Crônica: “Puseram na mesa o pão, nas ruas revolução, nos livros muito da história”
Por Lindsey Rocha
Fazia porque rezava. Rezava porque escrevia. E porque fazia, rezava e escrevia, tinha gente que não gostava. Porque rezava de um jeito torto aos olhos dos “homens de bem”. Porque fazia dançando e cantando, na voz do povo, dos que não tem. E assim, juntando as vozes das mulheres mortas, das florestas queimadas e do mar poluído, avançava em correnteza – às vezes maresia. Se escondia na beira do abismo, pra pular se encurralada. Pisava nas armadilhas, sumia nas emboscadas. Pressentia os dentes de ferro, as algemas, as fogueiras. A história se repetindo e Zumbi zunindo, zunindo… Ouvia no fundo da alma os gritos fortes da senzala. Rezava porque sabia que ainda existe essa chibata – à espreita, silenciosa… nas portas dos shopping centers, na imponência desses tanques – expostos feito troféus – , na prisão injusta dos réus que lutaram por liberdade e, vestidos de verdade, firmaram os pés nesse chão. Puseram na mesa o pão, nas ruas revolução, nos livros muito da história – escondida por tantos anos, nos discursos sacudiram a poeira debaixo dos panos. E assim, fazendo, rezando e escrevendo, caminhava junto com eles, na pisada seca dos índios, na gingada forte dos negros, honrando toda a descendência, convidando pra dançar uma dança em resistência.