Por Jorge Almeida Fernandes.
Com paisagens políticas e dimensões diferentes, as eleições departamentais de hoje em França e as autonómicas na Andaluzia têm algo em comum. Testam a resistência dos partidos tradicionais perante a ofensiva de novas forças políticas (Espanha) ou perante a ascensão da extrema-direita (França). Em ambos os países, a bipolarização tende a dar lugar a um mapa com três ou quatro forças de peso equivalente, o que desestabiliza as alianças tradicionais.
As eleições andaluzas são o primeiro acto do longo ciclo eleitoral que prossegue em 24 de Maio, com as eleições autonómicas em 13 regiões e municipais em todo o país, uma maratona que culminará nas legislativas de Dezembro que ameaçam transfigurar o quadro político espanhol. As departamentais francesas são encaradas como uma espécie de ensaio geral para as presidenciais de 2017. Em ambos os casos, deverão debilitar os governos do socialista François Hollande e do conservador Mariano Rajoy.
Incógnitas da Andaluzia
A Andaluzia, feudo político do PSOE desde a Transição, é a comunidade mais povoada do país, a que mais dinheiro recebe em relação ao que entrega ao Estado, a que tem a mais alta taxa de desemprego e de pobreza. E uma das regiões onde mais grave é a corrupção. O mais recente escândalo foi o da fraude maciça de falsos cursos de formação. “O PSOE andaluz converteu-se numa enorme máquina clientelar que agora sonha mandar em Madrid”, diz um empresário.
A socialista Susana Díaz, presidente da região, fez uma jogada de alto risco ao romper a aliança com a Esquerda Unida e antecipar as eleições. Queria prevenir a ascensão do Podemos e aproveitar a crise do Partido Popular (PP) para lhe impor uma derrota no primeiro acto do ano eleitoral. Esse triunfo seria o trampolim para conquistar a liderança do PSOE, defenestrando, com o apoio de alguns “barões”, o recém-eleito Pedro Sánchez.
Terá sido um erro de cálculo. Deverá ficar longe da maioria absoluta e, em termos de alianças, tem a vida mais complicada: além do Podemos, emergiu o partido centrista Ciudadanos (C’s), de Albert Rivera, pouco dispostos a sacrificar o seu actual capital político numa aliança com o PSOE andaluz. Rajoy abriu uma porta: deve governar quem tiver mais votos, ou seja, o PP estaria disposto a viabilizar a investidura de Díaz. Mas abre-se um horizonte de instabilidade.
Há uma grande volatilidade na conjuntura política. Se o PSOE não tem perspectivas animadoras, pior estará o PP se as sondagens se confirmarem: poderá perder na Andaluzia 20 dos seus 50 deputados. “Seria um autêntico descalabro, com consequências imediatas na política geral espanhola”, escreve o jornalista Enric Juliana. A votação será também um teste à solidez do eleitorado do Podemos e a primeira prova eleitoral para o C’s.
Trata-se da abertura de um novo ciclo político? Saberemos hoje à noite. E há um elemento suplementar de interesse: as negociações que se seguirão. A Andaluzia pode ser um caso particular já que Díaz recusa a opinião do PSOE e diz que será ela, e apenas ela, a decidir quando e com quem se aliará. Os grandes partidos confrontam-se com a necessidade de mudar a sua cultura política. É-lhes estranha a experiência de coligações e evitam falar no problema. Anota a jornalista Soledad Gallego-Díaz que fazer coligações é complexo. Exige quatro pilares: “A capacidade de manter a coesão interna de cada uma das partes, a repercussão no seu próprio eleitorado, a partilha do poder e a capacidade de influir em políticas concretas.”
As sondagens não prevêem o futuro, são uma fotografia do presente, previnem os profissionais. Se actuais tendências se mantiverem poderão ser necessários três partidos para formar um governo nacional.
Uma particularidade da situação espanhola é que, apesar da ascensão do Podemos, a grande maioria dos espanhóis permanece “ideologicamente moderada”, entre centro-esquerda e centro-direita. O voto no Podemos não é ideológico. Rajoy aposta na recuperação económica para vencer em Dezembro. Mas os cidadãos continuam “zangados” e pessimistas. Exigem mudanças na vida pública. O PP e o PSOE perderam muito mas talvez não de “forma irreversível”, relativiza José Juan Toharia, presidente do instituto Metroscopia. Têm pouco tempo para um processo de renovação. “Recuperar parte da credibilidade perdida, embora difícil, não parece impossível.”
Um novo Pasok?
As eleições departamentais francesas rodam em torno de duas incógnitas: o grau de sucesso da Frente Nacional (FN) de Marine Le Pen e a “catástrofe iminente” do Partido Socialista. A direita, a UMP de Nicolas Sarkozy, aliou-se com o centro (UDI) e será a grande beneficiária, arrancando ao PS a hegemonia regional.
A FN obterá um grande resultado na primeira volta: quer proclamar-se como “primeiro partido francês”. Na segunda volta terá dificuldades, dado o sistema eleitoral e o seu isolamento numa votação triangular. À partida, a aliança UMP-UDI não terá dificuldade em a bater. Mas será bom aguardar o teste da segunda volta onde o partido de Le Pen será, de qualquer modo, um actor de primeiro plano.
A FN tem possibilidade de vencer em dois ou três departamentos, o que seria uma “bomba”. Mesmo que não tenha maioria em nenhum conselho departamental, poderá vir a ser o árbitro em muitos deles. O que colocará à UMP a delicada questão dos acordos com a FN.
“O certo é que estas eleições serão uma viragem maior na história da FN”, resume Sylvain Crépon, estudioso da extrema-direita. “As eleições europeias são um escrutínio sobretudo simbólico, uma espécie de desabafo. As departamentais são uma trave mestra do edifício que a FN quer construir.” Trata-se da implantação territorial e da “respeitabilidade”, requisitos “para preparar as próximas batalhas nacionais, as presidenciais e as legislativas de 2017.”
Dramática é a situação do PS. Marine designou o primeiro-ministro Manuel Valls como “adversário principal”. Valls concentrou a campanha na “desconstrução” do incoerente programa da FN e na ameaça que ela constitui para a República, denunciando as tiradas” anti-semitas e racistas” de muitos dos seus candidatos.
O grande problema é outro. O PS corre isolado e, mais do que isso, dilacerado. O governo é diariamente atacado pela sua minoria de esquerda. Benoît Hamon, ex-ministro da Educação de Valls, acusa-o de ser “uma ameaça à República” e causador “de um imenso desastre democrático em 2017”.
Por outro lado, a esquerda batalha dividida, o que é uma “política suicidária”. Cada candidato do PS tem ao lado um candidato da aliança entre a Frente de Esquerda e ecologistas a atacá-lo.
Françoise Fressoz, editorialista do Monde, observa ainda que os socialistas se “lançaram numa espiral de morte”, com os seus barões a disputar “os restos da velha casa socialista”. Não são raros os que evocam o exemplo do Pasok grego. Se não souber mudar, o PS pode morrer, avisou Manuel Valls em 2009.
Fonte: Público.pt