A Polícia de Imigração de Israel prendeu o refugiado sudanês Mutasim Ali, um dos principais líderes da luta pelos direitos de dezenas de milhares de africanos que pedem asilo no país. Ali fugiu do genocídio em Darfur para a capital do Sudão, Cartum, onde estudou em uma universidade local. Durante os estudos, ele se envolveu em atividades politicas contra o governo do ditador Omar Al Bashir, que apoia as milícias Janjawid, responsáveis pelo massacre de centenas de milhares de pessoas.
Depois de ser preso três vezes e de sofrer torturas na cadeia, ele fugiu para o Egito. “No Sudão, eu corria risco de morte e precisei fugir. No entanto, também não pude ficar no Egito”, afirma. Ele lembra que o país mantém boas relações com o Sudão e, por isso, poderia ser deportado. “Então decidi vir para Israel. Aqui pensei que estaria seguro”, conta Ali a Opera Mundi, da prisão de Holot, localizada no deserto do Negev.
“Pedi asilo politico em Israel há quase dois anos, mas não obtive resposta. O que as autoridades israelenses fizeram foi me enviar para Holot”, diz. Nos últimos meses, Ali foi um dos principais dirigentes dos protestos de refugiados africanos contra o não reconhecimento de seus direitos – a maioria nem sequer tem a situação verificada por Israel.
De acordo com o governo, os 50 mil sudaneses e eritreus que entraram a pé no país depois de cruzarem o deserto do Sinai, são “infiltrados que vieram em busca de trabalho”, mas como a lei internacional proíbe Israel de repatriá-los, já que correriam risco em seus países de origem, o governo tenta induzi-los a “partir voluntariamente”.
Para convencer os refugiados a assinar o documento de concordância com a saída por “vontade própria”, o governo decidiu obrigar milhares deles a se deslocarem para Holot. Segundo porta-vozes oficiais, assim os refugiados “entenderão” que não vale a pena ficar em Israel, pois não podem trabalhar e enviar dinheiro para suas famílias.
“Holot não é um campo aberto; é uma prisão”, conta Ali. “Temos que nos apresentar às autoridades três vezes por dia: entre 06h e 07h, 13h e 14h30 e depois, entre 20h30 e 22h00”, relata. Durante o dia, as portas da prisão ficam abertas, para manter a imagem de um “campo aberto”, porém, como Holot fica no meio do deserto, os refugiados não têm para onde ir. Ficam apenas sentados em bancos perto dos portões. De vez em quando ônibus em direção à cidade de Beer Sheva passam, mas, como eles são obrigados a se apresentar ao longo do dia, não podem se ausentar por muito tempo.
Nenhum médico
O problema mais grave em Holot é a ausência de tratamento médico, ressalta Ali: “Já somos três mil presos aqui e não há um médico sequer”. Na pequena clinica na prisão trabalha apenas um enfermeiro, que não consegue atender nem metade das pessoas que diariamente fazem fila em busca de tratamento.
Na semana passada, um dos refugiados sofreu um derrame cerebral e o enfermeiro lhe deu um analgésico. Depois de 72 horas em que a situação só piorava, um de seus colegas o levou, de ônibus, para o hospital de Beer Sheva, correndo o risco de se ausentar da chamada. No hospital foi diagnosticado um derrame cerebral e o refugiado está agora internado em estado grave.
De acordo com Ali, muitos sofrem de depressão. “Estamos isolados aqui, no meio do deserto, sem perspectiva de sair”, diz. “Vim para Israel pois imaginei que se tratava de um Estado democrático. E como o país não têm relações diplomáticas com o Sudão, pensei que não corria o risco de ser deportado”, conta.
Sobre a sociedade israelense, o sudanês afirma que tem sentimentos “mistos”. “Por um lado há o governo e muitos israelenses que nos rejeitam, mas por outro lado, também encontrei muitos israelenses que nos ajudaram e que são nossos parceiros na luta por nossos direitos de refugiados”.
ONGs de direitos humanos israelenses entraram com um recurso junto à Suprema Corte de Justiça contra a lei que permite a detenção dos refugiados africanos. Essas organizações exigem que Israel verifique individualmente a situação dos refugiados e outorgue asilo politico a todos aqueles que não podem voltar a seus países de origem, assim como o direito a assistência médica e social e o direito de trabalhar.
“Também pensei que, como Israel foi criado para dar abrigo aos judeus que sofreram de perseguições e genocídio na Europa, eles entenderiam o nosso problema”, lamenta Ali.
Foto: Guila Flint.
Fonte: OperaMundi