As forças progressistas da sociedade brasileira ainda comemoravam a derrota acachapante do financiamento privado de campanha no plenário da Câmara, na noite da terça (26), quando o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RRJ), quebrou o acordo firmado com os líderes partidários e anunciou que recolocaria a matéria em votação na sessão desta quarta (27).
O procedimento, bastante incomum, provocou protestos efusivos dos partidos de esquerda, especialmente do PT, do PCdoB e do PSOL. É que na sessão da terça, o próprio Cunha havia dito em alto e bom som que o tema, colocado em votação a partir de uma emenda aglutinativa, não seria apreciado novamente, nem mesmo a partir do texto-base do relator Rodrigo Maia (DEM-RJ).
Líder do PROS, o deputado Domingos Neto, havia questionado, na mesma sessão de terça, por que o texto-base não iria à votação, como prevê o regimento. O presidente da casa, então, explicou que ele seria substituído pela emenda, conforme acordo firmado entre os líderes partidários. “Não haverá mais a votação do [texto] do relator”, garantiu Cunha, conforme atesta o vídeo extraído da TV Câmara.
Nesta quarta (27), porém, Cunha desconversou sobre a promessa feita menos de 24 horas antes. Justificou que, na terça, teria feito um “comentário talvez equivocado” e que o regimento o obrigava a colocar o texto base em votação. “A presidência não está descumprindo acordo feito com os líderes. Na medida em que nenhuma emenda for aprovada, não restará outra alternativa que submeter a voto o texto do relatório”, afirmou.
Líder do PT, o deputado Sibá Machado (AC), criticou a nova votação do tema recém apreciado. Segundo ele, a emenda derrotada na terça foi considerada como texto do relator. “A emenda correspondeu ao texto do relator, com anuência dele explicitada por microfone. Entendemos que o texto do relator está derrotado”, disse.
O deputado Alessandro Molon (PT-RJ) subiu ainda mais o tom de crítica ao afirmar que seu partido não reconhece aquela votação e irá questioná-la onde for necessário, dada que foi feita ao sabor da ocasião para fazer valer a vontade do presidente. “Essa casa não pode votar ora conforme o acordo, ora conforme o regimento”, argumentou.
Líder do PCdoB, a deputada Jandira Feghali (RJ) também disse considerar o financiamento empresarial matéria vencida, já deliberada. “Se a emenda tivesse sido vitoriosa, eu não estaria aqui buscando um jeito de votar o que eu quero. Não pode ser assim”, protestou ela.
O deputado Júlio Delgado (PSB-MG) foi outro que criticou a atitude do presidente. “Cunha perdeu o jogo, mas é o dono da bola. Aí disse: não gostei do resultado, vamos jogar de novo. Assim não dá”, comparou.
Em meio as denúncias e debates, o grosso do plenário “mudou de ideia” em relação ao teor do que foi decidido na noite anterior. Por 330 votos a 141, com uma abstenção, foi aprovada a emenda aglutinativa do deputado Celso Russomanno (PRB-SP) que permite a doação de empresas e pessoas físicas a partidos políticos, mas limita às pessoas físicas as doações para os candidatos. Os limites máximos de arrecadação e gastos para cada cargo eletivo serão definidos em lei a ser aprovada pelo Congresso.
Entre os que mudaram de lado de forma tão rápida, tão radical e tão surpreendente, estão mais de uma dezena de deputados do PMDB que, na terça, votaram contrários à determinação do presidente. E também o PRB que, na véspera, havia rejeitado em peso contra o financiamento privado.
Como se tratava de alteração constitucional, a matéria precisava ser aprovada por duas sessões da Câmara, antes de seguir para o Senado. E o presidente da casa agiu rápido para que os ventos que lhe eram favoráveis não mudassem: encerrou aquela sessão e, no momento seguinte, abriu uma segunda, que reafirmou o placar.
Com isso, a votação em curso no Supremo Tribunal Federal (STF), que já alcançou maioria pela inconstitucionalidade do financiamento privado de campanha, perde sua razão de ser e o poder econômico continuará comandando o jogo político no país, agora com previsão constitucional. É a reforma política reivindicada pela sociedade brasileira, só que às avessas.
A deputada Maria do Rosário (PT-RS) protestou contra a manobra da presidência que resultou em um retrocesso para a democracia brasileira. “O que ocorreu esta noite é algo muito grave. (…) O fato é que, por uma via regimental que o presidente Eduardo Cunha é conhecedor exímio, tivemos duas votações sobre o mesmo tema. (…) O interesse privado está, aqui, muito acima do interesse público, o que é lamentável para a democracia”, denunciou.
Fim da reeleição
Os deputados também aprovaram, na noite desta quarta (27), o fim da reeleição para cargos do executivo: presidente, governadores e prefeitos. Todos os partidos orientaram suas bancadas a votarem favorável a proposta. Foram 452 a favor, 19 contra e uma abstenção.
Líder do PCdoB, a deputada Jandira Feghali (RJ) lembrou que seu partido votou contrário à reeleição desde que ela foi inventada pelo governo Fernando Henrique Cardoso, inclusive com denúncias de compras de votos no plenário que jamais foram investigadas. “Vamos manter nossa posição histórica”, justificou.
O líder do PT, Sibá Machado (AC), defendeu o fim da reeleição, também relacionada por ele ao governo tucano. “Nossa bancada vai orientar o voto sim, pelo fim da reeleição. Todos nós sabemos que a reeleição foi introduzida por um governo do PSDB”, declarou. Mas o próprio PSDB também apostou no fim da reeleição que criou, alegando que ela “já cumpriu o seu papel histórico”, conforme explicou o líder Marcos Pestana (MG).
Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
Fonte: Carta Maior.