Por Francisco Fernandes Ladeira.
Em 2002, quando Lula, após três tentativas, enfim, foi eleito presidente da República, a estratégia da elite econômica, contrária à chegada do petista ao Planalto, já estava preparada. Acreditava-se em um governo desastroso, o que comprovaria a hipótese de que o PT só saberia se portar como oposição. No poder, revelar-se-ia malsucedido. Assim, para evitar a reeleição, a grande mídia (porta-voz dos interesses da elite) superdimensionaria e noticiaria todos os erros petistas, preparando a volta do PSDB ao cargo máximo do país.
Não deu certo! Como sabemos, o governo não foi o desastre esperado e Lula não só fora reeleito, como também fez sua sucessora: Dilma Rousseff.
Diante desse quadro, em 2005, já em campanha para a eleição presidencial para o ano seguinte, os grandes grupos de comunicação, em conluio com o STF, transformaram a Ação Penal 470 – processo jurídico que investigou um possível esquema de corrupção no governo Lula – no espetáculo midiático do Mensalão. Tal campanha antipetista, lembrando aos identitários, teve como principal nome o primeiro ministro negro do STF: Joaquim Barbosa.
Na época, primórdios das redes sociais, a grande mídia ainda tinha a prerrogativa exclusiva de ditar a agenda pública nacional. Logo, noticiou-se aos quatro cantos que um escândalo de corrupção estava derretendo o governo Lula junto à população.
A estratégia discursiva – seguida por Globo, Folha, Veja e afins – era a de que o partido que se vendia como arauto da ética se rendeu à corrupção (narrativa que tem grande apelo, sobretudo, na moralista e hipócrita classe média). Diga-se de passagem, lembrando Jessé Souza, nos noticiários da imprensa hegemônica, corrupção só existe no Estado; nunca no mercado.
Até Jô Soares (que muitos, ingenuamente, consideravam que estivesse à esquerda no espectro político) entrou nessa empreitada. Transformou seu programa de entrevistas, aparentemente voltado para o entretenimento, em extensão dos noticiários políticos.
No ano em que Lula tentaria a reeleição, surgia o quadro “Meninas do Jô”, composto por Cristiana Lobo, Lilian Witte Fibe, Ana Maria Tahan e Lúcia Hippolito. “Elas tinham como objetivo falar mal do PT uma vez por semana. Era a primeira guerra da Globo contra Lula, a do ‘mensalão’, vencida pelo petista”, escreveu Eduardo Guimarães, no Blog da Cidadania.
Duas décadas depois, estamos novamente em ano pré-eleitoral, com Lula, provavelmente, buscando a reeleição em 2026. Forjar um desgaste do governo Lula, via judicialização da política, após as farsas de Mensalão e Lava-Jato, parece não colar mais. “A mídia não pode mais se expor em inventar ‘escândalos’ e operações policiais espetaculosas”, escreveu Denise Assis, em artigo no Brasil 247.
Eis que surge aquilo que Reynaldo Aragon e Sara Goes, também no Brasil 247, descrevem como pesquisismo: lógica em que as pesquisas de opinião deixam de ser ferramentas de leitura da realidade para se tornarem instrumentos de sua fabricação.
Trata-se da estetização da política como simulação: uma guerra de narrativas travada por números e gráficos que, na aparência de neutralidade científica, opera dentro do espectro da guerra híbrida e das operações psicológicas. O objetivo não é convencer com argumentos, mas induzir percepções que sirvam a determinados interesses de poder.
Nessa lógica, o governo Lula estaria derretendo, devido à sua impopularidade, a partir dos percentuais apresentados em pesquisas como as da Quaest e do Datafolha.
No entanto, como adverte o professor Wilson Ferreira, do Canal Cinegnose, esses estudos não estão captando algo concreto, objetivo, uma mudança real na opinião pública. Simplesmente refletem a pauta midiática dominante. São tautológicos.
Seguindo essa linha de raciocínio, como bem denunciou Marcos Coimbra, ex-diretor do Instituto Vox Populi, há uma operação casada: um noticiário obstinado sobre temas negativos antes, e uma pesquisa a seguir, explorando aquele nicho do noticiário, que já se impregnou na opinião pública.
Não por acaso, a pesquisa Quaest, contratada pela Genial Investimentos (sempre o “mercado”!), foi bastante ousada em seu diagnóstico: 62% dos brasileiros acham que Lula não deveria disputar a eleição de 2026. É o cenário perfeito para o próximo pleito, segundo os interesses da grande mídia.
Remetendo à conclusão do texto da citada Denise Assis: “de pesquisa em pesquisa, a mídia tem suas manchetes atribuídas aos resultados delas e não mais ao ‘denuncismo’, dos tempos de Lava-Jato. Limpinha, sorridente, gasta horas com comentaristas discutindo onde estão as falhas da comunicação, e as deficiências do ministro A, e do B”.
Desse modo, o anterior conluio “mídia/judiciário” é substituído pela tabelinha “mídia/institutos de pesquisas”. Infelizmente, na própria esquerda, há quem diga que denunciar esta manobra editorial é passar pano para o governo e negacionismo científico (pois questiona a lisura de determinados estudos). É para isso que servem idiotas úteis: corroborar, sob um verniz progressista, a ideologia dominante.
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