Texto e fotos por Ana Helena Tavares, editora do Quem tem medo da democracia? – QTMD?
Dom Pedro Casaldáliga, bispo emérito da Prelazia de São Félix do Araguaia, está de volta à sua casa desde o dia 29 de dezembro de 2012. Como o QTMD? denunciou, Pedro, como gosta de ser chamado, havia tido que abandonar sua residência no dia 07 de dezembro devido a ameaças de morte.
As ameaças partiram de pessoas insatisfeitas com a desintrusão de Maraiwatsede, terra declarada como pertencente aos índios Xavante e invadida há décadas por produtores rurais da mega-agropecuária Suiá Missú.
A região de disputa compreende os municípios de São Félix do Araguaia e Alto da Boa Vista (ambos no Mato Grosso). O local de maior foco de resistência dos posseiros é conhecido como Posto da Mata.
Durante entrevista exclusiva, concedida ao QTMD? em setembro de 2012, o bispo Pedro comentou sobre a ironia que o nome “Posto da Mata” carrega: “Se fala do Posto da Mata. Cadê a mata do posto?”, perguntou-se.
De fato, quem esteve lá, sabe que mata já não há. “Está tudo desmatado. Os córregos todos profanados, alguns deles secos já perderam toda a vitalidade.”, lamentou-se o bispo.
Na mesma entrevista, em setembro, perguntado se alguma vez teve medo de morrer (lembrando das ameaças de morte que sofria na ditadura), Pedro disse que teve medo em “vários!” momentos (para ele, “o problema é ter medo do medo”).
E alertou: “Ainda agora, por exemplo… Essa situação dos intrusos, os que comandam a intrusão (falando da disputa de terras citada aqui) acham que a culpa principal é minha por eu ter defendido esses índios.”
O bispo procurou explicar o problema:
“A questão é que, na década de 60, foram deportados esses índios Xavante para abrir espaço ao latifúndio, à grande fazenda Suiá Missú, a maior fazenda de gado na época. Os índios sempre vêm reivindicando a terra e a empresa petrolífera italiana Agip prometeu que devolveria aos índios. Prometeu de palavra. Quando se soube disso, políticos e fazendeiros da região estimularam a invasão da terra indígena, dizendo que se os índios ganhassem a terra, (eles, os fazendeiros) tinham perdido a terra, mas se os posseiros ganhassem a terra, mais tarde ou mais cedo ela voltaria para os fazendeiros. Nisso, se passaram vinte anos. E se conseguiu, finalmente, que a terra fosse homologada (como indígena) dentro das vigências da lei. E veio o decreto da desintrusão.”
Ele ponderou que “há pequenos (proprietários rurais) que têm direito à reforma agrária e há um grupo de (índios) dissidentes que respalda os invasores”, mas considera que a proposta que havia sido feita pelo governo do Estado de transferir os índios para um parque em outro local era “absurda e inconstitucional”.
A resistência que se agravou com a chegada de Forças Nacionais para o início da desintrusão, em 10 de dezembro, foi prevista pelo bispo durante a entrevista, em setembro: “Só não sei até que ponto…”, disse. Mas frisou: “Todos que entraram sabiam que as terras eram indígenas. Todos, todos, todos.”
Embora o QTMD? tenha ido ao Araguaia em busca de entrevistar uma lenda-viva que lutou contra a ditadura militar, logo na ida fomos barrados na estrada pelas agruras de uma democracia incompleta. Vários atores desse conflito que o bispo nos narrou e que agora ameaça sua vida foram vistos de perto pelas nossas lentes e registrados em reportagem publicada aqui.
O bispo costuma estimular quem o visita orientando ao pé do ouvido: “Não deixe de lutar pelas causas da vida”. O QTMD? não deixará e o “grito dos pobres” sempre “sacudirá nossas perguntas”, como Pedro nos recomendou em poema de Natal.
Nos alegramos ao poder informar que o cenário das fotos que ilustram este texto pode novamente inspirar o dono da casa “sem portas” a seguir firme nas “causas da vida”.
Abaixo, segue um cordel que nos foi gentilmente enviado pelo seu autor.
