Por Marcelo Auler.
Em luta há algumas semanas contra as perdas de direitos que o Supermercado Mundial (rede popular com 19 lojas espalhadas na capital do Estado do Rio de Janeiro) quer lhes impor, respaldado na legislação retrógrada promovida pelo governo ilegítimo de Michel Temer, certamente os seus nove mil trabalhadores jamais ouviram falar de Joaçaba.
Mas, de lá, pequena cidade do meio oeste catarinense (390 quilômetros de Florianópolis), com 29.310 habitantes (pouco mais do que três vezes o número de trabalhadores do Mundial) vem um excelente respaldo à luta pela manutenção dos direitos dos empregados do supermercado fluminense. Como, de resto, aos demais trabalhadores brasileiros.
Na cidade e na vizinha Herval d’Oeste, os quinze sindicados de empregados receberam, na terça-feira (14/11), uma Recomendação, tal e qual a de nº 8870/2017, do Ministério Público do Trabalho (MPT) de Joaçaba.
Assinada pela procuradora do trabalho Luísa Carvalho Rodrigues, ela incita as entidades de classe a não permitirem a perda de direitos de seus associados. Tal e qual a briga que os empregados da Rede Mundial, em uma iniciativa espontânea, desencadearam e que logo foi assumida pelo Sindicato dos Comerciários do Rio de Janeiro.
Pela iniciativa da procuradora do Trabalho, os sindicatos da região onde ela tem jurisdição – o que acaba valendo para os demais sindicatos em outras regiões – são instados a se abster “de celebrar acordo coletivo ou convenção coletiva que contenha cláusula que represente exclusão ou redução de garantias, direitos e vantagens assegurados
atualmente por lei”.
Entre esses direitos, Luísa relaciona: redução de intervalo para descanso e alimentação; modalidade de registro da jornada que não assegure o efetivo registro dos horários de entrada, de saída e de intervalo efetivamente praticados;
enquadramento do grau de insalubridade em patamar inferior ao estabelecido nas Normas Regulamentadoras e na legislação de regência; prorrogação de jornada em ambientes insalubres, sem licença prévia das autoridades competentes do Ministério do Trabalho; elastecimento da jornada diária de trabalho para além do limite de 2 (duas) horas; situação pior do que aquela que o empregado teria se não houvesse a cláusula celebrada, ou norma coletiva que não corresponda aos anseios da categoria; a inexistência de concessões mútuas ou contrapartida, não sendo considerada contrapartida a mera manutenção dos empregos.
Resistência espontânea – No Rio, a briga dos nove mil empregados do Mundial é justamente para preservar alguns direitos que a empresa decidiu retirar a partir da reforma trabalhista retrógrada que o governo Temer promoveu.
À mudança da legislação somou-se ainda o inusitado Decreto nº 9127, de 16 de agosto de 2017, editado em surdina, sem maiores debates. Ele reconhece os supermercados como “atividade essencial da economia”. Com isto, ficam autorizados a abrir aos domingos sem a necessidade do pagamento do adicional de 100% nas horas trabalhadas. Ou seja, mais uma gatunagem no salário dos trabalhadores.
O corte deste extra foi que gerou a mobilização dos empregados da Rede Mundial, tão logo a empresa resolveu implantá-lo. Surgiu o movimento espontâneo, a partir de 6 de novembro. Os trabalhadores decidiram não abrir mão da Convenção Coletiva em vigência. Querem ainda acrescentar à mesma a manutenção do que já vinha sendo praticado pela empresa, mas que ela decidiu cortar.
Passaram a defender um Acordo Coletivo de Trabalho (ACT) que contemple, entre outros benefícios, “o fim do acúmulo e do desvio de função em todos os setores das lojas; a volta do pagamento do adicional de 100% sobre as horas trabalhadas aos domingos e feriados; acesso ao espelho de ponto (a contabilidade das horas trabalhadas durante o mês); o reenquadramento das caixas como ‘operadoras de caixa’ em vez de ‘atendentes’; instalação de esteira rolante nos caixas; concessão de pausa para lanche também para os trabalhadores de frente de loja”, como informa o Sindicato dos Comerciários.
Categoria que tradicionalmente era considerada desmobilizada, os comerciários do Mundial surpreenderam ao próprio sindicato – que teve a diretoria trocada em junho de 2015, com a posse do presidente Márcio Ayer. Iniciaram as paralisações durante a jornada de trabalho, na semana entre os dias 6 e 12 deste mês de novembro.
Os primeiros protestos surgiram em lojas espalhadas. Empregados decidiram cruzar os braços. Na filial de Copacabana, no último dia 6, cerraram as portas da loja. Nas redes sociais surgiram logo os apoios e a campanha de boicote ao supermercado caso insista no corte dos benefícios de seus empregados.
