Uma semente foi plantada no chão das vidas, dos territórios e das diversidades étnicas e culturais dos povos indígenas no ano de 1988.
Trata-se da Constituição Federal, que nasceu e passou a ser cuidadosamente regada, cultivada e alimentada ao longo das três últimas décadas.
Os povos, suas organizações e muitos apoiadores, viam aquela plantinha crescer, dando-lhe proteção e amparo até gerar frutos.
Muito sangue indígena, ao logo do tempo, foi derramado – mas que acabou, em grande medida, alimentando de força ancestral e espiritual aquela plantinha.
As pessoas admiravam-se ao vê-la e aprenderam a lidar com ela, conhecendo suas raízes, tronco, caules e suas vigorosas folhas.
Ao redor havia parasitas, muitos deles, entre cupins, brocas, gafanhotos, pasto, soja, boi, cana de açúcar, garimpo, veneno, desmatamento, racismo e intolerância.
Todos patrocinados pelos que invadiam e se diziam donos das terras, as quais buscavam corroer, corromper e devastar – visando o lucro farto e fácil.
A plantinha se mantinha firme, verde e vigorosa, mesmo sendo atacada pelos ventos e ameaças cotidianas dos parasitas e invasores.
Até que um dia os cupins, as brocas e os gafanhotos decidiram que aquela árvore deveria ser devorada, já que era jovem – plantada em 1988 – tenra e fresquinha.
E avançaram sobre seu tronco, onde passam a sugar sua seiva – ato contínuo -, as flores, que já despontavam para dar frutos, murcham e as folhas caem.
Ao redor da árvore, o sangue indígena continuou a ser derramado pelos que se apossaram das terras, porque não admitem a existência dos povos e buscam eliminá-los.
Chamaram outros, pessoas importantes da sociedade, dos poderes públicos, de organizações indígenas a quem comunicaram: no lugar da árvore haverá boi, soja, garimpo e barragens.
E, se assim concordarem, disseram eles, todos serão beneficiados, pois compensaremos com adornos e enfeites, destinando-os às festas e aos rituais.
Os cupins, brocas e gafanhotos, enquanto se discute a árvore, continuam a comê-la, faltando pouco para que se torne oca – prestes a ser derrubada.
A Tese do Marco Temporal, as engrenagens que foram montadas por dentro dela, ou ao seu redor, são cupins, gafanhotos e as brocas utilizadas para dilacerar a Constituição Federal.
As propostas de compras de terras, de permutas e outras proposições nessa mesma margem, não são diferentes de adornos, visando mitigar a ausência futura dos direitos no ordenamento jurídico brasileiro.
Onde os direitos caracterizados como fundamentais, tornar-se-ão relativos ou circunstanciais, os que até então eram originários, ficarão condicionados a um marco temporal, os que seriam inalienáveis, tornar-se-ão do capital, onde se dizia indisponíveis, submeter-se-ão aos especuladores e, por fim, os imprescritíveis, cessarão perante os interesses de particulares.
Porto Alegre (RS), 26 de setembro de 2024.
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