DOM PEDRO CASALDÁLIGA
COM A MORTE ANUNCIADA
Por Medeiros Braga
“De um lado estava a igreja,
Índio, posseiro, peão,
Do outro, governo, exército,
Fazendeiro, batalhão,
E ainda pra completar
A milícia do lugar,
A justiça de então.”
Abro as asas da poesia
Pra narrar com realismo
A história dum guerreiro
De crença e idealismo,
Sua opção radical
De luta no social,
De fé no cristianismo.
Ele é Pedro Casaldáliga
Nascido na Barcelona
E que veio ao Brasil
Para perigosa zona,
A região amazônica
Onde de forma tirânica
Tinha ela a sua dona.
…………………………
Chegou, pois, no Araguaia
Com um país conturbado,
Só tinha vez no poder
Quem estava do seu lado,
Quem tinha a ideologia
Da ditadura, da CIA,
Desse regime implantado.
Principalmente, na área
De São Felix do Araguaia,
Onde não havia lei,
Mandava a força lacraia,
Os pobres como os posseiros,
Índios, peões, carvoeiros
Eram tratados por laia.
Quem ousasse contestar
A sua ação terrorista,
Discordar da extorsão
Que se dava sempre em vista,
Como resposta, acossado,
Era de pronto acusado
De terrível comunista.
Dom Pedro então que viera
De apoio ao oprimido,
Para defender o índio
Injustiçado, excluído,
Sabia que no lugar
Ia ter que enfrentar
Um inimigo atrevido
………………………………
Eis o clima que Dom Pedro
Casaldáliga, com energia,
Enfrentou pra construir
Um pedaço da utopia,
Utopia que já vinha
Tecendo em versos na linha
Do carretel da poesia.
Ao chegar foi acusado
De ser mais um comunista,
Com seu ataque ao sagrado
Sistema capitalista,
Disfarçado de pastor,
Deve ser um agitador,
Subversivo, ativista.
Enfrentando esse inimigo,
Nos seus versos confessou:
“Chamaram-me subversivo
E eu lhes direi: eu sou!…
Na busca do objetivo
Por meu povo em luta vivo,
Com meu povo, em marcha, vou.”
Deixou também sua marca,
Nessa identificação:
“Tenho fé de guerrilheiro
E amor de revolução.”
“Contra o poder e o dinheiro
Eu apoio o bom guerreiro,
Incito a subversão.”
……………………………..
Naquele tempo os xavantes
Foram expulsos da terra,
Matas foram derrubadas,
Não ficou uma só fera,
Com violência e malícia
Foi criada uma milícia
Poderosa em toda esfera.
Com arsenais poderosos
Um bando de vis sicários
Chegou ali, se apossou
Já como proprietários
De glebas mirabolantes
Para implantar os gigantes
Projetos agropecuários.
Essa reserva xavante
Seria depois comprada
Pela AGIP italiana,
Mas, de forma bem pensada
Na Eco-Noventa e Dois
Ela disse que depois
Aos índios seria dada.
Só depois de vinte anos
A justiça, enfim, julgou
Toda desocupação
Da terra pelo invasor,
O julgamento se encerra
Do xavante e sua terra
Desta vez em seu favor
O pivô dessa vitória
Imprimida a seu algoz
Foi Dom Pedro Casaldáliga
Que não calou sua voz,
Que sem arma e sem poder
Pôde em vida combater
Sem temer algo de atroz.
Mas, dos latifundiários
Sua fúria foi mostrada,
Pois, esse religioso
Sem usar arma de nada,
Como Chico Mendes sendo,
No Araguaia está tendo
Sua morte anunciada.
Foram muitas ameaças
De mortes que recebera,
Lá em um bar de São Felix
No meio da bebedeira
Pôde um capanga dizer
Que ele iria morrer
Por uma bala certeira.
[…] para Combate ao Racismo Ambiental por Susan de Oliveira, a partir de http://desacato.info/2013/01/d-pedro-casaldaliga-esta-de-volta-a-sao-felix-do-araguaia-para-seguir-l…. 11:57 (1 hora […]