Uma das reivindicações – acesso ao espelho de ponto – torna-se essencial para que o próprio trabalhador confira o número de horas trabalhadas e compensadas. Fala-se de trabalhadores que perceberam salários ínfimos, perto do que teriam direito, sem que conseguissem conferir o cálculo dos mesmos por falta desse acesso.
Depois de entrar a reboque da movimentação, o Sindicato tomou à frente e abriu uma negociação com a empresa junto à Superintendência Regional do Trabalho e Emprego no Rio de Janeiro.
Na última segunda-feira, uma inédita assembleia com 700 empregados da rede, elaborou a pauta de reivindicações. No encontro, que surpreendeu os próprios dirigentes sindicais por envolver uma parte da categoria normalmente acomodada, foi decretado o chamado Estado de Greve. Por ele, sinalizam que novas paralisações ocorrerão caso não sejam atendidas as reivindicações.
Na quinta-feira (17/11), na mesa de negociação na SRTE/RJ, o Mundial não apresentou nenhuma resposta às reivindicações que lhes foram entregues na véspera do feriado da Proclamação da República. A alegação foi de que não houve tempo para analisá-la por completo. Os advogados da empresa se comprometeram a levar a resposta quarta-feira (22/11).
Iniciativa da procuradora – A Recomendação da procuradora Luísa (íntegra abaixo) surgiu, entre outros motivos, por ter como certo que a Lei n. 13.467/2017 (da reforma trabalhista imposta pelo governo) contém diversos dispositivos que violam a Constituição Federal e as Convenções Internacionais da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da Organização dos Estados Americanos (OEA) e da Organização das Nações Unidas (ONU).
Ela, como consta da Recomendação, entende que a tais dispositivos:
“representam retrocesso social, ao reduzir o patamar mínimo de direitos já consolidado, e expõem os trabalhadores a mais riscos no trabalho, ao, por exemplo, não mais considerar como normas de saúde e segurança do trabalho as regras sobre duração do trabalho e sobre intervalos, e ao atribuir à norma coletiva o poder de autorizar a prorrogação da jornada em ambientes insalubres, sem a licença prévia das autoridades competentes, e de fazer o enquadramento da insalubridade em grau inferior ao que foi regulamentado pelo Ministério do Trabalho“.
Destaca ainda que é possível uma resistência pois “a simples recusa dos sindicatos da categoria profissional em celebrar instrumentos coletivos que contenham condições desfavoráveis às legalmente previstas já é suficiente para impedir a incidência de diversos preceitos da Lei nº 13.467/2017 que violam a Constituição Federal e Convenções Internacionais ratificadas pelo Estado brasileiro“.
Ao tomar conhecimento da luta dos trabalhadores do Supermercado Mundial a partir de notícias que o Blog lhe enviou, a procuradora – mesmo destacando que não conhece a situação de perto e nem tem atribuições nesta região – entendeu “que nesse caso, ao que me parece, o sindicato já está agindo e seguindo o que recomendei aos sindicatos da minha região“. E acrescentou:
“Pelo que li, o sindicato, “a princípio já estaria se opondo à tentativa da empresa de precarizar direitos e flexibilizá-los. É claro que a Recomendação que foi entregue aos sindicatos daqui ajuda ao sindicato daí nessa sua preocupação em proteger a categoria e os trabalhadores. Eles passam a ter o respaldo de uma instituição pública que tem como missão institucional defender a dignidade do trabalhador e o valor social do trabalho, de maneira ampla, conforme a Constituição disciplina. Por isso, eles podem utilizar essa Recomendação como um respaldo para essa atuação, de que eles foram recomendados em atuar assim. Não só porque é assim que eles acreditam que devem atuar, mas também com este respaldo por parte de um membro do Ministério Público do Trabalho. É uma forma de auxiliar os sindicatos nesta função de dar um pouco mais de força nessa atuação deles“.
A iniciativa da procuradora Luísa mostra que a resistência ao golpe na legislação trabalhista parte também de jovens que estão iniciando nas suas “missões profissionais”. Sem falar que ela é prova viva de que do Paraná – de onde surgiu a República de Curitiba na Operação Lava Jato – também há profissionais, ainda novos, que se destacam positivamente.
Natural de Curitiba, formada pela Universidade Federal do Paraná, aos 27 anos ela foi aprovada no ultimo concurso para o MPT. Em um ano na carreira já passou por Boa Vista (RR), está há alguns meses em Joaçaba (SC), mas já com transferência marcada para Pato Branco (PR). Abaixo a íntegra de uma das Recomendações endereçadas aos Sindicatos de Joaçaba e Herval d’Oeste.
Recomendação aos Sindicatos de trabalhadores: resistam às perdas trabalhistas
Fonte: Blog Marcelo Auler.