Dallagnol e a colonização de Hollywood

Por Paulo Moreira Leite.

É sintomático da tragédia que o país atravessa que o procurador Deltan Dallagnol, chefe da força tarefa da Lava Jato, tenha usado o twitter para dizer que a quarta-feira será o “Dia D da luta contra a corrupção”no país.

Em 4 de abril, sabemos todos, o Supremo Tribunal Federal irá julgar o mérito do habeas corpus que, em nome do artigo 5 LVII da Constituição, pode garantir a liberdade do presidente Lula, ameaçada por uma injustificável sentença de 12 anos e um mês.

Se a causa é ruim, o argumento de Dellagnol é ainda mais lamentável. No mundo do século XXI, apenas mentes colonizadas por Hollywood e pela propaganda mais rasteira do Departamento de Estado dos EUA ainda veiculam a noção de que um episódio decisivo para a civilização mundial – a derrota do nazismo na Segunda Guerra – foi decidido no 5 de junho de 1944, o dia D da invasão da Normandia.

À direta ou à esquerda, os bons historiadores reconhecem que a Segunda Guerra foi resolvida na batalha de Stalingrado, que abriu caminho para que soldados da União Soviética avançassem pela Europa até hastear a bandeira de seu país em Berlim, provocando a rendição do comando alemão e o suicídio de Hiltler em seu bunker. Só para recordar. Quando as tropas aliadas desembarcaram na Normandia, os soldados da antiga URSS se encontravam na Polônia, ultima etapa para entrar na Alemanha. Stalin, Roosevelt e Churchill já haviam se reunido em Teerã, para uma conferência na qual debateram o mundo pós-conflito. A criação da ONU estava em discussão. A Italia, ex-Mussolini, havia declarado guerra à Alemanha.

Na dúvida, basta consultar o relato detalhado do britânico Ian Kershaw, nas 1077 páginas de seu “Hitler”, a melhor narrativa disponível sobre o período.

Não deixa de ser trágico, para os brasileiros, que uma autoridade que cumpre um papel de tamanha responsabilidade numa instituição criada para defender os direitos da população tenha uma visão de mundo tão comprometida, ideologicamente, com a propaganda oficial de um país, que exerce um papel imperial na América do Sul e no mundo inteiro. Fica fácil compreender o ambiente de celebração criado em torno de uma operação que trouxe tantas vantagens materiais e estratégicas para os EUA, numa ação de rapina exibida num absurdo tom patriótico e moralizante.

Impossível deixar de associar essa visão aos derramados elogios do vice-procurador de Justiça dos Estados Unidos, Kenneth Blanco, a postura colaborativa prestada pelo Ministério Público brasileiro nas investigações sobre corrupção. Ainda que Blanco fizesse referências diretas ao ex-PGR Rodrigo Janot, cada elogio a Lava Jato também afagava, obviamente, o chefe da força-tarefa.

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