Da insustentabilidade do grito para a sustentabilidade mental político-social brasileira

Foto: Adriano Agulló
Foto: Adriano Agulló

Por Elissandro Santana, Porto Seguro, para Desacato.info.

Mais de 500 anos de história, de memória e certas questões permanecem iguais ao Brasil de outrora. Estamos em pleno século XXI, mais precisamente, no ano 2016, e ainda continuamos imersos nos imaginários de solução através da cultura do grito do “Fora esse ou aquele”, mergulhados nas estruturas podres hierárquicas do poder político arvorado nas hierarquias de favores e venerando o capitalismo neoliberal propiciador das injustiças político-sociais.

Prosseguimos recopilando valores e arquiteturas de pensamentos obsoletos e sendo cooptados pelo mito do herói, sempre em busca de um salvador, quando, na verdade, a solução sempre esteve em nossas mãos, em nossa independência mental que, desafortunadamente, ainda não alcançamos.

Em latência, mais que nunca, seguimos heroicizando e demonizando algum bode que expie nossos fracassos, dando nosso jeitinho nas situações do cotidiano social, pregando moralidades, sendo xenófobos no plano das questões internas e odiando nossos irmãos haitianos que, aqui, chegam sonhando com melhores condições de vida.  Também mantemos nosso racismo secular, nossa homofobia com origem nos aportes do pensamento fundamentalista religioso, o próprio fundamentalismo religioso e, também, o positivismo academicista.

Infelizmente, quinhentos anos não foram suficientes para nosso amadurecimento intelectual, tanto que o quadro hodierno brasileiro é de arquiteturas mentais insustentáveis. Essas insustentabilidades materializam pensamentos sem a complexidade histórica e política que nossos problemas demandam. Em meio a tudo isso, nossas elites ou parte da classe média estremecida pelo eterno pesadelo de retorno à pobreza e sede perene de chegar a ser elite vociferam ódio discursivo através do “vai para Cuba”, “petralha de merda”, “aqui não é uma Venezuela”, “seu bolivianinho miserável” pelas tantas paulistas simbólicas em todo o território brasileiro.

Muitos que se dizem de esquerda também não ecologizaram pensamentos e ações, tanto que alguns transformam a crise política, institucional e econômica em um campo bilateral belicista semiótico-prático-discursivo de esquerda contra a direita, quando o problema reside em algo bem maior que essa superficialidade bizarra.

Há, também, segmentos de esquerda que se sentem mais de esquerda e, em vez de lutarem por um Brasil melhor, passam a atacar pessoas de esquerda que apoiam o PT. No discurso desses, com frequência, se materializam discursos como “Fora todos”, mas sem reflexões razoáveis e alternativas sustentáveis para se pensar uma solução em partilha, a partir dos pontos em comum com os outros segmentos da esquerda. Isso tudo só nos prova que nossas mentalidades mentais não ecológicas nos levam a poços ainda mais profundos.

As parcelas da direita conservadora e, principalmente, da extrema direita brasileira, fortalecidas nos últimos anos, além da xenofobia interna que executam a partir de inversões semânticas travestidas em verde-amarelo-moralizante para a defesa dos construtos mentais vira-latas em âmbito externo em relação às potências imperialistas do norte, sempre de pernas abertas esperando o acocho, indultem-me a construção discursiva meio torpe, entontecem até as pessoas mais cognitivas e sensíveis em relação à justiça social.

Nesse balaio louco nos qual nos encontramos as inversões semânticas difundidas pela grande mídia tradicional, sempre a serviço das elites opressoras, não conseguimos enxergar o eixo central da febre que nos ataca há séculos. Diante disso, nos tornamos sedentos por explicar nossas dores e pesares por meio dos elementos da fé que nos impuseram nos primeiros momentos da colonização e que se fortaleceram na multiplicidade das placas religiosas na atualidade. Ademais, prosseguimos valorizando o elemento branco dalém mar e depreciando nossos elementos de riqueza como o indígena, nossa flora, nossa fauna, os negros, nossa gente em geral.

Enfim, estamos no século XXI com marcas latentes dos séculos XVI, XVII, XVIII, XIX e XX. Essas marcas nada indeléveis explicam esses eternos círculos espirais de um Brasil que parecia melhorar nos últimos 13 anos e que decaiu ao ponto de fazer com que nossas bases como nação voltassem a tremer. Na conjuntura atual, o medo, a angústia, o desespero e outros males como o desemprego, o preconceito travestido de machismo, de racismo, de homofobia e outras formas tacanhas formas de pensar e de tratar a diferença voltaram com mais força a nos assombrar. Aliás, voltaram não, sempre estiveram presentes, mas agora ainda de forma mais descarada, escancarada e letal.

Toda essa eterna espiral de idas e vindas, de avanços e de retrocessos precisa nos ensinar algo. Talvez, a maior lição que podemos retirar de tudo isso é que precisamos alcançar, com urgência, uma consciência mental brasileira sustentável, pois sem a sustentabilidade mental, ainda que derrubemos governos fascistas, nossas lutas serão isoladas e não atingirão o cerne dos problemas político-social-históricos que nos afligem.

Como tudo passa pela sustentabilidade, desde o social, ao cultural e, claro, pela própria ecologia, para se atingir essa tão desejada sustentabilidade em todas as vertentes, inclusive, e em especial, na política, há que se trabalhar, em primeiro plano, a sustentabilidade do pensamento, pois é impossível imaginar a sustentabilidade do país e do planeta diante de arquiteturas mentais não ecológicas como as que possuímos atualmente. Os designs mentais sociais, políticos, culturais e econômicos precisam passar por transformações em perspectivas de rede, de complexidade, mas esse não é um caminho fácil, pois ser sustentável implica abandonar uma série de construtos que se petrificaram e, consequentemente, se cristalizaram em nosso modus operandi de ser, pensar e agir.

Para terminar a reflexão, é importante mencionar que nossa ecologia mental é crucial para a ruptura de paradigmas que já não coadunam com as necessidades e problemas do Brasil no qual vivemos e que só poderemos sonhar com outros tempos sócio-econômico-políticos a partir do surgimento de arquiteturas mentais sustentáveis que nos permitam analisar nossas realidades à luz dos fatos históricos para percepções mais independentes sobre a situação brasileira longe das manobras e das manipulações da mídia conservadora a serviço da manutenção da opressão histórica no país.

Enfim, se não atingirmos a sustentabilidade mental, seguiremos nesse círculo viciado e vicioso de gritos pelo Fora Temer ou qualquer outro que chegue ao poder. Com isso, não estou dizendo que não devamos gritar pela saída desse desgoverno, ao contrário, precisamos sim que ele saia o quanto antes, mas a nossa luta deve ser ainda mais sustentável para que, assim, alcancemos resultados bem mais eficientes e eficazes que nos permitam outras estruturas distantes dos elementos que possibilitam a corrupção nesse país. Um dos caminhos para outro Brasil passa, necessariamente, pela reforma política que parta de ações do povo, mas a própria sociedade também necessita sofrer transformações para se libertar dos ranços coloniais e verdades cristalizadas que emperram a nossa grande mudança.

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