário sofre muito.
2- Por que falar sobre política é algo tão delicado?
Não deveria ser. O que acontece é que o nosso país está doente. Machucado com a corrupção de Brasilia e pobre com a crise econômica, a politica não é vista como um serviço público prestado; hoje ela é vista como um mitológico campo de batalha onde as soluções são realizadas a toque de caixa. Ocorre que, como todo campo de batalha, quem não está do meu lado é considerado meu inimigo. Acredito ser uma afirmação imprudente, mas a política é vista assim nos dias de hoje. O interessante, é que a política é feita para justamente evitar guerras.
3 – Em quais momentos da história mundial e/nacional, em sua opinião, passamos por algo parecido: em que extremos duelam por espaços em todos os campos?
A história não se repete, mas é interessante conhecê-la para evitar erros parecidos. O Brasil sempre foi muito polarizado, desde a política café -com -leite realizada pelas oligarquias até a disputa política recente. Li alguns artigos escrito por churchill e percebi que, nos jogos de xadrez da política externa, o nacionalismo e o populismo de forma mundial remontam aqueles que deram inicio a segunda guerra mundial, cada qual em seu contexto.
4 – Na sua análise, quais os desafios e as conquistas que temos neste início do ano, para os movimentos sociais?
Conquista nenhuma. Os desafios são manter os direitos adquiridos e lutar por mais direito. Estou com uma teoria, ela pode ser contestada, que os movimentos sociais poder correr o risco de retrocederem em muitos aspectos,mas não ao ponto de se extinguirem. Os direitos já adquiridos, ao custo de muita coragem e resistência, são faíscas de esperanças inapagáveis.
5 – Existe uma ameaça real contra os direitos humanos no Brasil? Por que muitos analistas dizem que este fenômeno é mundial?
Tenho a impressão que culpam os direitos humanos pelo atual cenário do Brasil e do mundo. É necessário compreender que os direitos humanos não são os culpados do mal da sociedade, são as soluções. É necessário combater os verdadeiros transgressores que causaram a crise em que vivemos. Essa marginalização é um fenômeno mundial, cada país com sua peculiaridade, mas é um fenômeno que põe a culpa da crise em indivíduos que já são marginalizados. Os direitos humanos são a solução que defende toda a sociedade, inclusive a liberdade de expressão daquele que se opõe aos direitos adquiridos. Norberto Bobbio afirma que não há democracia sem direitos humanos. É necessário que todos se vejam protegidos pelos direitos humanos.
6 – Por que intelectuais, artistas e professores em geral foram transformados em vilões por alguns setores?
Como já falei, hoje, em um país doente e sem alegria, propício a guerrear entre si, quem discorda minimamente é visto como um grande inimigo da pátria. Mario Sérgio Cortella afirma que no Brasil existe a informação, mas não se sabe o que se faz com ela. Acredito assim, que há um grande desafios de artistas e intelectuais saírem do meio universitário e, como agentes, levarem a informação de qualidade para a sociedade, para se criarem pontes e diálogos.
7 – O que a crise política e econômica do Governo Trump pode significar para o Brasil?
O populismo de modo global preocupa-me. O populismo, seja ele de esquerda ou de direita,não são remédios para os problemas de uma nação. Os países estão vulneráveis e os grupos oportunistas aproveitam-se da ideia.
8 – Como ficará, em sua opinião, a educação brasileira que está tão ameaçada por temas como o Escola Sem Partido?
Acredito que o projeto é uma grande insensatez, extremamente desnecessário e lembra-me o Estado ditatorial. Esse projeto é muitas vezes formado por pessoas que não são da área da educação. A Constituição já prevê a necessidade de haver várias ideias em sala de aula, sendo assim, a ideia do projeto de haver uma ideologia imposta em sala de aula não existe. Se Leandro Karnal explica muito bem em que os jovens não são massa de manobra e sempre possuem sua própria opinião. Por esses motivos acredito que o projeto “Escola sem Partido” não seja necessário e pode haver consequências de controle ditatorial.
9 – Qual será, em sua análise, o papel da cultura e da Imprensa neste primeiro momento do Governo de Bolsonaro?
A cultura vive em calabouços no Brasil, mas são destes calabouços marginalizados em que sairão as vozes dos excluídos. Norberto Bobbio falava que nos governos democráticos a imprensa é o poder invisível. Assim sendo, é da arte e da impressa que serão realizadas as resistências contra qualquer desvio de rota do governo.Com isso, a cultura e a impressa serão o espelho do verdadeiro Brasil. O Brasil da vida real será refletido nos telejornais e nas peças de teatro onde discursos mirabolantes não resolvem os problemas da saúde pública e de preconceitos. O Brasil da realidade é muitas vezes negado pelos governos, mas corajosamente, a arte e a impressa mostrarão a verdade do estágio em que encontra-se a nossa Nação diversa.
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