Por Marco Vasques, para Desacato.info.
Rafael Nogueira não é apenas um nome. Rafael Nogueira não está sendo combatido porque não pertence ao nosso território. Isso cairia numa xenofobia grosseira e sem sentido. Num momento em que o mundo vive em trânsito triste e desesperador, usar de xenofobia, como alguns jornalistas do estado têm feito para questionar a nomeação de Rafael Nogueira à presidência da Fundação Catarinense de Cultura, é, no mínimo, se igualar às ideias torturadoras do nosso oponente. Então, afinal, por que estamos contra Rafael Nogueira?
Porque ele é discípulo de Olavo de Carvalho e bolsonarista ardoroso, portanto, mais um fascista confesso. Ele carrega consigo o hálito podre dos fascistas. E na esteira desse cheiro pútrido traz consigo o ódio ao setor cultural (já manifesto publicamente em suas mídias sociais), a misoginia, a homofobia, a gordofobia, o racismo e o trator da perseguição ideológica em seus mais variados matizes. O setor cultural vem sendo massacrado e criminalizado nos últimos anos. Assim que se instaurou o golpe jurídico-parlamentar, em 2016, nossas vidas e nossas profissões foram atacadas, massacradas, saqueadas e difamadas ao ponto de aquele tiozinho da esquina, que nunca leu uma linha sobre políticas públicas, se alçar ao direito de difamar artistas, chamando-os de bandidos e “mamadores” da Lei Rouanet. Aliás, lei criada por um governo de direita e neoliberal.
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A manifestação dos artistas do teatro, da literatura, da música, do circo, das artes visuais, do cinema e das festas populares ocorrida hoje, sábado, dia 11 de fevereiro, na frente da Catedral Metropolitana de Florianópolis, se constitui num repúdio às violências que o nome de Rafael Nogueira representa à arte e à cultura catarinenses.
O evento teve caráter de assembleia com microfone aberto. Fez uso da palavra Elaine Sallas, notada líder do setor cultural e representante da setorial de teatro no Conselho Estadual de Cultura. Sallas destacou o caráter múltiplo da produção artística e cultural do estado. Enfatizou a necessidade e a urgência de todo o setor cultural encontrar seus pontos de convergências para lutar contra a onda fascista que, infelizmente, veio deitar seus horrores em nossas existências. Por sua vez, Leonel Camasão, presidente do PSOL de Florianópolis, ampliou a discussão sobre políticas públicas e fez um diagnóstico dos perigos que o dirigismo ideológico pode trazer aos trabalhadores da arte e da cultura, e, também, à comunidade catarinense. A vereadora Tânia Ramos (PSOL) destacou que uma sociedade que caminha em harmonia com seus bens culturais promove a saúde, a educação e o bem-estar social. Já Rafaela Catarina Kinas, presidente da Federação Catarinense de Teatro, problematizou os riscos do uso ideológico e inapropriado dos recursos que serão repassados pelo Governo Federal, como a Lei Paulo Gustavo e a Lei Aldir Blanc. Alzemi Machado, funcionário da Fundação Catarinense de Cultura, apontou a necessidade de fortalecer a estrutura e as condições de trabalho da entidade. Machado elencou uma série de políticas públicas garantidas por lei que estão em completo abandono há anos. Marcos Ferreira, membro do Comitê Popular do Campeche, falou sobre a urgência de ações efetivas que visem arrancar Rafael Nogueira do posto de presidente da Fundação Catarinense de Cultura. Por fim, Kátia Costa, bibliotecária e gestora, evidenciou a truculência e a violência institucional que está se instaurando sobre o setor.
Portanto, quando estamos combatendo Rafael Nogueira, estamos combatendo uma ideia de sociedade que nos aniquila e nos ignora. Quando estamos combatendo Rafael Nogueira, estamos defendendo o nosso direito de construir outros corpos sociais, construir aquilo que o filósofo coreano Byung-Chul Han vem defendendo, isto é, viver nossos corpos em festa, viver nossos corpos em estado de brincar, de criar, de amar e de sonhar. Nossos corpos são por onde transitam nossas ideias, sensações, sentidos e, sobretudo, são a expressão de nossas existências. É bem verdade que estamos, para retomar outro conceito de Han, imersos numa sociedade do cansaço, do esgotamento, da fadiga; no entanto, sabemos da necessidade da luta, porque só ela fará com que nossos horizontes tenham todas as cores, todos os desejos, todas as expressões abrigadas no campo do sonho, do afeto e do amor. Por isso e muito mais combatemos Rafael Nogueira e seu arcabouço arcaico carcomido no ódio e na violência! É por nossas e por todas as vidas que combatemos o fascismo e sua raiz nefasta de ódio!
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Marco Vasques é poeta e crítico de teatro. Mestre e Doutor em Teatro pelo Programa de Pós-Graduação da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), com pesquisa em Flávio de Carvalho. É autor dos seguintes livros: Elegias Urbanas (poemas, Bem-te-vi, 2005), Flauta sem Boca (poemas, Letras Contemporâneas, 2010), Anatomia da Pedra & Tsunamis (poemas, Redoma, 2014), Harmonias do Inferno (contos, Letras Contemporâneas, 2010), Carnaval de Cinzas (contos, Redoma, 2015) entre outros. Ao lado de Rubens da Cunha é editor do Caixa de Pont[o] – jornal brasileiro de teatro. Presidiu, em 2020, o Fórum Setorial Permanente de Teatro da cidade de Florianópolis e foi membro do Conselho Municipal de Políticas Culturais. Foi colunista do jornal Folha da Cidade. Atualmente é colunista do Portal Desacato e tem o programa semanal Cismos de Arquipélagos toda quinta às 20:00 h.