CUN da UFSC aprova cessão de terreno para duplicação no Pantanal

CUNPor Elaine Tavares.*

 Por 24 votos a 14, os membros do Conselho Universitário da UFSC aprovaram ontem a cessão de parte do terreno da instituição (ninguém sabe quanto exatamente) para uma proposta de duplicação do entorno da UFSC e da rua Deputado Edu Vieira. Poderia ser uma decisão interessante se os conselheiros soubessem exatamente no que estavam votando. Mas, na verdade, nenhum dos membros do Conselho tinha conhecimento do projeto, uma vez que a prefeitura não apresentou projeto algum sobre a obra.  Na fala final da reitora Roselane Neckel, o argumento por ela utilizado para reforçar a proposta de cessão, foi o de que a prefeitura não podia investir em um trabalho de criação do projeto uma vez que não tinha a certeza de que contaria com o terreno da UFSC. Assim, os conselheiros acabaram votando no escuro, sem saber quanto de terra será utilizado, nem a que propósito servirá.

 A sessão do CUN não foi a primeira na discussão do tema. Essa ideia de duplicação e o pedido de cessão das terras surgiu no ano de 2010 e, desde aí, a comunidade universitária tem se debruçado sobre o tema. O grande entrave sempre foi o fato de que a prefeitura nunca apresentou projeto sobre a obra, portanto não era possível aprovar uma cessão sem base alguma. O que havia era um esboço genérico de duplicação com a proposta de sistema binário para a Edu Viera e a principal rua da Carvoeira. Além disso, no processo de consulta à comunidade, as forças vivas dos bairros do entorno e, principalmente, os moradores da Edu Vieira sempre se colocaram contrário à proposta. Todos sabem que são necessárias obras de melhoria da mobilidade, mas também entendem que abrir novas vias para carros não resolverá o problema, apenas o tornará maior. Mais via, mais carros e mais fluxo. Não há qualquer proposta concreta sobre, por exemplo, a priorização para o transporte público.

 Agora, em 2014, o tema voltou à baila outra vez, porque a mídia comercial sempre insistiu em colocar sobre os ombros da UFSC o ônus dos gargalos do trânsito local. Sem nunca explicar para a sociedade que o que a UFSC pedia até então era o básico: um projeto. Como legislar em cima do nada? Mas, a nova conformação do Conselho Universitário, agora sob o comando de Roselane e Lúcia, não viu problemas em dar cheque em branco para a prefeitura. A mesma prefeitura que colocou no lixo sete anos de debate público do plano diretor e, autoritariamente, mudou tudo e aprovou o novo plano em pleno janeiro.  A mesma prefeitura que criou uma licitação para o transporte público e que deixou tudo como está.

 O relator do projeto, professor Paulo Pinheiro Machado, ao se referir a audiência pública, realizada pela UFSC, que ouviu os moradores e levantou os problemas da proposta da prefeitura, disse que a universidade não poderia se colocar como representante da comunidade, que era preciso tomar uma decisão própria, aludindo assim que não precisava levar em consideração a fala dos moradores. Esse ponto foi veemente combatido pela conselheira Elaine Tavares que lembrou a todos os colegas que a UFSC não é uma bolha dentro do Pantanal, da Trindade ou da Carvoeira, ela é parte da comunidade, ou deveria ser. Logo, levar em conta o clamor dos moradores não só era necessário como devido, sob pena de a instituição se colocar como um elemento isolado, sem ligação com a vida real. A conselheira Helena Dalri, também argumentou que lhe parecia impossível legislar sobre uma obra, a qual ninguém tinha conhecimento do projeto. “Na universidade, para entrar num mestrado ou doutorado, a pessoa tem de apresentar um projeto. Ela não sabe se vai passar, mas o projeto precisa ser feito. Não há razão para a prefeitura não apresentar um projeto”.

 O conselheiro Helio Rodack, que havia pedido vista do processo, apresentou outro parecer no qual insistia na necessidade de a prefeitura primeiro apresentar o projeto da obra, definindo claramente o que iria fazer e quais as prioridades. Insistiu na proposta de que o Conselho Universitário só votasse a cessão depois de cumprida essa exigência, afinal, ninguém poderia votar no escuro.

 Mas, o conselheiro Paulo Pinheiro Machado manteve o parecer de cessão das terras, argumentando que a reitoria havia assinado um protocolo de intenções com a prefeitura, o qual a municipalidade se comprometia a cumprir. Mas, o tal protocolo que foi assinado leva em conta apenas os pontos que foram consenso entre a prefeitura e a UFSC. Nele, a universidade, inclusive, pactua questões de seu interesse e que deveriam ser obrigação do governo federal, como, por exemplo, melhorias na iluminação, e mudanças no plano diretor para novas construções. As propostas que foram consenso, na audiência pública,  entre a UFSC e a comunidade, não foram levadas em conta. O protocolo é uma proposta rebaixada e deixa bem claro a quem a UFSC decidiu se aliar. Nele, não estão colocadas questões que são importantes para os moradores, que também se manifestaram no conselho através de uma representação. A moradora do Pantanal, Marli, fez um depoimento emocionado, apelando aos professores para que ouvissem a comunidade. “Nós já estávamos aqui quando a UFSC chegou e a gente recebeu de braços abertos. Agora, vamos ser ignorados?”

