De Barbie à Kamala Harris: a falência da esquerda brasileira. Por Francisco Fernandes Ladeira.

Os posicionamentos políticos da esquerda lacaia do imperialismo têm sido pautados mais por contrariar a extrema direita do que propriamente por seguir princípios da esquerda.

Por Francisco Fernandes Ladeira.

Quando se fala em geopolítica, historicamente, a principal pauta da esquerda é o anti-imperialismo. Isso significa se opor aos Estados Unidos, tanto ao seu hard power (diplomacia agressiva, sobretudo em relação à periferia do capitalismo), quanto ao seu soft power (indústria cultural e as tentativas de conquistar corações e mentes).

Não se trata, evidentemente, de uma novidade. O que está escrito no parágrafo acima é o básico para qualquer indivíduo que se considere minimamente à esquerda no espectro político. No entanto, remetendo a Bertolt Brecht, vivemos um tempo em que temos que defender o óbvio.

Leia mais: Kamala Harris e a esquerda que fica a reboque da grande mídia.

E este “óbvio”, infelizmente, não tem sido entendido pela esquerda brasileira (pelo menos parte considerável). Seja por oportunismo, ingenuidade ou confusão analítica, tais setores da esquerda são guiados politicamente de acordo com os interesses de Washington.

Vindo da direita tradicional e da extrema direita, este tipo de posicionamento é algo esperado (haja vista suas históricas posturas subservientes). Por outro lado, é extremamente vergonhoso a existência de uma esquerda lacaia do imperialismo.

Em meados do ano passado, parte dessa esquerda saudou o filme “Barbie” como uma produção “revolucionária”, baluarte da “luta contra o patriarcado” e da “diversidade”. O fato de a boneca, um dos principais símbolos do soft power imperialista, simbolizar a futilidade estadunidense, não foi considerado. O importante era lacrar nas redes sociais e provocar a extrema direita (que também, de maneira equivocada, rotulou o filme como “antihomem”, “marxismo cultural”, “afronta aos valores cristãos”, “apologia à homossexualidade” e “contra a família”).

Aliás, este último ponto demonstra o modus operandi da esquerda lacaia do imperialismo. Seus posicionamentos políticos têm sido pautados mais por contrariar a extrema direita do que propriamente por seguir princípios da esquerda. Ou seja, uma esquerda que se guia não “pelo que é”, mas “pela negação do outro”.

Do mesmo modo, no mês de maio, Madonna, mais um dos símbolos do soft power ianque, foi alçada ao status de “grande nome da esquerda”, uma espécie de heroína dos oprimidos do planeta. Inclusive, foi criada a delirante narrativa sobre a cantora estadunidense ter “resgatado a bandeira do Brasil, apropriada pelo bolsonarismo”. Haja carência ideológica!

De fato, a extrema direita busca monopolizar os símbolos nacionais. Mas, se alguém tem que “resgatar a bandeira”, somos nós, brasileiros, e não alguém vindo dos Estados Unidos. Novamente entrou em cena a figura do “estrangeiro salvador”, típico de posturas colonizadas (o que não deixa de ser irônico para uma esquerda que sempre fala em “decolonialismo”).

À essa altura do texto, alguém pode argumentar que os exemplos acima se tratam de soft power e, como tal, não demonstram suas intenções ideológicas. Portanto, são passíveis de gerar confusão mesmo. Nessa lógica, espera-se que a mesma esquerda que enalteceu Barbie e Madonna, quando se referir a questões estritamente políticas, apresentará uma postura anti-imperialista.

Ledo engano. Como diz o filósofo contemporâneo Compadre Washington: sabe de nada, inocente! A desistência de Joe Biden em concorrer à reeleição para a presidência dos Estados Unidos, bem como a real possibilidade de sua vice, Kamala Harris, assumir este posto, causaram frisson na esquerda pró-imperialista.

No melhor estilo “definições de vergonha alheia atualizadas com sucesso”, nos últimos dias, a esquerda pró-imperialista tem desempenhado a vexatória função de cabo eleitoral da vice-presidente dos Estados Unidos.

Ela apoiar o genocídio do povo palestino e ter atuado em favor de políticas de encarceramento em massa não são questões relevantes. Mais importante são suas identidades como “mulher”, “negra” e “filha de imigrantes”.

Além disso, durante o período em que Kamala foi promotora distrital em São Francisco e procuradora-geral na Califórnia, entre 2004 e 2017, houve aumento nas taxas de encarceramento (principalmente de negros) e do número de processos criminais contra os pais de crianças que faltavam à escola (atingindo, consequentemente, a população pobre).

Inclusive, a “heroína” de parte da esquerda brasileira chegou a rejeitar um pedido de teste de DNA de um homem negro, no corredor da morte, que alegava ter sido condenado injustamente por assassinato. Sem dúvida, um histórico que deixaria qualquer militante de extrema direita orgulhoso.

Mesmo assim, a defesa de uma política externa agressiva de Washington, com toques de diversidade, é o que há de mais “chique” para a esquerda lacaia do imperialismo. Fará um enorme sucesso em cirandas Brasil afora. A última tendência ideológica.

Claro que a extrema direita (no caso, o espantalho Donald Trump) é o “argumento” para o apoio incondicional a Harris, como se Democratas e Republicanos não fossem duas facções a serviço da burguesia estadunidense.

Enfim, não gosto de frases saudosistas, mas, diante desse cenário grotesco, sou obrigado a afirmar: bons tempos em que a esquerda visava a luta de classes e a luta contra o imperialismo, ao invés de lacração na internet e viver de contrariar a extrema direita. É pouco (ou muito cinismo) para quem se considera “progressista”!

Francisco Fernandes Ladeira é Licenciado em Geografia pela Universidade Presidente Antônio Carlos (Unipac). Especialista em Ciências Humanas: Brasil, Estado e Sociedade pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Mestre em Geografia pela Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ). Doutorando em Geografia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

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