Por Andrew Fishman.
O ex-deputado federal Eduardo Cunha finalmente foi preso pela Polícia Federal nesta quinta-feira, dia 19, e teve sua casa revirada por agentes em busca de provas que liguem o então homem forte com o esquema de propinas na Caixa Econômica Federal. Levando em consideração a notícia de que a Justiça Federal bloqueou mais de R$ 220 MILHÕES dos seus bens, parece inegável que o montante de acusações justifiquem sua prisão. A dúvida é se essa ação representa justiça sendo feita ou uma ovelha sendo oferecida em sacrifício para as massas. Para quem carrega as bandeiras de “Fora Cunha” e “Fora Temer”, parece um momento mais adequado à vigilância que à celebração.
O desprezo a Cunha por grande parte da população atingiu níveis estratosféricos com seu papel chave na articulação da expulsão de Dilma Rousseff. O ódio e desespero sobre tudo o que tramitou injustamente em Brasília ficou focado nas figuras de Eduardo Cunha e Michel Temer. (São farinha do mesmo saco, afinal. “Michel é Cunha”, assegurou o aliado Jucá.)
Além da imagem de usurpador escorregadio que Temer representa na consciência coletiva da oposição, não existe uma figura que melhor desminta a promessa de “impeachment para livrar o país de corrupção” do que um líder do partido-parceiro mais próximo ao PT nos esquemas de corrupção: ele mesmo é acusado de embolsar dezenas de milhões de reais através de contratos corruptos. Já a palavra “Cunha” virou quase um xingamento para milhões de brasileiros. Ele é tão odiado que nem consegue andar em aeroportos sem apanhar de tiazinhas sob uma trilha sonora de vaias.
Os caciques do PMDB não são iniciantes na política e entenderam que Cunha parou de ser o instrumento incisivo de antes e virou uma pesada cruz para seus aliados carregarem. Deixaram-no para os lobos. O juiz Sérgio Moro, que abertamente articula uma estratégia midiática, também consegue reconhecer o valor de pegar um peixe peemedebista deste tamanho — especialmente neste momento, com seu poder e respeito em declínio por ter ultrapassado limites constitucionais e ignorado o mandato de imparcialidade. Apoiadores de outrora, como Brian Winter, editor-chefe da revista Americas Quarterly, reconhecem a politização do Lava Jato:
“Diria que a politização do caso é exatamente o que permitiu que ele progredisse até onde foi sem ser interrompida por seus inimigos. Perversamente, também é o que vai começar a levar a investigação a seu fim, provavelmente nos próximos meses.”
A prisão de Cunha serve a muitos interesses, ainda que deixe várias sanguessugas de Brasília estendendo a mão para a garrafa de uísque. Cunha preso, como no caso de Marcelo Odebrecht, é pão e circo para o povo. A ideia de vê-lo encarcerado desencadeia uma catarse coletiva. Pegaram o ladrão. Mas esse alívio pode até ser um fator desmobilizante da oposição, com o “Fora Cunha” cumprido. Ao mesmo tempo, Moro consegue usá-lo como um exemplo de sua imparcialidade sem cuspir diretamente no olho dos novos donos de Brasília, que estão salivando para fechar sua investigaçãointerminável (quase todos são implicados) e voltar para o negócio de sempre. Sem dúvida, será uma potente ferramenta retórica no esperado dia em que Moro pedir que a PF volte com a cabeça de Lula.
Rapidamente, oponentes do impeachment esqueceram suas críticas a Moro e estão saboreando o momento:
E, previsivelmente, alguns porta-vozes da direita usaram a prisão de Cunha como uma oportunidade para demonstrar quão simplista é seu pensamento e ridicularizar a ideia de que Moro possa pedir a prisão de um peemedebista e, ao mesmo tempo, ser parcial.
Enquanto os treteiros tretam, todos os danos infligidos pelo ex-deputado durante seu reinado ficam de lado, por exemplo:
- Coordenou uma minirreforma que permitiu candidatos driblarem a lei ficha limpa
- Fez manobras para passar a redução da maioridade penal
- Articulou em favor de uma lei que dificulta abortos legais
- Apoiou uma mudança no Código Eleitoral que prejudica partidos pequenos e ajuda partidos como o PMDB
- Lutou contra o Marco Civil da Internet
- Avançou a Lei de Tercerização
A PRISÃO É A ÚLTIMA de uma longa sequência de más notícias para o peemdebista. Em maio, o ministro Teori Zavascki do Supremo Tribunal Federal o afastou de seu mandato de presidente da Câmara. Em junho, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pediu sua prisão. Em julho, sob pressão insuperável, renunciou à presidência da Câmara às lágrimas de crocodilo. Em setembro, a Câmara o expulsou de suas fileiras, o que fez com que perdesse o sagrado direito do político brasileiro: o foro privilegiado. Foi um longo caminho até o inevitável: a prisão. Ainda está em jogo se o mestre das artes políticas conseguirá se livrar por alguma lacuna da lei ou se a ficha realmente caiu.
Vale lembrar que Cunha é acusado de ter seu dedo emquase todos os potes e responde a muitas acusações de crimes milionários. Ele é a definição de rabo preso e já ameaçou publicamente que vai queimar o filme de todos seus ex-colegas: “vou contar tudo que aconteceu, diálogo com todos os personagens que participaram de diálogos comigo. Eles serão tornados públicos, na sua integralidade. Todo mundo que conversou comigo, todos, todos.”
O fato de que uma possível delação premiada sua ainda esteja preocupando a Brasília é prova suficiente de que mesmo que Eduardo Cunha deixe a cena política, seu legado, sua essência e seus aliados de pensamento permanecem. Cunha sai, mas centenas de Cunhas ficam.