 E foi exatamente isso que aconteceu. De costas para o apelo da comunidade, os conselheiros votaram pela cessão das terras, sem se importar com o que vai acontecer com a vida de quem mora na região. O professor Luis Carlos Cancellier, diretor do Centro de Ciências Jurídicas, chegou a ironizar que ele quase mudou de opinião depois de ler um texto que dizia que as pessoas não poderiam ir mais na igreja. De maneira cínica, o professor tripudiou sobre a preocupação da comunidade com o fato de que a Edu Vieira pode se transformar numa via expressa cortando o bairro e mudando de forma radical a sociabilidade. Excetuando a bancada dos técnico-administrativos, dos estudantes e três professores, o restante do conselho parecia não estar preocupado com o que pode acontecer no cotidiano das pessoas.

 A reitora, Roselane Neckel, de forma arbitrária, manobrou a sessão e não colocou em votação a proposta do conselheiro Gabriel Martins (TAE), que era a de, primeiro, exigir da prefeitura uma resposta dos pontos levantados pela comunidade e pelos grupos de trabalho da própria UFSC que estudam a questão desde há anos. Assim, encaminhou direto para a votação dos pareceres, colocando um contra o outro. Na proposta de Paulo Pinheiro Machado, a UFSC cede o terreno baseada no Protocolo de Intenções firmado com a prefeitura. Na proposta de Hélio Rodack, a prefeitura deveria primeiro apresentar o projeto para que o CUN posteriormente avaliasse. Feita a votação, a bancada dos Técnico-Administrativos em Educação (TAEs) e dos Estudantes votaram pelo parecer de Hélio Rodack. Apenas três professores também votaram nesse parecer sob o argumento da precaução. Os demais conselheiros, 24, votaram no primeiro parecer, cedendo o terreno sem qualquer projeto da prefeitura.

 Na fala final da reitora ela garantiu que, caso a prefeitura não cumpra com o estabelecido no protocolo de intenções, o Conselho poderá rever a decisão. Mas, o fato é que o Protocolo de Intenções só tem dentro dele questões aceitas pela prefeitura. O documento, inclusive, foi escrito pela administração municipal. Todas as demandas que foram levantadas pela comunidade, por professores e TAEs da UFSC e que não tiveram aceite por parte da prefeitura, ficaram de fora.

 Para a completa decepção dos moradores envolvidos durante anos nessa discussão, a universidade optou por tomar uma decisão particularista, baseada apenas nos seus interesses como instituição, não levando em conta todo o acúmulo de debate e estudos, inclusive de professores, TAEs e estudantes da universidade, que têm propostas diferentes de solução para os gargalos. Quem utiliza a malha viária da região sabe que ela precisa de melhorias, mas o ponto central de todas as discussões é a priorização do transporte coletivo, coisa que não ficou garantida.

 Agora, com a faca e o queijo na mão, a prefeitura deverá dar início às obras. Caberá à UFSC e aos conselheiros que aprovaram a cessão do terreno, arcar com a responsabilidade sobre o que vier a ser construído. Para quem esteve esses anos todos na batalha por uma mudança equilibrada, garantidora do coletivo, a UFSC perdeu a chance de definir um rumo diferente para a cidade. Afinal, se tivesse ouvido a voz de seus próprios trabalhadores e estudantes – envolvidos no projeto de outra sociabilidade para a malha viária – daria um passo ousado e criativo em direção ao futuro, coisa que deveria ser o objetivo de uma universidade. Mas, venceu o conservadorismo, e as soluções dadas ao complexo do entorno certamente serão as de sempre: mais vias, mais carros, mais velocidade, mais poluição, menos vida.

 Na fala do professor Cancellier, tripudiando das “pessoas que não poderão ir à igreja”, se condensa todo um pensamento cínico que não leva em consideração as pessoas nem a sua autônoma vontade de seguir vivendo num bairro que as acolhe, que é bonito e permite o encontro. Nela, se expressa a voz do “progresso” a qualquer custo, que precisa se espraiar sem que as pessoas sejam necessárias. Essa são as lideranças que mais hoje, mais amanhã, andarão por aí a pregar uma “nova universidade”. Por aqui, nada de novo. Tudo no mesmo diapasão.

*  jornalista.

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